sábado, 22 de agosto de 2015

RICOS E POBRES



José Pedro Araújo
                Temos visto ultimamente, na imprensa nacional, relatos escabrosos sobre casos de grandes roubalheiras perpetradas por riquíssimos empresários contra a nação, envolvendo  nossos políticos também. Trata-se de gente que não rouba porque precisa. Rouba simplesmente pela vontade de roubar, de lançar mão de coisa que não lhe pertence. Os nomes que vemos circular no noticiário, são de gente que já tem quase tudo, desde mansões cinematográficas, carros de luxo, aviões, ilhas paradisíacas e, também, vestem-se com roupas das melhores e mais caras grifes. Enfim, já possuem tudo o que o dinheiro pode comprar. Mas, lhe falta, ao que parece, o essencial: a pureza da alma, o bom sentido da vida, que é a cidadania, o respeito pelo próximo, a honestidade que lhe devia vir do berço. Digo isso porque roubam eles, especialmente, dos mais pobres, dos sem-nada. E me pergunto pra que serve o dinheiro obtido além da quantidade que se precisa para comprar o “quase tudo”? Se não há mais nada a se adquirir, se é apenas para guardá-lo em seguros cofres, longe do alcance até mesmo deles, para que precisam de mais dinheiro?

                Estava assim a pensar nas notícias veiculadas sobre a roubalheira praticada por esses cheios de grana, quando me lembrei de um texto escrito por Humberto de Campos, grande escritor nordestino que viveu parte da sua vida entre o Maranhão e o Piauí. A crônica, escrita por ele, li no livro Notas de um Diarista, e tinha o mesmo título que dei a estes escritos. E pela excelência do texto, não há como rivalizar com ele. Por esta razão, deixo a cargo do inigualável HdeC, a tarefa de discorrer sobre o tema, que começa com palavras de Jesus, descritas no livro de Mateus, capítulo 19:

                “E outra vez vos digo que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus”.

                “É a essa leitura santa e consoladora que recorro, ao terminar a da notícia, que os jornais vespertinos estampam, das várias transações que tem sido objeto um dos morros do coração da cidade. Vendido ao governo do Império, negociado com dois ou três particulares, acabou ele por ser oferecido, de novo, por 33 mil contos, ao seu próprio dono. E este ia adquirir, ingenuamente, o que era seu, quando o Sr. Ministro da Viação, que é míope, e vê mais do que os outros porque olha tudo de perto, soltou o grito de alarma, impedindo que se consumasse a operação, cujo histórico vem envolvendo uma dezena de nomes ilustres nas finanças nacionais, desde o ano de 1846.

                “ – Na origem de todas as grandes fortunas – gritou, um dia, do seu púlpito, o trágico e implacável Bordaloue – há coisas que fazem tremer”.

                “E essa dúzia de palavras encerra, talvez, uma das maiores verdades que se poderiam repetir no Brasil. Examine-se, por exemplo, a proveniência dos vastos patrimônios individuais aqui existentes. Consulte-se um homem de negócios, desses que são hoje milionários e sabem os caminhos por onde os outros, seus companheiros, transitaram, e ficar-se-á escandalizado com o que se proclama ou segreda. Este, enriqueceu aproveitando-se da confiança alheia, e das liberalidades da legislação antiga, deixando nas carteiras dos bancos letras no valor de milhares de contos, até o prazo da prescrição. Aquele, associou-se a um politico desonesto, comprando títulos desvalorizados que o governo devia valorizar no dia seguinte. Aqueloutro adquiriu por uma ninharia, de sociedade com homens poderosos no momento, a massa falida de empresas aparentemente pobres mas que possuíam fortuna imobiliária escondida. O avô de um passou moeda falsa. O de outro, foi contrabandista. Os mais honestos, herdaram do pai, que negociou com escravos, ou especulou com os víveres em tempo de fome, ou com os armamentos, em tempo de guerra. As fortunas modernas, de onde vieram? Quantos dos nababos recentes não enriqueceram com jogo do bicho, não exploraram o governo como fornecedores, ou não se apoderaram do que hoje lhes sobra arrancando aos outros o necessário? Qual é a garrafa de champanhe dos novos ricos que não custa aos pobres milhares de pães? Qual o retalho de seda usado pelos que de nada precisam, que não é adquirido com milhares de retalhos de algodão, que Deus destinara aos que precisam de tudo?”

                “Essa é, porém, a lei humana. É sobre essa base desigual que a sociedade se equilibra, e o mundo rola para o esplendor ou para a podridão. Aqui, na América do Norte, na China, nos gelos da Groelândia ou no tumultuo da Rússia Soviética, é assim que as fortunas efetivas ou relativas se fazem, à face inquieta dos homens ou à face tranquila de Deus. Rockefeller, Rothschild, Nobel, Pierpont Morgan, Krupp, Boucicaut, Leverhulmme, nababos de hoje e ontem, quantos segredos guardará a história dessas fortunas espantosas?”

                “Alguns deles espalham benefícios, exercem a caridade humana, atiram ao mundo os restos da sua cozinha, o troco da sua algibeira, as moedas que sobram e mais não cabem nos seus imensos cofres de aço. Fazem como aquele arrecadador de impostos a que se referia Leão XI, o qual, depois de rico e velho, construiu um hospital para receber os pobres que havia feito. Ou como a cigarra, da descrição de Fabre, que, farta do liquido que suga das plantas, deixa o resto para as formigas.”

                “E os pobres erguem as mãos, agradecidos, porque eles não ficaram com tudo!”

                “O trabalho é penoso demais para que um homem, trabalhando honestamente, no sentido humano da palavra, realize com ele, facilmente, grande fortuna. Mesmo um Ford, ou um Edson, deve ter a lágrima de um pobre comprometendo o ouro acumulado nos bancos ou multiplicado nos negócios honrados e legítimos. Quanto maior é a coluna, e maior o seu peso, mais profundamente assenta na lama.”

                “Não combatamos, todavia, os ricos, unicamente porque sejam ricos; mas fiscalizemo-los, indagando por que é que eles o são. Porque, no dia em que eles, policiados pela critica e pelos governos, se tornarem menos ricos, nós, os pobres, seremos menos pobres.”

                “E consolemo-nos com a certeza de que, consoante a palavra de Cristo, através de Mateus, não os iremos encontrar, de novo, no reino dos Céus.”

                O presente texto foi escrito na primeira quadra do século XX, mais ou menos. Mas, qualquer semelhança com o presente, não é mera coincidência.

2 comentários:

  1. E assim caminhou, caminha e caminhará a humanidade, mas esta trilha, marcada pela ganância exacerbada, já se aproxima do fim.

    ResponderExcluir