segunda-feira, 22 de abril de 2019

VIDA DE AGRÔNOMO (4) – Aprendizagem etílica




José Pedro Araújo

Se existe uma coisa que estudante universitário aprende antes mesmo de aparecer o primeiro rasgão na velha e surrada calça jeans, é a beber. A beber, não. A entornar voluptuosamente todo tipo de bebida. Isso, no meu tempo. Porque, hoje, já desde o segundo grau, e até antes mesmo, a molecada já enxuga dadivosas ampolas geladas de douradas birras. E se no meu tempo – há quem desdenhe quando alguém avoca um tempo só para si – este hábito estava restrito aos homens - aos do sexo masculino, quero dizer – nos dias que correm as mulheres passaram a engrossar o time dos beberrões desde muito cedo. Bendita mudança de costumes! Olhar para os lados e dá de cara com uma bela ragazza, é uma sensação muito melhor do que a que sentíamos quando só se viam cabeludos e barbudos honrosos e malcheirosos em volta da mesa. O ambiente era puramente o clube do Bolinha. Hoje não, as meninas rivalizam em volume consumido e em animação com os rapagões.
Volto ao fio do nosso texto, quando afirmava que a meninada antes de se aclimar direito com os costumes da universidade, já se filiava a um grupo de estudantes veteranos e passavam a frequentar uma birosca qualquer.  No Recife, por exemplo, lá para as bandas do subúrbio de Dois Irmãos, onde fica a UFRPE, havia, dentro do próprio campus, um dos barzinhos mais miseráveis que já frequentei. Instalado por um modesto funcionário dentro do departamento de fitopatologia, nos fundos da sua residência, ocupava espaço exíguo e de topografia acidentada. Desse, restrito aos estudantes dos últimos anos do curso de engenharia agronômica, só fui me tornar cliente quando já cursava o terceiro ano.
Naquele ambiente, a turma se encontrava sempre após o final da última aula de sábado para o pontapé inicial de um final de semana olimpicamente etílico. Conhecido pelo epíteto de Fito Drinks (Fito em referência ao vocábulo fitotecnia, técnica de estudo das plantas), fora instalado nos fundos da residência e em terreno declivoso que esbarrava logo com um riacho que passava a poucos metros. Dado ao desnível do terreno, as mesas precisavam de calços para equilibrá-las, assim como os tamboretes para os assíduos frequentadores. Resumindo: sob uma latada toscamente construída com madeira roliça e ordinária, abrigava-se a turma, disputando as cervejotas, quando o dinheiro dava para isso, ou as fartas doses de cachaça Pitú ou Serra Grande.
Havia tira-gosto também, e de dois tipos: o de calabresa frita e acebolada, era o mais caro. E o de peixe, também frito, de tipo desconhecido, e de procedência também, a opção mais em conta. Corria à boca larga que o peixe sem-nome era pescado pelo proprietário do boteco no córrego poluído que corria logo atrás da casa. A única certeza que eu tenho é a de que nunca na vida vi peixe com mais espinhas, e nem mais gorduroso. Comer um pedaço daquele tira-gosto era um exercício de paciência e de grande maestria. Tinha gente que se dava por satisfeita somente com o cheiro arripunante da iguaria, e nada mais. Tempos que não deixam saudades aquele em que frequentava o Fito Drinks.
Saído da universidade, concluído o curso, carregamos o hábito pelos diversos locais para onde fomos deslocados a serviço. Aprendizagem tão ou mais significativa do que propriamente a ministrada por professores ou aprendidas em livros sobre agricultura.
Em Pedreiras, cidade maranhense situada na margem do Mearim, onde fizemos o nosso estágio, passamos a frequentar o bar do Josué. Ambiente animado, bebida para todos os gostos, não havia local mais atraente na cidade para um Happy Hour. Frequentavam aquele bar, mercearia e casa de sinuca, quase toda a gente que gostava de jogar conversa fora em volta de uma mesa de bar. Funcionários da Emater e do Banco do Brasil, empresas situadas próximas, estavam entre seus frequentadores mais assíduos. Lá, combinavam-se a simpatia do proprietário com cervejas estupidamente geladas, além de um tira-gosto mediano, tão desimportante que não lembro mais qual a especialidade da casa, nem se era um atrativo a parte.
Em Lago Verde, no Maranhão, já funcionário contratado da empresa de assistência técnica, batíamos ponto todo início de noite, após o expediente, em um barzinho sórdido e de nome pomposo: “Boite” Pecado Capital, nome de novela da Globo. Na construção miserável feita de taipa, cobertura de palha e piso de chão batido, degustávamos geladas Antárticas e ouvíamos música de qualidade duvidosa em companhia de pessoas gradas e de ilustres desconhecidos: um Sargento (e delegado da cidade) e um cabo, as maiores autoridades policiais do município, as primeiras e únicas pessoas com quem fiz amizade durante o curto período em que trabalhei ali. E isso porque fazíamos as nossas refeições na mesma pensão, o que facilitou a aproximação.
Já em Araguatins, pequena e isolada cidade situada à margem direita do portentoso Araguaia, frequentávamos assiduamente dois bares. Esses com uma qualidade bem melhor do que os dois primeiros já descritos. Um possuía duas ótimas sinucas nas quais combinávamos jogo com bebida. O outro, apesar de mais humilde, situado na esquina da mesma praça, possuía uma coleção de pingas batizadas com ervas, frutos e cascas de árvore. Mas possuía também geladas cervejas, e o ambiente era mais sóbrio, não havia música, daí demoramos pouco nele. Antes que os puritanos tirem conclusões apressadas, diremos que na cidade não havia outra forma de diversão. Minto, havia o belíssimo Araguaia aonde íamos tomar banho, sempre acompanhado por um isopor com algumas latinhas de cerveja. Na cidade não tinha sinal de televisão, não havia cinema, nem qualquer outra forma de atração para se passar o tempo. Daí a procura pelos botecos. Isso antes que se instalasse no rio Araguaia um flutuante. Porque, depois disso, virou ponto de encontro, e logo a poucos metros do trabalho.
A mudança para Araguaína não processou grandes mudanças em meus hábitos. Logo na esquina mais próxima à casa que alugamos, havia um barzinho charmoso e atrativo, ponto de encontro de várias confrarias. Fundado e tocado por um cidadão muito jeitoso e cordato, fora batizado com o nome de Bip Bip, personagem de desenho animado e nome de botequim famoso em Copacabana, no Rio de Janeiro. O empresário havia sido garçom naquele tradicional e premiado boteco, fundado lá pelos idos de 1968, e ainda hoje funcionando com eficiência. Pesquisando na internet, dei de olhos em várias fotografias do Bip Bip carioca, e uma delas estampava uma placa de bronze afixada na parede, e com os seguintes dizeres: “Bip Bip, Fundado em 13-12-1968, em homenagem à mocidade Brasileira”.
No boteco araguainense o proprietário servia um tipo de bebida que agradava ao paladar, mas tonteava rapidamente os incautos que se aventuravam a tomar várias dozes seguidas, atraídos pelo sabor adocicado. Isto apesar das orientações repassadas pelo ético proprietário, sempre alertando a freguesia que a dose era para abertura do expediente. Ou, no dizer dos experientes, para bater o tiro de meta. O nome da beberagem? Tip top, mistura de pinga com mel, e sem limão. Era servida em um “copo de dose”, daquele tipo especial, duas marcas, a identificar se dose simples ou dupla. Copo que os bebedores de pinga conhecem muito bem. Preparava-se colocando primeiro o mel, uma pequena porção, no fundo do copo, depois se adicionava a pinga até a marca que definia ser aquela uma dose dobrada. Mexia-se com uma colherzinha para mexer café. Ficava saborosíssima.
Já em Teresina, abdiquei logo do costume de frequentar os botequins da vida, pois me casei pouco depois de chegar, mudei de hábito, não propriamente por vontade própria. Todavia, ainda conheci um bar tão famoso quanto sórdido. Situado na principal avenida da cidade, a Frei Serafim, era desprovido de qualquer luxo, mas recebia clientela especial. Seus frequentadores eram magistrados, empresários de sucesso, médicos, engenheiros, advogados, jornalistas, gente muito conhecida na cidade. Alguns transitavam por lá diariamente, nem que fosse para uma rápida passagem. O Bar do Ulisses, que hoje já não existe mais, era conhecido pejorativamente pelo nome de “Pé-inchado”.  Tal epiteto lhe foi pespegado em razão de todos os clientes se postarem de pé e no entrono do balcão do estabelecimento.

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