A falta de uma
educação de qualidade não é obstáculo suficiente para barrar o talento puro,
nascido no berço e lapidado nas experiências da vida. Se isso é válido para muitas
coisas, também é verdadeiro para os poetas e prosadores nascidos nos fundões do
sertão maranhense. Conheci um desses homens capazes de construir verdadeiras
obras primas sem rabiscar nada no papel – por quase não saber escrever - fabricando
suas rimas apenas na sua mente e recitando-as depois para sedimentá-las na
memória. O nome desse trovador era Pedro Gomes de Oliveira e entre tantas
outras profissões que abraçava - como forma de prover sustento para sua família
- comercializava peles de animais silvestres, quando isso ainda não era
considerado um crime tão grave contra a natureza.
Em uma de suas tantas
viagens, certa feita, retornando para Colinas, bela e aprazível cidade de clima
bastante ameno, encravada no sertão maranhense, resolveu pernoitar na residência
do amigo Zeca Barros, em
Presidente Dutra. Naquele tempo, ir de
Colinas a Grajaú era tarefa das mais incômodas, em razão das péssimas estradas
e da falta de apoio logístico nos povoados e cidades. Se ainda hoje é tarefa
das mais indigestas, imaginem naquele tempo. E Pedro Gomes, já entrado na
idade, devia sofrer mais do que o normal nesses longos períodos em que era
obrigado a conviver com toda a sorte de dificuldades.
Nesse dia, ainda sob
os efeitos do cansaço, ossos moídos pelos solavancos do transporte
desconfortável, resolveu desabafar para o seu anfitrião da forma que mais
gostava de fazer: através das suas rimas. Foi então que ele se vingou das
dificuldades vividas nos povoados e cidades que encontrou no último trajeto
realizado, cunhando seus versos com um pouco de veneno e uma boa dose de graça.
Em decorrência do tempo transcorrido, só conseguimos resgatar uma das estrofes
daquele desabafo hilariante, nomeando cada uma das povoações que o poeta
popular encontrou pelo caminho, da seguinte forma:
Barra do Corda é uma
Ticaca
Naru, curral da fome.
Jacaré, cuia
emborcada.
Jenipapo, não tem homem.
Cacete, pau da
miséria
Grajaú, só tem o
nome.
Passados alguns anos,
em outra viagem que o vate sertanejo empreendeu
a região, encontrou algumas melhorias nos povoados e nas cidades visitadas,
resolvendo então reparar um pouco os versos objetos da sua revolta. Com bom
humor, melhorou um pouco o seu julgamento sobre as comunidades existentes desde
Barra do Corda até Grajaú, com exceção desta última, versejando assim:
Barra do Corda já
está boazinha
Naru já melhorou
Jenipapo já tem homem
Jacaré desemborcou
Cacete por São Pedro,
o dono dele trocou
Mas Grajaú, ainda
continua do jeito que começou.
Apesar das agruras
resultantes da vida errante que levava, o poeta mantinha-se sempre bem
humorado, e nem mesmo seu anfitrião escapou de suas tiradas engraçadas, como no
dia em que ficou sabendo que Zeca Barros havia posto uma cangalha com alguns
jacás em uma égua nova, e nela havia colocado suas filhas para um belo dia no
campo. Uma das meninas ia na cangalha e as outras duas nos jacás, como peso e
contra-peso. Feito isto, rumou para a sua propriedade onde pretendia fornecer
um belo dia de lazer às crianças. Tudo ia bem até que o animal, muito arisco, levando
a carga completa sobre as costas, foi entregue a um dos filhos maiores, que
também não passava de uma criança na época. E lá se foram os alegres e
despreocupados candidatos a um dia feliz na roça.
Gargalhadas aqui,
brincadeiras bem humoradas acolá, podia-se afirmar que ali trafegava um grupo
de crianças transpirando felicidade e soltando no ar seus sorrisos espontâneos,
qual trinado de pássaros livres. Mas, ainda no inicio do trajeto, o animal se
espantou com alguma coisa e começou uma corrida desenfreada levando a bordo a
sua carga humana. Presos pelas alças nos cabeçotes da cangalha, os jacás
começaram a saltar nervosamente ameaçando soltar-se a qualquer momento. E as
gargalhadas iniciais foram substituídas pelos gritos apavorados das crianças; tal
gritaria só fazia aumentar o nervosismo do animal, que acelerava mais e mais,
seguindo em desabalada carreira. O garoto encarregado de conter o animal já
havia ficado pelo caminho, cara enfiada no pó vermelho. Uma das meninas, que ia
em um dos jacás, com a arrancada do animal tomou um banho de azeite de coco
quando a panela que conduzia, cheia de óleo, foi lançada para o alto entornando
o líquido viscoso sobre a sua cabeça. Essa mesma criança, logo depois, foi
jogada fora do assento, situação igual a que viria a ocorrer logo depois com a que
ocupava o outro jacá, desequilibrado com a queda do primeiro, e ao qual servia
de contrapeso.
A última criança a
ser cuspida pelo animal desembestado
foi a que estava sobre a cangalha. Essa, apavorada com o que havia acontecido
com as outras, não teve muito tempo para se agarrar direito e logo já estava no
chão como as demais. Acabava dessa maneira quase trágica o que prometia ser um
dia feliz no campo. Da mesma forma, Pedro Oliveira ficara sabendo que o amigo
havia provocado a morte de um jumento Pega, usado por ele para cruzar com
algumas éguas de sua propriedade, ao colocar no pescoço do bicho uma forquilha
para impedir que fugisse em busca de aventuras. Juntando os dois casos o poeta
produziu a seguinte rima:
Meu amigo Zeca Barros
Tome isto por exemplo
Não bote cangalha em
égua
Nem forquilha em
jumento.
Ouvindo a
brincadeira, o bem humorado Zeca Barros desafiou o poeta, afirmando que ele
deveria assinar a peça que acabava de compor. E ele, mais que depressa, concluiu a sua rima:
Couro de gato(Maracajá)
dá dinheiro
Carrapato dá coceira
O autor desses versos
É Pedro Gomes de
Oliveira.
Este grande poeta é meu avó, faleceu em 1983, na cidade de Codó MA. Que pena que a família não guardou o acervo que o mesmo tinha com versos que foram perdidos. Nos anos 70 ele produziu vários versos e um que ainda lembro sobre a cidade que não possuía motel e os carros iam para a piçarreira: "Na piçarreira de Codó só tem pedra e mato mucho, de dia roda caçamba de noite carro de luxo, com moça namoradeira, começa uma cuspideira depois vai crescendo o bucho." Pedro Gomes.
ResponderExcluirCaso desejar entrar em contato: Josimar Gomes da Silva, moro em São Paulo, sou Capitão da Marinha na reserva, E-mail: codohmar@gmail.com.
Somente hoje estou lendo o seu comentário, meu prezado. Conheci o seu avô na casa do meu tio Zeca Barros, onde ele se hospedava quando passava por PDutra. Era uma pessoa muito alegre e generosa com as crianças. Quando o conheci ele ainda morava em Colinas, eu acho.
ResponderExcluirForte abraço. Continue privilegiando o nosso blog com os seus acessos. Nosso propósito é manter viva as lembranças do passado que hoje estão caindo no esquecimento.
a prósito: meu tio era casado com uma sobrinha do seu avô,tia Lourdes, dos Oliveira de Colinas.
Grato.
José Pedro Araújo.
Pedro de Gomes de oliveira meu avo materno um grande homem Saudades eterna
ResponderExcluirPedro Gomes de Oliveira meu Avô materno..saudades dmas ele me colocava no colo e dizia que era seu xodó
ResponderExcluirPedro Gomes era meu avô, saudades eternas desse poeta! que até então era desconhecido!
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