quinta-feira, 7 de abril de 2016

Um Viajante Atribulado



                                                                                                                      José Pedro Araújo

            Se para certas pessoas viajar é algo tremendamente gratificante, para outras só em pensar na possibilidade, já começam a sentir calafrios, efeitos de uma viagem mal sucedida. Depois, passados os momentos de intranquilidade, quando já se chegou ao destino, ai a coisa fica boa demais. Como nesse ponto todos concordam e terminam viajando, as agruras ficam apenas na memória do viajante sofredor. Afinal, quem não gosta de mudar de ares de vez em quando? Quem não gosta de conhecer novos lugares, novas pessoas, cultivar novas amizades?

Mas, que existem pessoas que acham que viajar é um suplício, continuo afirmando que há.

             E o Dr. Jonas Araújo é uma delas. Dentista dos mais respeitados da cidade de Presidente Dutra, preza muito pela qualidade do seu trabalho ao ponto de facilmente se encontrar clientes que não se incomodam de ficarem horas de boca aberta, saliva escorrendo esôfago abaixo, causando coceira e cansaço na mandíbula. E essas pessoas não se incomodam em razão do ótimo profissional que as atende. Ficam lá pacientemente ouvindo as histórias contadas por esse Palmeirense de quatro costados, amigo de todos e incapaz de agravar quem quer que seja. Eu, que já o acompanho há muitos e muitos anos, nunca o vi sair do seu jeito calmo para encarar as situações mais vexatórias. Está sempre ali, tranquilo, procurando encontrar vantagens no que parece ser somente desacerto. E, no final de tudo, como o trabalho sai bem feito, e o preço uma verdadeira pechincha, ponto para o cliente!

            Esse calmo senhor, foi um menino meio magricela, cabelos arrepiados, e de um branco que só pode ser comparado a uma raiz de mandioca descascada. E quando viajava, já ficávamos de sobreaviso, pois por certo aprontaria alguma coisa.

Em uma das vezes que viajava de Presidente Dutra para Piracuruca, onde nossos pais residiam naquele momento, após sofrer muito no péssimo trecho até Teresina, concluiu que suas agruras haviam terminado ao chegar à capital, Teresina. Era o que se podia depreender em razão da melhoria da estrada dali para frente. Embarcou na Praça Saraiva em um ônibus novinho da Marimbá, e foi logo procurando uma janela para se acomodar perto. Mas, daí a poucos instantes, embarcou também, quando o veículo já estava de partida, um rapaz cabeludo e com barba bastante longa, que veio justo reclamar que a poltrona onde o menino estava lhe pertencia. Falou isso na maior grosseria, acenado o bilhete da passagem. A contragosto, o menino viajante saiu de onde estava, e verificou chateado que todas as demais poltronas já estavam ocupadas, inclusive a cadeira que lhe fora destinada. Nesta, logo viu que se sentava no seu o lugar era uma senhora bastante idosa. Resolveu deixar tudo como estava.

            Para piorar as coisas, o sujeito que havia reclamado o lugar, continuava resmungando, falando alto contra as pessoas que ocupavam o lugar dos outros somente para esquentar o assento.

            Vendo que o garoto havia ficado sem lugar para se sentar, meu pai, que o acompanhava na viagem, pediu para ele acomodar-se em sua perna, próximo à janela, pois sabia que logo ele precisaria fazer uso dela. Jonas sentou-se, e a viagem continuou. O ônibus tomou a estrada no rumo norte e tudo parecia ter se aquietado.

            Atrás de onde eles se encontravam, o rapaz barbudo abriu a janela de vidro e começou a falar grosserias contra as pessoas que se encontravam nas calçadas. E quando o pedestre era do sexo feminino, assobiava, mandava beijinhos, na maior algazarra. Alguns passageiros já começavam a reclamar do estúpido sujeito, mas, ele não dava a menor atenção às reclamações. E a viagem transcorria assim. Ônibus novo, motorista pé-de-chumbo, ia o veículo comendo estrada, dando a entender que chegariam cedo ao destino final.

            Em certa altura da viagem, Jonas cochichou para o meu pai que estava ficando enjoado. E ele, mais que depressa o ajudou a abrir a janela. O garoto lamentou o fato de ter almoçado aquele prato de arroz com feijão, macarrão e carne, quando o motorista, momentos antes havia parado em um restaurante de beira de estrada. Mas, o ar fresco, fez com que ele melhorasse um pouco do enjôo, criando a falsa ilusão de que tudo se ajeitaria. Que nada! Logo uma náusea bem mais forte o acometeu, e ele assomou a cabeça para fora do ônibus a tempo apenas de despejar o produto do almoço para fora.

Atrás dele, também com a cabeça para fora do veículo, estava o inconsequente cabeludo, fazendo uso mais uma vez de suas brincadeiras sem graça. Quando viu o que viria sobre ele ainda tentou se recolher, mas já era tarde demais: recebeu o produto do vômito diretamente na cara. A barba, antes negra, estava ruiva agora, meio enferrujada, engordurada, com macarrão espalhado até mesmo pela cabeça. 

            Descontrolado, parecendo um touro furioso, o sujeito saiu de sua poltrona e veio atrás do garoto para agredi-lo. Meu pai, prevendo o desfecho, e já chateado com o inoportuno companheiro de viagem, levantou-se também e despejou sobre ele algumas palavras intimidatórias. Vendo que seu oponente era um homem alto e musculoso, o pobre infeliz tratou de retroceder até sua cadeira e passou o restante da viagem ouvindo brincadeiras dos outros passageiros, satisfeitos por ver que ele agora estava calado e humilhado.

            De outra feita, Dr. Jonas, ai por volta dos 11 anos, juntamente com o irmão Jônatas, pegaram carona em uma camioneta que levaria de volta Jean Carvalho e seus irmãos, que retornavam das férias, para Teresina. Na caçamba do carro conduziam também um chiqueiro, feito de talos de babaçu, com vários frangos aprisionados. Estavam sendo levados para consumo próprio. Jonas, preocupado com a sua situação de viajante sempre mareado, resolveu sentar-se na ponta oposta do chiqueiro enquanto o carro saia rodando pela estrada. Não andaram muito e o enjôo foi se achegando, a  principio de maneira suportável, depois mais forte, até que ele começou a vomitar fora da caçamba. Mas, logo, as forças começaram a diminuir e ele passou a soltar suas golfadas sobre o chiqueiro mesmo. Os frangos começaram a gostar daquilo e logo já estavam esticando os pescoços, elevando as cabeças para fora da grande gaiola, indo buscar o produto quase dentro da boca do pobre garoto que teve que ser socorrido pelos companheiros de viagem de modo a não perder a língua e tudo o mais que possuía na boca.

            Abatido e quase sem forças, finalmente chegaram a Timon, onde passariam a noite na casa dos colegas. No dia seguinte, logo cedo, tomaram um ônibus urbano para a Praça Saraiva. Jônatas, um pouco mais velho, conduzia as sacolas mais pesadas, ficando as nem-tão-mais–leves-assim para o irmão menor. Carregavam com eles bolos de todos os tipos, doce de leite e queijo, o que aumentava o peso da bagagem.

Com as duas mãos ocupadas, Jonas, que não era muito acostumado a andar naquele tipo de condução urbana, acercou-se da roleta para pagar a passagem, quando motorista arrancou de uma vez. Só não caiu para trás porque se apoiou no irmão que vinha um pouco atrás. Mas, antes mesmo que pudesse se recompor, o motorista afundou o pé no freio com bastante força. Viu alguém gesticulando na parada seguinte de onde se aproximavam. O pobre Jonas foi arremessado para a frente com suas duas  sacolas e passou como um raio pela roleta fazendo a danada rolar diversas vezes para desespero do cobrador. Com as mãos ocupadas, o menino saiu tentando se equilibrar no corredor àquele momento sem passageiros, até espatifar-se na tampa do motor que ficava ao lado do motorista. Por sorte não foi arremessado para fora do ônibus.

Foi um desespero, junta sacola daqui, senta ali, com os demais passageiros demonstrando grande camaradagem com ele. Até estavam com vontade de rir da situação, mas, o aspecto apavorado do jovem os fazia ficar quietos.

            Hoje, Dr. Jonas transita tranquilamente com a família por essas estradas da vida, sem o incômodo e a vergonha que sentia quando era criança. É certo que faz isso no seu próprio carro, pois, não sei se dentro de um desses ônibus enormes de hoje, o homem não tivesse ímpetos de brotar para fora o que comeu momentos antes. Sorte dos passageiros também. Especialmente daqueles que gostam de viajar com a janela do seu lado aberta.
           
           

2 comentários:

  1. QUE LEGAL OUVIR ESTAS HISTÓRIAS,POIS FAZEM PARTE DA MINHA INFÂNCIA.FUI MUITO AO SÍTIO DE SEU ZECA BARROS, QUE CHAMAVA DE BANANAL POIS HAVIA MUITAS ESPÉCIE DE BANANA. E A NOEME ERA A VENDEDORA NÃO SEI SE VC LEMBRA DESSE EPISÓDIO. BOA NOITE!

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    1. Por um defeito no nosso blog, estou com dificuldades para identificar os comentários. Por essa razão, somente agora estou tendo a oportunidade de responder a seu comentário. Realmente o sítio era também chamado de Bananal, por razões óbvias, pois lá, além das coisas que falei, existia um rico bananal que eu, inclusive, ajudei o meu tio Zeca a carregar as mudas, transportadas em carro de boi, muitas vezes atravessando a Preguiça com os bois a nado. (Não consegui te identificar. Esqueceste de registrar o seu nome, amigo(a).

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