Meninos com seus caminhões de lata (Foto do acervo de Socorro Falcão) |
José Pedro Araújo
Durante os anos cinquenta até os
setenta, grande parte da atividade econômica de Presidente Dutra girava em
torno da cultura do arroz. Em anos passados, ao arroz somava-se o algodão, e em
menor importância, o gado bovino. Se no período em que o algodão era muito
forte na economia proliferavam as bolandeiras, ou descaroçadoras de algodão - tínhamos até uma usina de maior porte, cuja força motriz era a caldeira a vapor
-, no período em que o arroz era mais importante, houve um grande aporte de
usinas de beneficiamento deste produto na cidade. Era em torno dessas usinas
que gravitavam os trabalhadores que convencionei chamar de “homens de arroz”. E
passei a chamá-los assim porque estavam sempre, dos pés à cabeça, cobertos por
palha de arroz, grãos do cereal presos ao cabelo e também por aquele pó fino
igual poeira, extraído no ato do beneficiamento do produto. Cabelos, cílios,
sobrancelhas, braços, pernas, tudo recebia resquícios do produto que inflava a
economia regional naquele tempo.
Por essa época também, os pátios
das usinas ficavam repletos de caminhões de diversos municípios nordestinos.
Menino curioso, eu gostava de ler as placas pregadas nos para-choques que
atestavam a origem daquele transporte. Nomes como Baturité, Icó, Jaguaribe,
Crato, Sobral, Juazeiro, Campina Grande, Cajazeiras, Souza, Mossoró, Caruaru,
Goiana, Campo Maior, Piripiri, Piracuruca, Picos, entre tantos outros, aguçavam a minha curiosidade e faziam meu
pensamento voar até eles, fazendo-me prometer que algum dia ainda iria
conhecê-los. Sonhador, perguntava-me como seriam essas cidades e, vez por
outra, abordava algum motorista com essa pergunta.
Era nesse período também que a
Praça da Bomba se enchia dos “homens de arroz”, chamados pejorativamente de
Chapeados. Eram, em geral, homens rústicos, fortes, que traziam sobre a cabeça
uma espécie de chapéu muito esquisito, sem aba, com a copa acolchoada para
diminuir o impacto da sacaria sobre a cabeça, uma vez que transportavam tudo
sobre ela. Quase todos eles usavam a metade de uma bola de futebol costurada naquele
chapéu horroroso. Pobres trabalhadores braçais, sem contrato de serviço
assinado com as usinas, a descoberto de qualquer cláusula trabalhista de lhe
conferisse proteção em caso de acidentes de trabalho, recebiam muito pouco para
carregar os caminhões. E no fim tarde, exaustos e suados, procuravam os
sórdidos botecos para aliviar a tensão do pesado dia de trabalho, e lá deixavam
parte considerável da féria arrecadada. Para suas casas pobres, conduziam
apenas o suficiente para mantê-las abastecidas do mínimo necessário a uma dieta
alimentar para manter a família precariamente alimentada.
Esses homens incógnitos tiveram
grande importância no desenvolvimento do município que se formava. Mas, duvido
que tenha sido, algum deles, homenageado com o nome simples em alguma das
centenas de ruas da cidade. A atividade, contudo, era tão importante naquela
época que levou o nome da cidade ao conhecimento de vários municípios
nordestino. Presidente Dutra passou a ter o nome de fartura, terra do arroz, em
distantes rincões, lugares em que sobre as mesas de famílias desconhecidas era
servido o que era produzido no Curador, transportados por caminhões possantes e
carregados por homens de força, pagos com aviltante ordenado.
Lembro-me do nome de alguns
desses carregadores, mas não vou decliná-los para não cometer injustiça com os
demais. E eram muitos. Viviam em grupo, transitando de uma usina para a outra à
medida que seus serviços eram solicitados.
A cidade mudou. Já não é mais
celeiro de produção de alimentos. Pelo menos não mais como era. Hoje é um polo
de comércio dos mais importantes do interior maranhense. Os chapeados também
sumiram. Sumiram é a forma de dizer. Mas o município não tem hoje tantas usinas
de beneficiamento de arroz que possa ofertar trabalho para tanta gente como no
passado. Pois o arroz que chega à panela do nordestino, inclusive do
presidutrense, é quase todo ele originário do Rio Grande do Sul ou de Tocantins.
Mudou o foco do município, mudaram de atividade os nossos trabalhadores braçais
que também não precisam mais transitar com seus chapéus esquisitos, quase uma
rodilha, como as que usavam as mulheres para transportar legumes da roça na
cabeça.
Ilustra o presente texto uma
fotografia antiga, da minha época de criança, que atesta tudo o que disse
acima. Nela aprecem algumas crianças que gostaria muito de saber por onde
andam. Perdi o contato com elas quando tive que sair à procura de um jeito
melhor de escrever a minha história. A fotografia atesta também a importância
que a produção agrícola tinha para o município: a maioria dos meninos posou ao
lado do caminhãozinho feito de lata de óleo lubrificante, carroceria assentada sobre
molas de arco de barrica.
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