Gravura extraída do blog realidadenatela |
José Pedro Araújo
No
meu tempo de menino nas terras do Curador não se tinha ainda a televisão para
nos mostrar os filmes de terror ou mesmo os desenhos animados japoneses com
seus bichos feios a mais não poder. Não possuíamos nem energia elétrica, quanto
mais aparelhos de vídeo game com seus jogos horripilantes que deixam a meninada
imune às velhas histórias de lobisomem.
Assim,
era comum a meninada sentar nas calçadas nas noites de lua cheia para ouvir as
histórias medonhas de bichos do outro mundo e de almas penadas. O problema era
que, quando a turma se dispersava, íamos para casa morrendo de medo de que da
esquina escura pudesse surgir algum “Capelobo”. Era assim que denominávamos um
bicho fantasmagórico, misto de Capelão – imenso galo preto que soltava fogo
pelo bico e pelos olhos – e Lobo. De minha parte, não foram poucas as noites
que eu pedi à minha mãe que me deixasse dormir entre ela e o meu pai, apavorado,
com medo do tal bicho aparecer. Já nas noites de breu, cada menino procurava
dormir cedo, se possível com a luz do candeeiro acesa para espantar o medo de
coisa ruim que só ataca à noite.
Quem
nunca ouviu contar do sujeito que havia molestado uma filha e que o filho
desta, nascida do relacionamento incestuoso, havia se transformado em um enorme
Lobisomem, que atacava nas redondezas nas noites de lua cheia? E que esses
bichos, quando não conseguia encontrar nenhuma vítima, choravam a noite
inteira, uivando como um bicho danado até quase o nascer do sol? Ou então que
uma mulher muito má havia dado à luz, uma criança com metade do corpo de
cachorro e a outra metade de touro? Um bicho tão malvado que só se alimentava
com animais e crianças recém-nascidas?
Hum!
Coitado de mim. Ainda por cima eu era o filho mais velho, não possuía irmãos
mais fortes que pudessem me defender. E para aumentar ainda mais o meu terror,
minha avó residia em uma rua que ficava por trás da que morávamos, e para
chegar até lá tínhamos que passar por um beco escuro e desabitado. Para
aumentar o meu desespero, todo final de tarde, início de noite, minha mãe determinava
que eu fosse levar um pratinho de comida, feita exclusivamente para minha avó,
que já era bastante idosa. Era um Deus nos acuda atravessar aquele beco de não
mais do que cem metros de comprimento, mas que para mim media vários
quilômetros de extensão. Só eu sei quantas carreiras tomei de algum calango, ou
outro bichinho menor ainda, ao farfalhava apressado nas folhas secas espalhadas
pelo caminho. Para mim, tratava-se de algum bicho medonho querendo me atacar.
Foi
ai que surgiu uma história das mais pavorosas que me deixou semanas sem sair de
casa para caçar passarinhos nas matas, mesmo durante o dia. A história –
verídica, segundo alguns amigos meus – tomou tal vulto na comunidade, que os
meninos andavam obedientes aos pais como nunca se vira antes. Contavam que um
menino, de nome Zé Augusto – vou trocar o nome em respeito ao rapaz, já
falecido, havia sido atacado ferozmente por um Capelobo, enquanto retornava, no
final da tarde, da fazenda de seus pais para casa. Diziam ainda que ele havia escapado de ter o
seu sangue bebido pelo tinhoso porque portava um crucifixo de madeira pendurado
no pescoço, fruto de uma viagem realizada pelos pais ao Juazeiro do Norte. Mas,
mesmo assim, havia ficado muito machucado e com o rosto apresentando um
hematoma muito grande. Um dos olhos fora tão agredido que estava fechado de
tanto inchaço.
Originário
de família evangélica, logo recorri à minha mãe na esperança de receber uma
negativa como resposta. Esperava ouvir dela que essas visagens não existiam e
coisa e tal. Mas, o que dela ouvi, deixou-me mais amedrontado ainda. Falou que,
de fato, visagens não existiam, mas que algum “endemoniado” deveria ter
atacado aquele menino. Era fato que o garoto estava muito machucado, sobretudo no
rosto. Perguntada por mim o que era esse tal ser “endemoniado”, respondeu-me
que eram pessoas que carregavam o demônio dentro de si e que às vezes matavam
as crianças para beber o seu sangue.
Apavorei-me
mais ainda. Desconfiei que o tal bicho “endemoniado” - minha mãe não queria
admitir - só poderia ser o tal Capelobo. E repassei a informação adiante.
Desde
então, nas noites de lua cheia, a meninada não saia mais de casa. Caçar
passarinho, só se fosse na companhia de adultos, e assim mesmo nas matas
próximas de casa. Acredito ter sido um alívio para os bichinhos, os nhambus, as
juritis, e mesmo as pombas que agora passavam um bom tempo sem sofrer com os
seus predadores mais cruéis.
Depois
de alguns meses, ficamos sabendo da verdadeira história do bicho que havia
atacado o infeliz Zé Augusto. Como seus pais haviam ficado muito preocupados
com o episódio, uma vez que o menino se negava peremptoriamente a levar os
animais para dar água lá na fazenda, começaram a investigar o que de fato havia
acontecido com o filho. E não tardaram a descobrir, após pressionar o filho do
vaqueiro que se mantinha arredio a perguntas, mas que havia escapado ileso,
apesar de está junto com seu filho no dia do amaldiçoado ataque.
Depois
de muitas tentativas, o pai de Zé Augusto, desconfiado cada vez mais que o
garoto lhe escondia alguma coisa, pediu ajuda à esposa para descobrir o que de
fato havia acontecido naquela tarde-noite. E ela, muito jeitosa no trato com
crianças traquinas, afirmou ao assustado garoto que ao olhar nos olhos de qualquer
pessoa, sabia distinguir perfeitamente se ela estava mentindo ou falando a
verdade.
O
garoto se desesperou, já conhecia a fama da mãe do colega, e diante da pergunta
de qual bicho havia atacado seu amigo, respondeu quase com um gemido: “foi uma
jumenta”. Foi um alívio geral. Menos para o pobre Zé Augusto, punido com uma
severa surra para nunca mais cometer um pecado daquela magnitude.
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