domingo, 21 de março de 2021

BARRAQUINHAS PARA SÃO SEBASTIÃO DO CURADOR

Largo de São Sebastião - Presidente Dutra(MA), anos 60.


José Pedro Araújo

As possibilidades de diversão para adolescentes e jovens no velho Curador se restringiam somente àquelas relacionadas com as brincadeiras infantis, como os banho de rio, a pescaria, a pelada, o jogo de bola de gude, de castanhas de caju, entre outras. E à melhor delas, as pipas. E por aí ia e findava. Muito diferente do que tem a garotada de hoje. E acredito, melhor no nosso tempo. Contudo, já na adolescência queríamos algo diferente e que envolvesse as relações interpessoais, o contato, nem que fosse apenas visual, entre rapazinhos e mocinhas. Em geral, as brincadeiras que acabei de relacionar ficavam restritas aos meninos, para as meninas a coisa era outra, tratava-se de um autêntico apartheid. No local em que os meninos brincavam, as meninas nem chegavam perto.

Aí surgiu uma novidade que animou a cidade toda. Nos festejos de São Sebastião daquele ano, seriam permitidas as barraquinhas para vender coisas para os fiéis. Desde as de comida, aquelas para comercializar bugigangas, e até mesmo seria permitida a comercialização de bebidas alcoólicas. O pároco não era muito exigente.

Naquele tempo, metade dos anos sessenta, o largo de São Sebastião era um vazio em que vicejava apenas a grama de burro, ainda não havia a praça propriamente dita. Nem mesmo a Caixa D’água bem no centro do quadrilátero havia sido construída. O nosso “Pão de Açúcar”, diremos assim, para não afirmar que o trambolho que veio para enfear o que já não era bonito, ainda não estava fincada bem no centro daquele espaço. A propósito disto, quero mais uma vez afirmar, hoje sou contra a remoção da velha Caixa-d’água, pois ela é um dos grandes monumentos que temos hoje para a nossa cidade, juntamente com o prédio da igreja matriz. Portanto, quando alguém lança os olhos em uma imagem em que consta aquela construção bem no meio de uma bonita praça, já sabe de qual cidade se está tratando.

Pois bem, no espaço ainda sem calçamento ou ajardinado, começaram a levantar duas fileiras de barraquinhas de palha, formando uma espécie de arruado entre elas. Estávamos no começo de janeiro, período em que as chuvas não dão muita trégua e, via de regra, desabam sobre a região sempre nos finais de tarde. Nessa época festejam-se o dia de São Sebastião, o padroeiro da cidade.  E naqueles anos era muito comum as águas caírem sobre a cidade por dias a fio. E essa era uma das razões, o porquê de a paróquia nunca realizar os festejos com quermesses e leilões, como é comum em outras cidades, especialmente aquelas em que a semana do padroeiro é comemorada em tempos de estiagem. Naquele ano, contudo, o pároco local resolveu apostar na realização do evento. As obras sociais da igreja precisavam de uma injeção de dinheiro, e essa era uma das formas mais comuns de arrecadação de fundos.

Em Pedreiras, por  exemplo, cidade não muito distante de Presidente Dutra, os festejos de São Benedito são uma festa centenária que mexe com a cidade a ponto de existirem (pelo menos era assim até 1977) dois partidos, o azul e o verde ou vermelho (não tenho certeza se eram essas as cores) que disputavam acirradamente entre si como em um pleito eleitoral para ver quem arrecadava mais dinheiro para a igreja. As barracas com comidas típicas, os parques infantis mambembes, e muita, muita bebida, pertenciam a um lado ou ao outro em disputa. Tratavam-se de espaços amplos, com muitas mesas. A coisa chegava a um ponto, que muitas pessoas que torciam para um dos lados, nunca frequentava a barraca do outro. E no final, quem arrecadasse mais dinheiro para a igreja, elegia a rainha dos festejos. Era uma festa contagiante que durava vários dias. E acontecia no final do verão.

Em Presidente Dutra, foi feito naquele ano uma coisa mais simples, mas nem por isso menos empolgante para a rapaziada. Prontas, afinal, as mais de vinte barracas, veio a primeira noite de festejo e a cidade em peso estava lá para apreciar a novidade e se divertir. Naquele tempo a energia elétrica era precária, o motor de luz, como chamávamos, só era ligado às seis e meia, e funcionava até as dez, por essa razão as bebidas geladas eram mantidas em tambores, caixas d’água de amianto, enfim, em recipientes com gelo e palha de arroz para manter as garrafas meio que geladas. Acredito que o gelo era produzido em refrigeradores à querosene, não tenho muita certeza disso. No final, a cervejota não ficava naquele ponto que as pessoas gostam. Mas dava para o gasto, como atestava a quantidade de pessoas que apareciam por lá para degustá-las.  

Cada barraca pagava uma taxa para a paróquia, e se esmerava nas novidades para atrair maior freguesia. Cada uma tinha o seu aparelho de som (naquele tempo uma vitrola à pilha), e procurava ofertar aos passantes uma discografia completa com os artistas e as músicas de sucesso na época. E competiam também em volume, cada uma querendo suplantar, abafar o som do vizinho. Era uma mistura que, às vezes, não dava para se identificar muito bem qual música saia de qual barraca. Entretanto, o ambiente ficava animado, contagiante.

O sistema de som da Matriz, com seus alto-falantes instalados lá no alto do campanário, encarregava-se, no final da tarde, de chamar a atenção dos ouvintes para a festa de logo mais, com hora para começar após a missa. O som ia longe, chegava a todos os pontos da cidade. A rua de chão batido que se formou entre as duas fileiras de barracas não cabia de tanta gente circulando por ela. As pessoas se vestiam com as melhores roupas, em especial as moças e os rapazes, e saiam a bater pernas pela ruazinha. E lá rolava a paquera e deve ter gerado muitos relacionamentos que seguiram depois pela vida fora. Enquanto isso, os pais ficavam pelas barraquinhas comendo as delicias da cozinha presidutrense e bebendo suas cervejas quase geladas.

No final, perto da hora da luz ir embora, desligavam-se as radiolas nas barracas e as pessoas acorriam para o átrio da igreja onde iria acontecer o leilão. Era dali que a paroquia retirava a maior fatia do dinheiro que iria utilizar nas obras sociais patrocinadas por ela. E, pelo que me lembro, São Pedro colaborou com o colega São Sebastião, e foi um período de poucas chuvas aquele.

Só me lembro dos festejos daquele ano. Logo depois me ausentei da cidade, e não participei mais daqueles eventos que trouxeram tanta animação à cidade que se mantinha quase adormecida.

7 comentários:

  1. Meu caro Amigo, Dr.José Pedro Araújo,

    Que maravilha, mais uma crônica escrita com foco nos fatos do passado distante vividos na comunidade de Curador - MA!
    São histórias da terra que me viu nascer no povoado Creoli do Joviniano.
    Muito cedo mudei com a minha família para a recém-criada Axixá de Goiás,desde 1988,Axixá do Tocantins,por força das disposições dos atos constitucionais transitórios.
    Meu amigo,encontrei em todo seu belíssimo relato muitas passagens que retratam, com as adaptações necessárias, os festejos do padroeiro daqui, São Francisco de Assis.
    Na minha ousadia de aprendiz de escritor escrevi em um dos meus livros um capítulo dedicado às festividades religiosas de Axixá do Tocantins. Há quem afirme,com todas as letras, que temos o melhor festejo da diocese cuja sede fica em Tocantinópolis e que abrange uns 25 municípios, que por sua vez,integram a região conhecida por Bico do Papagaio.
    Nos últimos anos fiz diversas postagens nas redes sociais enaltecendo esse evento que se transformou em uma mega festa.
    Parabéns, mais uma vez, por nos brindar com um texto polido e altamente informativo, são resgates de inesquecíveis recordações do Velho Curador, hoje essa próspera cidade, Presidente Dutra - MA!
    Axixá do Tocantins, 21.3.2021
    Remy Soares de Carvalho

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  4. Obrigado, meu amigo e conterrâneo. Como sempre, você é muito generoso com este aprendiz de memorialista. Um forte abraço.

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  5. Belas recordações meu amigo.
    Saudades.... Fiz parte dessas lembranças.

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  6. Legal. Não deu para identificar quem é o conterrâneo ou conterrânea. Mesmo assim, um forte abraço.

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  7. Que bela narrativa! Resgate das imponentes festas dos Santos Padroeiros.
    Festa que integrava toda a comunidade católica do município. Parabéns pela riqueza de detalhes.
    (Aroucha Filho)

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