José Pedro de Araújo
Desde que me entendo por gente
comecei a pôr em prática o sonho de jogar futebol. Pra falar a verdade, acho
até que isso começou antes disso. Mas, desse período não me ficou registros na
memória. Portanto só falo aqui do que me lembro. Como muitos da minha geração,
a primeira pelota que corri atrás foi uma bola-de-meia. Acredito que quem
fabricou o artefato foi a minha mãe, utilizando-se de uma velha meia do meu
pai. Digo que acredito porque era ela que, habilidosa e muito dedicada,
ajudava-me a confeccionar alguns dos meus brinquedos. Como os papagaios(pipas),
por exemplo. Quando engendrei o meu primeiro artefato voador, não sabia como
fazer para cobri-lo com papel de seda. Foi ela quem me socorreu mais uma vez e
concluiu a tarefa. Fez o grude(cola), à partir da goma de mandioca, e colocou o
papel na armação. Quem já confeccionou algum desses bichos sabe que um de seus
mistérios é a colocação do papel na armação. Se ficar folgado demais, o bicho
não voa. E se ficar muito esticado, também não voará com a galhardia que
queremos.
Voltando para o propósito da
nossa crônica. Mamãe me fez uma bola-de-meia muito bacana. Preta(a cor da
meia), era tão esférica que parecia que algum profissional a havia fabricado. E
era verdade. Minha genitora fazia tudo para nós com o maior carinho e cuidado.
E, geralmente, ficava tudo uma perfeição. Foi atrás dessa pelota que dei as
minhas primeiras carreiras rumo ao estrelato. Depois ela adquiriu na
feira(sábado é dia de feira no Curador e todo mundo tirava uma hora para passar
por lá. Pelo menos para conferir as novidades, caso não tivesse dinheiro). Uma
bola azul, muito pequena, e de plástico, foi o presente que ganhei. Leve demais,
não demorou e logo perdeu a sua finalidade ao romper a costura de tanto ser
chutada na parede do salão comercial do meu pai.
Para aprimorar a minha carreira
de craque, um tio meu trouxe de uma aldeia indígena de Barra do Corda, certo
dia, uma bola de borracha, confeccionada pelos índios à partir do látex da
Mangaba. A pelota era muito viva, pulava demais, dificultava o seu domínio como
um cavalo xucro. Ademais, era quase oval, estava mais para uma bola de futebol
americano do que propriamente para uma de futebol bretão. Ficava difícil
acertar um chute na vadia. Acredito poder afirmar que essa mal-amada teve o
condão de me tornar um perna-de-pau. Sim, porque dizem que “é de pequenino que
se torce o pepino”. E eu, naturalmente, perdi-me no tempo.
O nosso estádio( ou seria melhor
chamar Arena?), ficava na Praça Diogo Soares, a dois passos da casa paterna,
pertinho também das residências dos outros atletas. Grama mesmo só possuía
alguns tufos de capim-de-burro, pois os animais que por lá vagavam não deixavam
nada escapar das suas bocadas. Chamávamos de Praça o espaço vazio que a
municipalidade registrou na sua relação de endereços, mas que, ainda hoje,
nunca recebeu uma melhoria, por menor que fosse. Aliás, minto, algum prefeito
trabalhou ali para lhe carimbar o nome. E mais não fez. Mais ampla (nesse
tempo, porque depois o município entendeu de doar mais da metade daquele espaço
para alguns de seus eleitores construírem moradias), o nosso campo de jogo
recebia-nos para jogar quando o sol nos permitia: sem queimar o nosso cocuruto,
os nossos pés ou dificultasse a nossa visão. Ou sejas: na primeira parte da
manhã ou após as quatro da tarde, e até as dezoito, quando ainda era possível
ver a bola rolar.
Invariavelmente, jogávamos com
bolas de borracha. Não havíamos possuído, até então, uma bola de couro. E é
fácil justificar por que. Na cidade não havia uma só loja que comercializasse o
artigo. E depois, bola-de-couro era para poucos, estava acima da nossa condição
financeira. Mas isso não duraria para sempre. Ganhei do meu pai a minha
primeira viagem para mais distante dos limites do meu município. Até então só
conhecia os vizinhos: Tuntum e Dom Pedro. Nessas férias acompanharia o meu pai
em uma viagem para Teresina, e depois seguíramos até Simplício Mendes, cidade
em que residia a minha avó paterna. Estávamos nas férias do fim de ano de 1966.
Isso, naturalmente, me encheu de júbilo. Foi nessa viagem que eu me apaixonei
perdidamente pela capital de todos os piauienses. Nela havia muitas bancas de
revistas. Um sonho. Nunca mais me desgrudei dela.
Empolgados com a viagem de um dos
seus membros mais participativos, o time inteiro fez uma vaquinha para adquirir
a sua primeira bola de couro. Imaginem a pressão que exercemos sobre os nossos
pais para arrancarmos deles alguns caraminguás dos seus apertadíssimos
orçamentos. O certo é que juntamos uma certa quantia que deu para adquirir uma bola
das mais baratas. Mas haveria de ser de couro. E foi.
Quando retornei da minha viagem
de quase quinze dias, encontrei o time inteiro esperando por mim. Melhor
dizendo, pelo objeto de imenso desejo: a bola. E mal o ônibus parou na agência
Estrela Dalva, na Praça da Bomba, de maneira uníssona os atletas indagaram-me
pela pelota. Sem fazer mistério, arremessei-a para as mãos do atleta que se
achava mais próximo e ele, ao segurá-la, virou-me as costas e fugiu em
desabalada carreira. Os outros moleques seguiram em seu encalço, nem me
perguntaram como havia sido a viagem.
A bola-de-couro também não
melhorou o meu desempenho como jogador de futebol. O problema não era a bola e
sim o atleta, compreendi enfim. Depois disso, corri que nem um desesperado
atrás da redonda por campos outros, e em vários outras cidades, sem que a
pérfida amada me transformasse em, pelo menos, um jogador mediano. Longe disso.
Por conta disso, desde a minha mais tenra idade, quando escolhíamos o time,
logo aparecia alguém disposto a me escalar para o gol. E como é do conhecimento
público, vai para o gol o pior jogador. Mas eu só considerei essa situação, que
teimei muito tempo em aceitar, quando já adulto. A constatação doía muito,
podem acreditar. Mas, em contrapartida, diminuiu em muito a minha ânsia para me
tornar um jogador de futebol. Depois disto, encontrei uma saída maravilhosa
para evitar que me empurrassem sempre para desempenhar o ofício de goleiro:
passei a comprar a bola.
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