terça-feira, 11 de agosto de 2015

Firmino: Um Riacho Que é Um Oceano


Ponte sobre o Riacho Firmino(Gestão Gerson Sereno) Década de 50


José Pedro Araújo
          Toda criança tem um mar a povoar a sua memória. Para o bem ou para o mal. De modo igual, toda criança já sonhou em ter uma poça d’água à sua disposição para se banhar à vontade. Poderia ser um mar de verdade, um rio caudaloso ou um simples riacho em que pudesse mergulhar por horas a fio até se fartar de tanta alegria; para conquistá-lo a braçadas, descobrir seus remansos e retornar à margem como um marinheiro retorna para o seu porto após meses de ausência.

         Eu também tenho o meu oceano, o meu lembrado. Não é nenhum daqueles mares tenebrosos que compõe os famosos sete mares que a geografia nos ensina. Nem mesmo um marzinho quase desaparecido como o de Aral. O meu mar é um filete de águas barrentas que escorre na minha aldeia por ocasião das chuvas, ou inverno, como chamamos por lá. Trata-se de um simples riacho que recebeu o humano nome de Firmino. Firmino é o meu oceano misterioso, habitado por monstros aquáticos perigosos, como a sucuruiú. Mas era lá que quando criança eu me lançava em suas águas e domar a sua correnteza, para desgosto de minha mãe. Era esse pouco tormentoso ajuntamento de águas pluviais que eu tinha à minha disposição quando criança e que habita os meus sonhos quando agora adulto. Bastava chover torrencialmente à noite que logo me vinha a pergunta importante: choveu forte lá para as cabeceiras do Firmino? Ai, se a resposta fosse positiva, vestia o velho calção de banho e rumava para a decrépita ponte de madeira, coração aos pulos, eternizados pelos poucos metros de distância - coisa ai pra pouco mais de quinhentos metros -, que na ânsia de chegar logo me parecia distância de muitos quilômetros de lonjura. A velha ponte não existe mais, foi demolida pelos empreiteiros que construíram a estrada asfaltada antes que as intempéries fizesse o trabalho completo de sua demolição. Antes disso, já haviam construído outra ponte um pouco acima. Fornida, de concreto armado, com se fazem pontes nos dias de hoje. Mas é a velha ponte de madeira que me vem à noite em deliciosos sonhos. Vejo seu lastro já quase suprimido, as tábuas removidas quando enchentes sucessivas as despregaram com a sua força monumental.  Ficaram quase tão somente as longarinas e uma ou outra tábua de assoalho. Quando eu a conheci, já não passavam por ela os veículos automotores, nem mesmo os carros puxados por bois. Mas nos servia muito bem como trampolim ou como um local ideal para as pescarias com anzol.

           Nós, crianças presidutrenses, sempre nos ressentimos da falta de algumas coisas. Não estou me referindo às estradas de boa qualidade, hospitais ou escolas de primeiro mundo. Sentimos, sim, a falta de um grande açude onde pudéssemos nos banhar durante o ano inteiro. Ou de uma praça - isso muito mais tarde – local ideal para paquerar as garotas. A praça foi construída. Quanto ao nosso balneário, a garotada ainda espera por ele. Alguns anos atrás foi feita uma tentativa de construção de um balneário na saída para a Barra do Corda, mas este foi-se embora rapidinho, levando pela correnteza do rio Preguiça e deixando em seu lugar um grande prejuízo causado pelo projeto mal elaborado e criminosamente executado. Não cheguei a conviver com esse descalabro. Nem ao menos cheguei a molhar a ponta do dedo mínimo em suas águas. Talvez por isto não me sobrou nada da imagem dele.

          Assim, restam-me as lembranças do velho Firmino descendo impulsivo rumo ao Preguiça mais abaixo, com quem vai se juntar para correrem célere até engrossarem as águas do rio Flores. E daí para os braços do Mearim é uma distância razoável, com quem se juntam a caminho do mar-oceano verdadeiro, centenas de quilômetros depois. Gosto de relembrar os banhos no Firmino. Os mergulhos de cabeça, voando por sobre o corrimão da ponte de cimento e ganhando o espaço até o choque macio com as cálidas e tormentosas águas mais abaixo. Pura emoção! Ganhava um frio na barriga e um coração mais calmo após o contato com o frescor da corrente. Depois era imergir e nadar a braçadas largas até a margem.Puro encanto que a saudade teima em trazer de volta.


5 comentários:

  1. Dr. Araújo,
    uma belíssima crônica, diga-se, de passagem, nostálgica. Eu também tenho meu riacho o Riachinho, em Barras do Marataoan.

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    1. Corrobora a minha afirmativa no início da crônica, todos nós temos o nosso mar bravio para explorar!

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  2. Hoje de manhã levei esposa e filhos para pisar no seu leito seco. Da minha porta observo ele. Dão-lhe o nome de rio Moura. Acho q é algum equívoco.

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    1. Prezado Marcos Aurélio,
      Por um problema técnico estive impedido de ver os comentários por uns dias. Agradeço o fato de transitar pelo nosso blog e ao mesmo tempo gostaria de saber se o Firmino e o Moura são o mesmo riacho, aquele que passa próximo ao São Benedito.

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  3. Li o texto pela primeira vez há uns 10 anos, aproximadamente, ao comprar um período local na Papelaria Americanas, na cidade de Presidente Dutra. Guardo-o até hoje. Aflorou-me um sentimento nativista e saudosista, mesmo não sendo filho de Presidente Dutra -MA, mas como o próprio José Pedro Araújo sentencia "Toda criança tem um mar a povoar a sua memória.". Vou mais uma vez saborear da agradável leitura. Muito obrigado, nobre escriba das margens do Firmino e do Preguiças. Um abraço!!!

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