José Pedro Araújo
Os anos de
seca que estamos atravessando tem levado parte considerável dos nordestinos a
viver um período de grande aflição. Sobretudo aqueles que dependem da chuva
para evitar frustração da safra da sua lavoura ou a destruição do seu pequeno
rebanho. Olhar para o céu e não encontrar uma única nesga de nuvem de chuva é
desesperador. E olha que já estamos atravessando o quarto ano sem precipitações
regulares. Os rios estão secos, os açudes há muito já perderam a sua utilidade,
e até mesmo os poços cacimbão deixaram de oferecer o líquido precioso para
matar a sede de gente e de animais. Na esteira de tudo isso ainda vemos as
nossas esperança de um bom inverno se dissipar com a ameaça de mais um ano sem
a ajuda de São Pedro. Tudo por conta de um menino brincalhão, um tal de el niño.
Mas,
acreditem, já foi muito pior. Hoje, temos uma rede de proteção social que, bem
ou mal, evita a morte indiscriminada de pessoas atingidas pela inclemente falta
de água. E essa rede, ao contrário do que querem fazer crer, vem sendo montada
ao longo dos anos, desde os anos cinquenta, ou mesmo dos quarenta. Tudo começou
quando se implantaram a rede viária, com muitas estradas, quando houve a
modernização dos meios de transportes, incremento das comunicações, mas também
a construção das aguadas em forma de
grandes barragens. Essa infraestrutura veio nos favorecer, viabilizando a nossa
retirada para longe do inferno apocalíptico, e fazendo-nos pousar na beira de
um manancial em poucas horas. Proveram-se meios para não se morrer aos montes
como no passado, quando os caminhos ficavam cheios de cadáveres, de gente, mas
também dos animais que deveriam nos levar para longe.
No meu e-book,
Terra de Ninguém, que está
disponível na Amazon.com, o personagem principal, Stanislaw, narra histórias
ouvidas dos seus antepassados sobre os percalços vividos pelos sertanejos
nesses tenebrosos períodos dantescos. Começa relembrando doloroso relatório
enviado pelo Padre Joaquim José Pereira a Dom Rodrigo de Sousa Coutinho,
Ministro e Secretário de Negócios da Marinha e Ultramar, no Ano de 1798, no
qual narra os efeitos mortais da seca daquele período na Província do Rio
Grande do Norte. A descrição que ele faz sobre seus efeitos destruidores sobre a
população daquela Província é alarmante e de causar pena. Com o intuito de
mexer com o sentimento dos homens de mando na época, confortavelmente
aboletados nas suas cadeiras de chefes insensíveis no distante Rio de Janeiro, Padre
Joaquim descreve com crueza de detalhes a sina dos sertanejos naqueles tempos
de sofrimento e dor. Diz, por exemplo, que aqueles que resolveram ficar e
aguardar por dias melhores, definharam em razão da fome e da sede e, fracos
demais para opor qualquer reação, viam os urubus invadirem as suas casas e
saciarem-se nos corpos inertes, muitos ainda com vida. Mas afirma também que
daqueles que resolveram procurar a estrada em busca de salvação, muitos não
lograram melhor sorte e pereceram na margem dos caminhos, permanecendo
insepultos. O personagem Stanislaw é ficcional, mas essa história é verdadeira.
Da mesma forma que a que segue abaixo.
O que já
parecia uma situação de extrema dificuldade, piorou sobremaneira. Lá pelo ano
de 1932, o governo do Ceará criou Campos de Concentração ao longo da linha
férrea que trazia os retirantes do alto sertão para a capital, Fortaleza. Nas
cidades de Crato, Ipu, Senador Pompeu, Quixeramobim e Cariús, foram erguidas
construções rústicas, que mais pareciam currais para abrigar os retirantes que
se utilizaram da estrada de ferro para chegar mais rapidamente à capital. Em
Fortaleza também construíram-se currais para acomodar aqueles que conseguiam
passar pelas barreiras de retenção. Protegidas com cercas de arame farpado
essas construções já aprisionavam mais de 73.000 pessoas somente no primeiro
mês. Velhos, mulheres e crianças tinham as cabeças raspadas para diminuir a
praga de piolhos que logo se alastrou em meio deles. A maioria tinha como
vestimenta sacos com abertura no fundo para deixar passar a cabeça, e nos lados
para os braços. A comida era escassa e preparada em latas de querosene
espalhada ao ar livre. Apesar do governo federal ter disponibilizado dinheiro
para a compra de animais para o abate, quase toda a verba foi desviada,
adquirindo-se gado magro e às vezes já doente para ser consumido pelos
retirantes. O termo indústria da seca passou a ser empregado pelos jornalistas,
especialmente os que faziam oposição ao governo Vargas.
A morte logo
se fez presente nos Campos de Concentração. Diariamente morriam dezenas de
indigentes que logo eram sepultados em valas comuns, sem identificação nenhuma.
Tudo isso acontecia para que a cidade de Fortaleza, que naquele tempo
ingressava no seleto grupo das metrópoles, se visse livre dos pobres que
invadiam a cidade e perambulavam maltrapilhos pelas ruas. Envergonhavam-se dos
seus pobre; precisam mostrar para o restante do país uma feição de cidade
moderna, livre da mendicância. Inventaram aqui os Campos de Concentração antes
que os alemães criassem os seus para acolher os judeus e os comunistas durante
a segunda guerra mundial. O povo logo passou a chamá-los de Currais do Governo.
Monsenhor
Chaves deu conta da existência de campos para refugiados que chegavam à capital
do Piauí. Não lança luzes acerca do tipo de construção dessas instalações e
muito menos sobre o seu grau de conforto. Alerta apenas que o número de
retirantes que por lá passou era muito grande, e que o governo do estado tinha
que empregar somas vultosas de recursos para provê-lhos de alimentação e
remédio. Noticiou ainda, que em razão dessas despesas, o governo teve que desmobilizar
os campos de maneira abrupta. Talvez não tivessem feito uso dos mesmos como se fosse
um jardim zoológico, como aconteceu em Fortaleza. Lá, as pessoas visitavam o
campo como uma forma de diversão, e lançavam algumas moedas para os enjaulados
como se jogassem amendoim para os macacos que vivem no horto. Tristes tempos!
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