Se no nosso tempo de
criança não existia energia elétrica, e muito menos aparelhos de TV, ou os
atuais vídeo games turbinados, tínhamos, além da pipa, o pião, aquele pequeno
brinquedo de madeira, formato cônico, que através de um cordel, chamado por nós
de cabinho, fazíamos girar vertiginosamente e depois o apanhávamos na palma da
mão até que ele parasse de rodar. Apanhá-lo na unha, era para os mais
experientes, mais habilidosos, não era coisa para iniciantes. Mas, o certo é
que existia o tempo para se brincar de pião também. Havia até campeonato para se
conhecer quem de fato o jogava melhor. No começo, os mais hábeis fabricavam o
seu próprio pião com galhos de goiabeira ou coração de negro, madeira forte e resistente.
Depois vieram os primeiros piões fabricados em tornos por marceneiros,
verdadeiras obras de arte que nos encantava com a sua beleza e leveza.
Depois vinha o tempo
do chuço, aquele pontalete pequeno de
ferro que jogávamos para cravá-lo no chão em busca do nosso tesouro. Disputávamos
verdadeiros torneios diários com aquele pequeno pedaço de arame pontiagudo. O
brinquedo era manejado com destreza dentro de um espaço marcado no chão e quem
mais se aproximasse das linhas demarcatórias, saia vencedor da disputa. Não
lembro desta brincadeira com a mesma saudade e alegria com que recordo o papagaio,
por exemplo.
Havia ainda a
bola-de-gude, chamada por nós de peteca. Não a peteca de penas, muito apreciada
em Minas Gerais
e em Salvador, na Bahia. Mas um pequeno objeto esférico de vidro, colorido, atraente.
Pois a peteca de vidro também tinha o seu encanto e o seu tempo certo para
jogá-la. Os mais hábeis jogadores conseguiam amealhar uma grande quantidade
delas no final do período em disputas muito acirradas. No jogo de peteca também
havia regras a serem respeitadas, como o tamanho e o estado de conservação das
esféricas. Quem jogava com petecas novas não admitia que o adversário usasse as
suas velhas e com lascas. As regras, aliás, valiam para todos os jogos, e mesmo
não estando escritas em nenhum pedaço de papel, eram respeitadas por todos.
Quem as transgredisse estava alijado das próximas brincadeiras por não ser
confiável. E não adiantava resmungos e caras feias.
Era gostoso ficar
apreciando aquelas pequenas esferas de vidro em cores variadas, brilhantes e
reluzentes. Com o passar dos anos, apareceram algumas mais bonitas ainda, com
desenhos, cores e formas variadas no seu interior. Algumas eram tão belas que
não admitíamos jogar com elas. Ficavam guardadas para serem admiradas.
Passada a época das
bolas-de-gude, vinha a época dos banhos de rio, as pescarias com anzol de vara
e com linha, que chamávamos de fibra. Essas brincadeiras aconteciam nos períodos
de chuva, quando quase nenhuma outra podia ser praticada. Pescar alguns mandis
no riacho Firmino, era uma experiência gratificante, apesar dos mosquitos e
pernilongos que nos acossavam sem dó nem piedade, especialmente quando a tarde
findava. Todavia, suportávamos as suas aflitivas e
doloridas ferroadas porque sabíamos que era na boca-da-noite que os peixes
ficavam mais abundantes e saiam para procurar o que comer.
Entretanto, de todas
as brincadeiras, uma era praticada durante o ano inteiro, intercalada com as outras:
o futebol. Não é à toa que este é o esporte da predileção de cada 9 entre 10
brasileiros. No nosso tempo, o garoto começava jogando com uma bola de meia,
evoluía para uma de plástico, leve e barata, para somente depois chegar a usar
uma de couro. Chegara, quando isso acontecia, ao ápice do prazer. Tocar naquele
objeto mágico era o sonho de todo menino e tinha o peso do mais avançado Joystic
para os garotos de hoje.
A minha primeira bola
de couro eu a comprei na minha primeira viagem de férias a Teresina, lá pelos idos
de 1966, se não me engano. Juntamos o dinheiro durante muitos meses para adquiri-la.
A pelota pertencia, portanto, a uma sociedade informal, sem estatuto ou
regimento, mas todos respeitavam o direito de cada um de usá-la. Lembro
perfeitamente que quando retornei da viagem, mal desci do ônibus, estavam eles
lá a me esperar, semblantes sérios, corações a pulsar acelerado, na expectativa
de saber se eu não havia usado o dinheiro com outras coisas em detrimento do
nosso balão-de-couro. Mas, quando retirei
de um saco plástico e ergui a bonita bola de couro para o alto, a tensão deu
lugar à alegria. Foi uma explosão de gritos e aplausos como se o Brasil
acabasse de ganhar uma copa do mundo. E, momentos depois, já estávamos correndo
atrás do nosso objeto de encantamento em nosso estádio que ficava na Praça Diôgo Soares, pertinho da minha casa.
Naquele campo disputamos muitas partidas, ficava perto de um certo cajueiro que
já mereceu uma crônica aqui nesse espaço.
Entre os craques da
época, poderia puxar pela memória - mesmo correndo o risco de deixar alguns
nomes importantes de fora - estava em primeiro lugar o Caíca, o maior deles. Menino de toque refinado, passes milimétricos
e gols memoráveis. Depois, vinham o Tommy, o Edmilson, o Hilton, o Raimundo do
Horácio, o Putuca, o Dió, o Gude – já falecido e hoje joga a sua pelada e
pratica as suas pescarias lá no Céu -, o Bidoca, o Pedro Falcão, o Riba e o Ribinha, além
deste meia-esquerda que vos escreve. E entre os adversários mais comuns, o Tarso
e o Jean Carvalho, grande amigo que defendia o time da Rua do Campo-Praça do Mercado, de saudosa memória, que hoje também deve está batendo a sua bolinha
legal juntamente com um time de santos, e em um estádio com gramado verdinho e
macio, tipo de campo em que sonhamos jogar um dia.
Havia outras
brincadeiras, afinal, criança sempre inventa alguma coisa para passar o tempo,
como os jogos de castanha, as zarabatanas, o futebol de botão, as brincadeiras
de esconde-esconde, as caçadas, as capturas de passarinhos, entre
tantas outras que recheava a nossa infância interiorana. Brincadeiras saudáveis
em todos os sentidos e que nos mantinha sempre em forma e com o corpo sarado,
como dizem hoje.
Por coincidência, um pouco antes de ler sua bela crônica, publiquei na editora e livraria virtual Amazon um pequeno livro sobre o futebol piauiense. Uma alfinetada: só que nele falo nos goleiros, esses grandes esquecidos.
ResponderExcluirAbraço,
Elmar Carvalho
Boa observação, Poeta. Dizem que o goleiro é o sujeito mais esquecido, isolado, e só é lembrado com mais ênfase quando toma um frango. Belchior já disse isso ao cantar que "estava mais angustiado que goleiro na hora do gol". Pra falar a verdade, o nosso goleiro era sempre o jogador que estivesse num mal dia. Ai era deslocado para o gol. Eu mesmo fui goleiro em muitas oportunidades. Então, nada contra a classe da qual o amigo foi um dos mais destacados representantes.
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