Ponte sobre o Riacho Firmino(Gestão Gerson Sereno) Década de 50 |
José Pedro Araújo
Toda
criança tem um mar a povoar a sua memória. Para o bem ou para o mal. De
modo igual, toda criança já sonhou em ter uma poça d’água à sua disposição para
se banhar à vontade. Poderia ser um mar de verdade, um rio caudaloso ou um simples
riacho em que pudesse mergulhar por horas a fio até se fartar de tanta
alegria; para conquistá-lo a braçadas, descobrir seus remansos e retornar à
margem como um marinheiro retorna para o seu porto após meses de ausência.
Eu
também tenho o meu oceano, o meu lembrado. Não é nenhum daqueles mares
tenebrosos que compõe os famosos sete
mares que a geografia nos ensina. Nem mesmo um marzinho quase desaparecido
como o de Aral. O meu mar é um filete de águas barrentas que escorre na minha
aldeia por ocasião das chuvas, ou inverno, como chamamos por lá. Trata-se de um
simples riacho que recebeu o humano nome de Firmino. Firmino é o meu oceano
misterioso, habitado por monstros aquáticos perigosos, como a sucuruiú. Mas era
lá que quando criança eu me lançava em suas águas e domar a sua correnteza,
para desgosto de minha mãe. Era esse pouco tormentoso ajuntamento de águas
pluviais que eu tinha à minha disposição quando criança e que habita os meus
sonhos quando agora adulto. Bastava chover torrencialmente à noite que logo me
vinha a pergunta importante: choveu forte lá para as cabeceiras do Firmino? Ai, se a resposta fosse positiva, vestia o velho calção de banho e rumava para a decrépita ponte de madeira,
coração aos pulos, eternizados pelos poucos metros de distância - coisa ai pra
pouco mais de quinhentos metros -, que na ânsia de chegar logo me parecia distância
de muitos quilômetros de lonjura. A velha ponte não existe mais, foi demolida
pelos empreiteiros que construíram a estrada asfaltada antes que as intempéries
fizesse o trabalho completo de sua demolição. Antes disso, já haviam construído outra ponte um pouco
acima. Fornida, de concreto armado, com se fazem pontes nos dias de hoje. Mas é
a velha ponte de madeira que me vem à noite em deliciosos sonhos. Vejo seu
lastro já quase suprimido, as tábuas removidas quando enchentes sucessivas as
despregaram com a sua força monumental. Ficaram
quase tão somente as longarinas e uma ou outra tábua de assoalho. Quando eu a
conheci, já não passavam por ela os veículos automotores, nem mesmo os carros
puxados por bois. Mas nos servia muito bem como trampolim ou como um local
ideal para as pescarias com anzol.
Nós,
crianças presidutrenses, sempre nos ressentimos da falta de algumas coisas. Não
estou me referindo às estradas de boa qualidade, hospitais ou escolas de primeiro mundo.
Sentimos, sim, a falta de um grande açude onde pudéssemos nos banhar durante o
ano inteiro. Ou de uma praça - isso muito mais tarde – local ideal para
paquerar as garotas. A praça foi construída. Quanto ao nosso balneário, a
garotada ainda espera por ele. Alguns anos atrás foi feita uma tentativa de construção de
um balneário na saída para a Barra do Corda, mas este foi-se embora rapidinho, levando
pela correnteza do rio Preguiça e deixando em seu lugar um grande prejuízo causado pelo projeto mal elaborado e criminosamente
executado. Não cheguei a conviver com esse descalabro. Nem ao menos cheguei a
molhar a ponta do dedo mínimo em suas águas. Talvez por isto não me sobrou
nada da imagem dele.
Assim,
restam-me as lembranças do velho Firmino descendo impulsivo rumo ao Preguiça
mais abaixo, com quem vai se juntar para correrem célere até engrossarem as
águas do rio Flores. E daí para os braços do Mearim é uma distância razoável,
com quem se juntam a caminho do mar-oceano verdadeiro, centenas de quilômetros
depois. Gosto de relembrar os banhos no Firmino. Os mergulhos de cabeça, voando
por sobre o corrimão da ponte de cimento e ganhando o espaço até o choque macio
com as cálidas e tormentosas águas mais abaixo. Pura emoção! Ganhava um frio na barriga e
um coração mais calmo após o contato com o frescor da corrente. Depois era
imergir e nadar a braçadas largas até a margem.Puro encanto que a saudade teima em trazer de volta.
Dr. Araújo,
ResponderExcluiruma belíssima crônica, diga-se, de passagem, nostálgica. Eu também tenho meu riacho o Riachinho, em Barras do Marataoan.
Corrobora a minha afirmativa no início da crônica, todos nós temos o nosso mar bravio para explorar!
ExcluirHoje de manhã levei esposa e filhos para pisar no seu leito seco. Da minha porta observo ele. Dão-lhe o nome de rio Moura. Acho q é algum equívoco.
ResponderExcluirPrezado Marcos Aurélio,
ExcluirPor um problema técnico estive impedido de ver os comentários por uns dias. Agradeço o fato de transitar pelo nosso blog e ao mesmo tempo gostaria de saber se o Firmino e o Moura são o mesmo riacho, aquele que passa próximo ao São Benedito.
Li o texto pela primeira vez há uns 10 anos, aproximadamente, ao comprar um período local na Papelaria Americanas, na cidade de Presidente Dutra. Guardo-o até hoje. Aflorou-me um sentimento nativista e saudosista, mesmo não sendo filho de Presidente Dutra -MA, mas como o próprio José Pedro Araújo sentencia "Toda criança tem um mar a povoar a sua memória.". Vou mais uma vez saborear da agradável leitura. Muito obrigado, nobre escriba das margens do Firmino e do Preguiças. Um abraço!!!
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