José Pedro Araújo
O
assunto do título acima está sobejamente tratado na literatura, pelo
que me consta, pois é um tema que suscita uma série de enredos com várias
nuances, ou vários finais. Machado de Assis foi um dos que tratou sobre ele em
um conto, chamado A Herança. A jovem escritora americana Kiera Cass, caiu nas
graças do público, inclusive o brasileiro, com uma serie de livros intitulados
A herdeira. Outros autores cuidaram do tema de modo superficial, quase como
enchimento para alongar ou acrescentar um pouco mais de páginas a determinado
livro. É um tema instigante, portanto, e é tão poderoso que tem destruído ou
desestruturado muitas famílias quando chega a hora da divisão do patrimônio
deixado pelos pais. E isso se dá desde os primórdios da civilização, em todas
as culturas, em todos os grupos familiares, em todas as classes sociais. A
busca pelo maior ou o melhor naco do patrimônio deixado por seus progenitores,
põe em lados opostos até mesmo quem antes jurava amizade eterna. Esse tema
nunca envelhece, e é também muito citado nos folhetins para a televisão em
razão do grau de discórdia que pode alimentar, da trama que pode suscitar.
Recentemente
ouvi uma história contada por um irmão meu, que a disse verdadeira, sobre uma
disputa entre alguns irmãos pela herdade deixada pelos pais mortos. Com seu
jeito meio jocoso de contar seus causos, ele afirmou que a tal desavença
ocorreu no seio de uma família residente no velho e querido Curador. E como não
me pediu segredo, repasso o que ouvi, com algum acréscimo, talvez. O fato
aconteceu mais ou menos assim, salvo uma pitada de humor acrescentado por ele,
ou por mim, ao relatar como o caso se deu.
Em
pouco tempo, morreram os pais de uma família de quatro irmãos. Eles deixaram
para os filhos, como herança, apenas e tão somente uma pequena, mas bem
estruturada propriedade rural. Antes da passagem do casal, porém, como a terra
era relativamente pequena, dois desses irmãos já haviam partido para Brasília em busca
de um lugar ao sol, conscientes de que a pequena propriedade não era suficiente
para acomodar a todos. Ou até mesmo porque quisessem levar uma vida um pouco
menos sacrificada. E esses dois irmãos se deram relativamente bem na capital
federal. Arranjaram bons empregos e constituíram família ali. Prosperaram,
enfim. Já o irmão mais velho, mais adaptado às coisas da roça, ficou ajudando o
pai na tarefa de amanhar a terra e prover toda a família com o que conseguiam
retirar dela. E foi desse trabalho ininterrupto, pesado, cansativo, que saíram os
recursos para bancar os estudos dos dois irmãos que haviam escolhido outro
caminho a seguir. Os tais que estavam vivendo e Brasília.
O irmão número
quatro, nasceu com sérias complicações pós-parto, o que comprometeu a sua vida
futura. Com problemas graves na fala e no sistema nervoso, tinha surtos
periódicos que o leva a ficar um pouco agressivo, mas, bem cuidado pelos pais e
pelo irmão, nunca havia causado mal maior a quem quer que fosse.
Pois bem. Falecido
o velho chefe de família, algum tempo depois da esposa, os filhos residentes na
capital vieram para a missa de sétimo dia, uma vez que não conseguiram tempo para
comparecer ao seu sepultamento, assim como aconteceu ao lhes falecer a mãe. E
nesse mesmo dia, alegando que precisavam voltar para os seus afazeres,
reuniram-se, os três, para determinarem o que fazer com a herança deixada pelos
pais.
Conversa vem,
conversa vai, os dois irmãos mais bem postados e que haviam recebido uma
educação diferenciada e a custa do trabalho do mais velho, conduziam a reunião e, logo, chegaram a uma proposta que
julgaram ser a mais adequada para todos: propuseram vender a propriedade, único
bem deixado pelos pais. Seria mais fácil dividir o dinheiro do que a terra,
afirmaram com convicção e sabedoria. Depois, de tão longe, não tinham como administrar a
gleba de terra que tocasse para eles, que não deveria ser muito grande. Seria até mesmo antieconômico, portanto impensável.
O irmão que havia ficado em casa para ajudar na condução da propriedade, ficou calado o tempo todo enquanto os outros dois, mais sábios, procuravam uma saída para o caso. Algum tempo depois, instado pelos outros a falar o que achava da proposta, saiu-se com essa:
O irmão que havia ficado em casa para ajudar na condução da propriedade, ficou calado o tempo todo enquanto os outros dois, mais sábios, procuravam uma saída para o caso. Algum tempo depois, instado pelos outros a falar o que achava da proposta, saiu-se com essa:
- A proposta
que eu tenho é um pouco diferente da de vocês. Eu fico com toda a propriedade,
só para mim. Ou então, não fico com nada. Vocês podem ficar com ela pra vocês.
E façam o que bem entender: vendam, troquem, faça a doação para quem quiser.
Não é preciso
dizer que suas palavras causaram enorme surpresa aos outros dois. As esposas destes,
então, que haviam acompanhado os maridos para prestar as últimas homenagens ao
sogro falecido, sentiram-se ultrajadas com aquela proposta. Logo elas que
tantos meneios aprovativos de cabeça haviam feito ao ouvirem a proposta mais
que inteligente formatada pelos maridos! Tão surpresas ficaram que uma delas
não se conteve e interpelou o cunhado.
- Você não
acha que está sendo muito ambicioso, não? Seja menos egoísta, não queira ficar
com tudo o que pertence também e por direito aos seus irmãos!
- Talvez eu
não tenha me explicado bem, minha cunhada. Para mim só serve se eu ficar com
tudo. Caso contrário, abro mão da minha parte sem o menor constrangimento. Não
estou zangado, nem muito menos decepcionado com a proposta ouvida. Por outro
lado, não trago um pingo de egoísmo na minha proposta. A única coisa que me esqueci
de dizer, é que abro mão da minha parte em favor dos meus queridos irmãos,
desde que eles fiquem com o Chicó também! – Chicó era o irmão doente, e que
havia sido deixado à margem da discussão.
- Tomar conta
do Chicó? - responderam em uníssono. E
logo as mulheres cuidaram de puxar os maridos para um canto para discutir a
nova questão surgida.
Dois minutos
depois, talvez menos disso, os dois brasilienses voltaram a conversar com o
outro irmão.
- Lembramos de
que saímos daqui porque a terrinha era pouca, insuficiente para todos nós. Você
tem razão. O que tem aqui não dá pra todos nós. Vamos deixar as coisas como estão.
Você vai administrando a fazenda, depois veremos o que fazer.
- Assim, não!
Vamos formalizar o inventário nos termos que eu propus. Vocês não vieram aqui
com este propósito? Até trouxeram suas amáveis esposas que nunca haviam pisado
por aqui para visitar os sogros enquanto ainda vivos? Vamos concluir o inventário,
manos. Preto no branco.
Os bacharéis
se surpreenderam, mas acederam ante a possibilidade de tomarem conta do Chicó. E
voltaram para casa, para o conforto da família, para seus empregos bem
remunerados. Ficou para traz o irmão caipira com uma procuração que lhe dava
amplos poderes para realizar o inventário da maneira que bem entendesse.
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