José Pedro Araújo
Avalie um
homem que acabou de receber o seu diploma universitário, e o encontrará a
alguns metros do chão. Foi isso, pelo menos, o que aconteceu comigo. É verdade
que me achava um pouco perdido, desorientado mesmo, sem saber como por em
prática o que aprendi nos bancos da universidade. Mas também é verdade que a
vaidade havia se apossado de parte de mim, a ponto de me achar um homem
diferenciado, um candidato compenetrado à espera do seu prometido, e devido,
brilhante futuro.
Agora imagine
um homem apresentado ao mundo real. É bem provável que, caso não caia das
nuvens, num tombo monumental, ganhe algumas esfregadas que irão arranhar o
verniz fresquinho, e fraquinho, da sua falsa grandiosidade. Foi assim que
aconteceu.
Como chegar ao
primeiro emprego não havia sido problema, - após passar em um concurso
relativamente fácil -, ingressei na EMATER poucos dias depois do certame. Tudo parecia
correr dentro do script, apesar de não ser o emprego ideal, nem o salário
fizesse jus ao meu nível de formação, senti-me no rumo certo. Paciência. Era só
o primeiro degrau. Foi o que pensei. E assim, dois ou três dias depois, estava
desembarcando na cidade de Bacabal, Maranhão, para assumir o meu posto de
trabalho. É certo que o ônibus velho e desconfortável que havia me levado até
ali, tinha servido para baixar um pouco a minha bola, levando-me no rumo de um
futuro que nem de longe pensava ser o que me estava destinado. Mas as coisas não parariam por ai.
Ao me
apresentar ao Coordenador Regional da unidade, foi-me dito que eu deveria
embarcar no dia seguinte para um município de nome Lago Verde, que eu nunca
tinha ouvido falar. Iria instalar o escritório da empresa naquela povoação que,
a bem da verdade, não ficava muito distante da regional. Sem problema. Desafios
me fazem bem. Fazem bem a qualquer pessoa, dirão. No dia seguinte, duas da
tarde, lá estava eu novamente na rodoviária da cidade para tomar o meu ônibus
com destino a Lago Verde.
Mais uma
decepção. O trambolho que encostou na passarela de embarque poderia ser chamado
de tudo, menos de ônibus. Estado era lastimável, o que fazia com que o outro que me
trouxera de São Luís no dia anterior parecesse um expresso, na acepção da
palavra, o barulhento coletivo encobriu a todos com uma fumaça preta e
malcheirosa. E eu não tive nem tempo
para incorporar a minha decepção. O motorista, que havia descido rapidamente
para a plataforma de embarque foi logo gritando que todos precisavam se
apressar, pois ele precisava pegar a estrada, tinha horário para cumprir.
Com se já
estivessem acostumados com a ordem do comandante daquele autocarro, houve uma
correria de passageiros para acomodarem suas bagagens no bagageiro, e quase me
derrubam. Atropelaram-me sem respeito. Equilibrei-me e, rapidamente, juntei a
minha mala e fui procurar acomodação para ela também. Procurei um cantinho
isolado, mas logo vi minha porta bagagem ser soterrada por uma montanha de
volumes. Lá se foi a minha mala nova, pensei. Enquanto estava pensando assim,
fui empurrado por alguém que tentava colocar no bagageiro um leitão vivo e
esguichando feito um endemoniado. Um porco junto à bagagem, fui reclamando ao
motorista que se mantinha impassível, àquela hora segurando a tampa do
bagageiro para ela não achatar a quem tratava de acomodar suas coisas lá. Foi ai
que vi que alguém já haviam colocado lá um engradado cheio de galinhas. Desisti
de reclamar e tentei entrar no veículo. Lá dentro a confusão era geral. Gente
tentando empurrar outras bagagens no bagageiro interno, como se o troço fosse
feito de elástico e se expandisse para comportar o volume que ele tentasse colocar
lá dentro. O corredor, já que o pessoal continuava em pé, estava entupido. E,
àquela hora, o calor que fazia no interior da lata-velha, era de deixar
qualquer um louco da vida. E era um empurra-empurra que só terminou quando o
ônibus já havia tomado a estrada. Como num graneleiro, as coisas foram se
acomodando por si só.
Com muito
custo, consegui um lugarzinho na janela, no assento sobre os pneus traseiros. Àquela
altura, a minha autoestima estava muito baixa. Um doutor não merecia aquilo.
Mas, fazer o que? Era melhor relaxar e aproveitar a paisagem que se
descortinava pela janela. Mas, como relaxar, se a tal poltrona tinha o encosto
voltado para a frente, reduzindo o ângulo de noventa graus das normais em pouco
mais de oitenta. Fiquei com o rosto quase enfiado no encosto da poltrona da
frente. Com os dois braços apoiados nas coxas, permaneci por cerca de quarenta
minutos a uma hora assim. De vez em quando conseguia olhar pela janela para
apreciar a paisagem. Decorrido esse tempo, vi que o coletivo deixou a BR e
tomou uma estrada de piçarra. Ai a poeira veio se somar a todas as misérias que
o maldito transporte nos impingia. E o transporte começou também a sacolejar
como se quisesse acomodar direito os passageiros no seu interior. Andamos assim
cerca de meia hora mais. Depois disso, o bichão parou e o motorista desligou o motor.
O que teria acontecido? – Dirigi-me ao meu companheiro de bancada. “O ônibus já
vai até aqui”. – respondeu-me – “Tem um atoleiro muito grande ai na frente
impedindo a gente de passar”.
Ninguém tinha
me avisado sobre isso. E agora?
Parei de frente ao motorista e
indaguei-lhe como íamos fazer o resto do trajeto. E ele, calmamente,
respondeu-me: “a pé”. A pé e com a mala na cabeça, desesperei-me. E ele,
olhando com pena da minha pouca experiência, avisou-me que logo na frente tinha
algumas carroças que, contratadas, podiam levar a minha mala.
- Ainda por
cima, tenho que pagar? – revoltei-me. E
ele, do alto da sua autoridade de comandante do nosso coletivo, disse-me que
apenas se não quisesse levar a mala na cabeça. Pronto. A conversa estava
encerrada, foi o que ele deu entender ao pedir-me que saísse da frente para dar
passagem pra os outros passageiros.
Depois de
descer e apanhar a minha mala completamente amassada, fiz o que a maioria dos
passageiros estavam fazendo: corri até a primeira carroça e contratei o
transporte da minha bagagem, depois de perguntar se estávamos perto da nossa cidade.
- Sim. Apenas dez
a doze quilômetros daqui. Já a gente chega lá.
Quase tive um
troço. Aquele dia não merecia existir. Que dia aziago!
Tomei a
estrada também. Caso não me apressasse, não acompanharia a carroça com a minha
mala que já tinha partido rapidamente. A carga da carroça ia por cima. A
bagagem havia tomado uma altura louca, e precisou ser amarrada para não cair na
lama que inundava o caminho. Consegui caminhar por vinte minutos. Caminhar é a
forma de dizer. Na verdade, sai deslizando na lama enquanto me equilibrava para
não cair. Depois desse tempo, cansado, olhei para a carga e perguntei ao
carroceiro se eu podia subir no veículo também. Ele me respondeu que sim.
Bom. Ia
anoitecendo quando entramos na cidade. O acesso era feito por uma rua comprida
e sinuosa, sem calçamento, que ia de uma ponta a outra da comunidade. E parecia
ser única, mas, a bem da verdade, não era. Alguns pedaços de ruas saiam
perpendicularmente e logo se interrompiam. Assim, a rua que trafegávamos não
era a única, mas era a mais importante, a principal, como parece existir em
todas as cidades do interior.
Bateu-me uma
tristeza. Isso era demais para a minha autoridade. Um doutor agrônomo formado
na renomada Universidade Federal Rural de Pernambuco, ter que tomar contato com
o seu local de trabalho daquela forma, e ainda por cima sobre uma carroça
atupetada de bagagem. Só não voltei para trás porque não tinha como. Parabéns a todos os agrônomos desse imenso Brasil!
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