quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Consegui Provar Que Sou Servidor Público Estadual




Virgílio Queiroz
Contista, cronista, historiador, advogado, jornalista, servidor público estadual

Cheguei à Secretaria de Administração do Estado do Piauí com um objetivo; me recadastrar. Estava com medo de ter meu contracheque retido (como aconteceu por diversas vezes. Obs: não vou contar os motivos. Outro dia, quem sabe).

Havia um vuco-vuco na sala antes, onde servidores estavam desesperados por conta do contracheque retido. O meu não estava e eu passei direto. Documentação incompleta: faltava a portaria de 1915 (quinze mesmo!) do meu início de trabalho. A Amanda me disse: “vá buscar e venha na parte da tarde. Quatro horas não tem seu ninga”. Voltei no horário marcado. Agora o vuco-vuco era no auditório. Eu disse: valei-me Virgem Santíssima! E agora, dona Aurora!

Ei, Amanda, você disse que não ia ter seu ninga! Aqui está entupetado de gente! Ela disse: “é, pois é... eu num contava com isso não. Mas, peraí, vou resolver”. Olhou minha documentação e tudo ok. “Olha, seu Virgílio, fale com a Patrícia”. Morena linda, apesar de sisuda. Ela me disse que era melhor eu vir no outro dia pois, às 17:00h, ela iria embora. “E aí, eu vou enfrentar todo esse balacobaco de novo?”, perguntei-lhe. “Amanhã, chegue às oito horas. O senhor não enfrentará fila. Olhei a morena de cabo a rabo. Parecia não ter defeito (rosto, resto do corpo, etc.), tirando a sisudez.

No outro dia, às 07:55h, eu estava rente. Não havia tanta gente na sala onde houvera o pipoco no dia anterior (umas 50, talvez). Vi a Patrícia (linda como ontem). Mostrei-lhe o papel com sua letra, autorizando a minha ida, no dia seguinte, sem pegar fila. Ela, pela primeira vez, me olhou, e para minha surpresa e satisfação, pegou-me pelo antebraço e levou-me à sala do pipoco (acho que, por dentro, ela estava dizendo assim: vou levar esse porra pra longe de mim). “Fique esperando a chamada. 318, 319!”, ela chamou os servidores para uma outra sala de atendimento (bem mais vaga).

Olhei minha ficha e vi 320. O guarda disse: “entre, espere sentado, no ar refrigerado”. Eu respondi que ia ficar fora, pois estava chegando a minha hora. A Patrícia passou, passou, repassou e necas. Não pegou no meu antebraço e nem disse nada. Eu perguntei para o guarda: “não vão me chamar? “. Ele disse: “é por ordem de chegada. O senhor se senta na sala e vai atendido”.  Olhei, a sala tinha recebido mais gente. Talvez já com 60 ou mais pobres servidores. Esperiquitei-me e gritei como se fosse o Sílvio Santos: Patríciiiiiiiia! Ela, me olhou e disse: “o que foi?”. Ela podia ser a mulher mais bonita do mundo, mas o meu orgulho estava ferido. Que barato é esse! Eu sou o 320! Você chamou o 318 e o 319. E eu!? “Espere na sala”, disse-me. Eu disse: “nem morta, dona Carlota, eu não saio dessa porta!”. Ela cedeu, eu entrei.

Um rapaz(?) me atendeu: “os documentos, por favor” (disse, sem antes soltar um sorrisinho matreiro). Virou-se, espreguiçou-se sensualmente e disse para uma colega ao lado: “menina, estou com uma gripe daquelas! Tomei nimesulida, recebi até injeção no bumbum. E continuo gripada (quis escrever gripado). Ele pegava os meus documentos, passava a mão num papel higiênico amassado e embebido em álcool, assuava o nariz. Toda porcaria possível. De vez em quando ele bichichava: “ui! A internet caiu! Oh! (esse “oh” era a identificação, além da mãozinha levantada até a altura do ouvido). Depois de uns 20 minutos que me pareceram duas horas, ele bateu as mãozinhas e disse: “pronto, finalizei”. Passei, ainda, por outra sala, mostrei novamente os meus documentos (parecia o tempo de estudante universitário quando tive que ser identificado pela PF ). O rapaz, outro rapaz (desta vez, rapaz), disse que o recadastramento estava concluído.

Estou em casa, acamado. Rouco, com febre, gripado. Tomei um antigripal, nimesulida, acebrofilina (injeção no bumbum, não), tudo contraído pelo rapaz do “ui e oh”. Mas, confesso, estou feliz, consegui provar que sou servidor público do Estado do Piauí.    

Um comentário:

  1. Boa ilustração, verdadeira metáfora visual.
    Ainda bem que o bravo Virgílio conseguiu escapar.

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