sexta-feira, 5 de março de 2021

REMINISCÊNCIAS DA CIDADE DE MATINHA

Igreja de São Sebastião - Matinha - MA.

 

Aroucha Filho (*)

A LUZ ELÉTRICA

 

O ano era o de 1960, à frente do executivo municipal o prefeito João Amaral da Silva, Juca Amaral, o segundo prefeito da emancipada cidade de Matinha, que em esforço hercúleo buscava consolidar a feição da recém-nascida cidade, fazer igualar-se as suas vizinhas Viana, cidade mãe, e Penalva,

estas mais antigas e de referência.

Viana e Penalva já ofereciam o serviço de iluminação pública aos seus munícipes no período noturno, até às dez horas da noite.

Juca Amaral, grande protagonista da emancipação política de Matinha, agora como prefeito, queria dotá-la de todos os serviços públicos possíveis para contemplar os habitantes daquela cidade em formação. Com esse propósito assumiu o desafio de implantar a "Luz Elétrica', na cidade de Matinha. Um grande desafio.

As dificuldades iam desde os recursos para adquirir os equipamentos de geração de energia, caríssimos, até a logística de transporte para levá-los de São Luís à Matinha. Nessa época não haviam estradas de acesso à Baixada Maranhense, os transportes de passageiros e cargas eram feitos por barcos e lanchas.

Adquirido em São Luís o grupo gerador, um potente conjunto das marcas MWM/WEG, que geraria a energia elétrica para acender as lâmpadas e inserir Matinha no status das poucas cidades do Maranhão que possuíam "Luz Elétrica". Ainda tinham outros desafios a serem vencidos.

Discutida a logística de transporte, passou-se ao planejamento da operação. O grupo gerador foi seccionado, desmontado o conjunto, separado o motor do gerador para facilitar o embarque /desembarque e transporte desse pesado equipamento até o seu destino final. O transporte foi feito em lancha que atracou em Ponta Grossa, dali transportado em carros de boi até Matinha. Tudo, carga e descarga, feito em braços de homens.

À espera do grupo gerador, o prefeito Juca construiu um abrigo, que chamávamos de "Usina", edificada bem ao lado do antigo Mercado. O maior desafio seria montar e operar esse equipamento, Matinha possui nessa era, apenas dois motores à explosão, de propriedade do sr. João Amaral, um utilizado no pilador de arroz, o outro movia o caminhão marca Ford, modelo 1949. Tinha que importar mão de obra. Para tanto foi contratado o mecânico Pereira, extremamente competente, senhor simpático que facilmente foi acolhido pela população, fixou residência, e vários dos seus filhos nasceram ali.

A rede elétrica para distribuição da energia, composta de duas fases e um neutro, em fios 100% cobre, era apoiada em postes de madeira de lei, lavrados à machado, provenientes da Mata do Bom Jesus, de propriedade do prefeito Juca Amaral, que abnegado e com grande altruísmo, uma das suas várias virtudes, forneceu em doação  toda a madeira necessária para o posteamento. Gesto de estadista.

Obstáculos heroicamente superados, tudo pronto, imensa ansiedade no aguardo do grande dia, a luz elétrica era o assunto de todos. A autoestima dos matinhenses estava em alta.

Dia do marcante evento, a inauguração da "Luz Elétrica", população eufórica. Não lembro a data. Lembro que a festa foi merecidamente grande, uma majestosa noite para ficar marcada na história de MATINHA. Foi um grande banquete, com muitos e variados quitutes, rojões soltados pelo sr. Elpídio, orquestra tocando, todos os olhos voltados para as lâmpadas alojadas em modestos abajures em formato de prato, branco leitoso na parte côncava e verde na parte convexa. Ao acionar a chave da luz o prefeito João Amaral da Silva poderia ter dito:

 FIAT LUX ELECTRICA. Não lembro suas palavras. Lembro do seu largo e angelical sorriso.

Na minha tenra idade vivi e guardei na memória todos esses detalhes, até a dificuldade que tive para me desfazer de uma azeitona que acompanhava uma das iguarias servidas no banquete. Não conhecia, provei e não gostei.

Matinha definitivamente tinha cara de cidade, de dia e de noite.

 

O MERCADO

(Verdadeiramente um mercado moderno, bem construído e funcional, bela fachada. Era, sem dúvidas, o melhor mercado da região, em todos os aspectos).

Na década de 50, na gestão do Prefeito Aniceto Costa, primeiro prefeito eleito de Matinha, portanto no início da emancipação política do município, período das obras estruturantes tão necessárias para a sede do município adquirir a feição de cidade, foi construído o Mercado Municipal de Matinha.

O mercado apresentava-se como uma obra bastante avançada àquela época, tanto pelo aspecto arquitetônico, como pela concepção urbanística. A localização escolhida foi o centro da cidade, buscando equidistância de percurso aos frequentadores daquele importante logradouro público.

O conceito arquitetônico da obra, optou pelo formato geométrico de um quadrilátero, com acesso pelos quatros lados, possibilitado por amplas portas em arcos, no centro de cada lado. Chamava à atenção a sua fachada simétrica, igual em qualquer ângulo de visão frontal. Quatro faces iguais. Destaque ao telhado com quatro águas invertidas, isto é, a queda d’água era para a parte interna do mercado, em um quadrado de piso rebaixado, essa área era descoberta e bem no centro existia um poço, devidamente revestido com tijolos compactos, com poial e tampa de madeira.

O destaque, da bonita fachada do prédio, era o “platibanda”, recurso da arquitetura moderna, que permitia embutir, encobrir a vista do telhado. A primeira obra em Matinha com esse recurso da arquitetura.

Antigo Mercado Municipal

O ponto alto dessa simbólica obra foi a funcionalidade projetada, concebida para esse período tão remoto. A começar pela localização na parte central da cidade, edificado quase no centro de um grande espaço vazio, hoje Praça Juarez Silva Costa, antes, Praça Professora Etelvina Gomes Pinheiro. Diz-se que a edificação não ocorreu no centro desse espaço para não sacrificar um frondoso pé de bacaba (Oenocarpus bacaba), ali existente. Demonstração de avançado sentimento de preservação ambiental.

O prédio era circundado por uma larga calçada, em torno de dois metros de largura. Em razão do desnível do terreno o lado que ficava voltado para a praça, a calçada era alta com degraus. Nos quatros cantos, face externa, tinha espaço reservado para lojas, mercearias ou quitanda como denominávamos esse tipo de estabelecimento comercial. Eram espaços razoáveis, com uma porta de cada lado. Pela parte interna, em cada canto, ficavam os cortes, açougues, destinados à venda de carne verde (bovina e suína) e pescados. Os ambientes eram equipados, com ganchos, mesa, balança com conjunto de pesos e uma tora de madeira onde os açougueiros com a ajuda de machado de cabo curto, cortavam os ossos das rezes em desmonte.

Açougueiros que a memória alcança, trabalharam no mercado, os senhores: Seixas, Maneco Sena, Machado, Domingos Serra, Zé Sena (Zé de Maneco).

PS: A luz elétrica funcionava somente no período noturno, acendia no início da noite e apagava às 21:30 hs. Às 21:00. Piscava duas vezes, era o que denominávamos de "sinal", indicava que apagaria em 30 minutos.

Essa foto é mais próxima do mercado original. Houveram, ao longo do tempo, várias reformas. Nota-se que nessa foto não existe a platibanda, que era o charme da fachada original.

(*) José Ribamar Aroucha Filho (Arouchinha) é natural do município de Matinha-MA, Engenheiro Agrônomo aposentado do INCRA, cronista e compositor.

 

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