sábado, 20 de outubro de 2018

Suando a camisa para me tornar um craque de futebol




José Pedro de Araújo
Desde que me entendo por gente comecei a pôr em prática o sonho de jogar futebol. Pra falar a verdade, acho até que isso começou antes disso. Mas, desse período não me ficou registros na memória. Portanto só falo aqui do que me lembro. Como muitos da minha geração, a primeira pelota que corri atrás foi uma bola-de-meia. Acredito que quem fabricou o artefato foi a minha mãe, utilizando-se de uma velha meia do meu pai. Digo que acredito porque era ela que, habilidosa e muito dedicada, ajudava-me a confeccionar alguns dos meus brinquedos. Como os papagaios(pipas), por exemplo. Quando engendrei o meu primeiro artefato voador, não sabia como fazer para cobri-lo com papel de seda. Foi ela quem me socorreu mais uma vez e concluiu a tarefa. Fez o grude(cola), à partir da goma de mandioca, e colocou o papel na armação. Quem já confeccionou algum desses bichos sabe que um de seus mistérios é a colocação do papel na armação. Se ficar folgado demais, o bicho não voa. E se ficar muito esticado, também não voará com a galhardia que queremos.
Voltando para o propósito da nossa crônica. Mamãe me fez uma bola-de-meia muito bacana. Preta(a cor da meia), era tão esférica que parecia que algum profissional a havia fabricado. E era verdade. Minha genitora fazia tudo para nós com o maior carinho e cuidado. E, geralmente, ficava tudo uma perfeição. Foi atrás dessa pelota que dei as minhas primeiras carreiras rumo ao estrelato. Depois ela adquiriu na feira(sábado é dia de feira no Curador e todo mundo tirava uma hora para passar por lá. Pelo menos para conferir as novidades, caso não tivesse dinheiro). Uma bola azul, muito pequena, e de plástico, foi o presente que ganhei. Leve demais, não demorou e logo perdeu a sua finalidade ao romper a costura de tanto ser chutada na parede do salão comercial do meu pai.
Para aprimorar a minha carreira de craque, um tio meu trouxe de uma aldeia indígena de Barra do Corda, certo dia, uma bola de borracha, confeccionada pelos índios à partir do látex da Mangaba. A pelota era muito viva, pulava demais, dificultava o seu domínio como um cavalo xucro. Ademais, era quase oval, estava mais para uma bola de futebol americano do que propriamente para uma de futebol bretão. Ficava difícil acertar um chute na vadia. Acredito poder afirmar que essa mal-amada teve o condão de me tornar um perna-de-pau. Sim, porque dizem que “é de pequenino que se torce o pepino”. E eu, naturalmente, perdi-me no tempo.
O nosso estádio( ou seria melhor chamar Arena?), ficava na Praça Diogo Soares, a dois passos da casa paterna, pertinho também das residências dos outros atletas. Grama mesmo só possuía alguns tufos de capim-de-burro, pois os animais que por lá vagavam não deixavam nada escapar das suas bocadas. Chamávamos de Praça o espaço vazio que a municipalidade registrou na sua relação de endereços, mas que, ainda hoje, nunca recebeu uma melhoria, por menor que fosse. Aliás, minto, algum prefeito trabalhou ali para lhe carimbar o nome. E mais não fez. Mais ampla (nesse tempo, porque depois o município entendeu de doar mais da metade daquele espaço para alguns de seus eleitores construírem moradias), o nosso campo de jogo recebia-nos para jogar quando o sol nos permitia: sem queimar o nosso cocuruto, os nossos pés ou dificultasse a nossa visão. Ou sejas: na primeira parte da manhã ou após as quatro da tarde, e até as dezoito, quando ainda era possível ver a bola rolar.
Invariavelmente, jogávamos com bolas de borracha. Não havíamos possuído, até então, uma bola de couro. E é fácil justificar por que. Na cidade não havia uma só loja que comercializasse o artigo. E depois, bola-de-couro era para poucos, estava acima da nossa condição financeira. Mas isso não duraria para sempre. Ganhei do meu pai a minha primeira viagem para mais distante dos limites do meu município. Até então só conhecia os vizinhos: Tuntum e Dom Pedro. Nessas férias acompanharia o meu pai em uma viagem para Teresina, e depois seguíramos até Simplício Mendes, cidade em que residia a minha avó paterna. Estávamos nas férias do fim de ano de 1966. Isso, naturalmente, me encheu de júbilo. Foi nessa viagem que eu me apaixonei perdidamente pela capital de todos os piauienses. Nela havia muitas bancas de revistas. Um sonho. Nunca mais me desgrudei dela.
Empolgados com a viagem de um dos seus membros mais participativos, o time inteiro fez uma vaquinha para adquirir a sua primeira bola de couro. Imaginem a pressão que exercemos sobre os nossos pais para arrancarmos deles alguns caraminguás dos seus apertadíssimos orçamentos. O certo é que juntamos uma certa quantia que deu para adquirir uma bola das mais baratas. Mas haveria de ser de couro. E foi.
Quando retornei da minha viagem de quase quinze dias, encontrei o time inteiro esperando por mim. Melhor dizendo, pelo objeto de imenso desejo: a bola. E mal o ônibus parou na agência Estrela Dalva, na Praça da Bomba, de maneira uníssona os atletas indagaram-me pela pelota. Sem fazer mistério, arremessei-a para as mãos do atleta que se achava mais próximo e ele, ao segurá-la, virou-me as costas e fugiu em desabalada carreira. Os outros moleques seguiram em seu encalço, nem me perguntaram como havia sido a viagem.
A bola-de-couro também não melhorou o meu desempenho como jogador de futebol. O problema não era a bola e sim o atleta, compreendi enfim. Depois disso, corri que nem um desesperado atrás da redonda por campos outros, e em vários outras cidades, sem que a pérfida amada me transformasse em, pelo menos, um jogador mediano. Longe disso. Por conta disso, desde a minha mais tenra idade, quando escolhíamos o time, logo aparecia alguém disposto a me escalar para o gol. E como é do conhecimento público, vai para o gol o pior jogador. Mas eu só considerei essa situação, que teimei muito tempo em aceitar, quando já adulto. A constatação doía muito, podem acreditar. Mas, em contrapartida, diminuiu em muito a minha ânsia para me tornar um jogador de futebol. Depois disto, encontrei uma saída maravilhosa para evitar que me empurrassem sempre para desempenhar o ofício de goleiro: passei a comprar a bola.

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