José Pedro Araújo
O papel de
liso é desempenhado pela imensa maioria dos estudantes universitários, e com muita
galhardia, sem reclamação. Raramente algum deles chega até ao final do mês com
alguma cédula na carteira pobre. Talvez venha dai a extravagância demonstrada
pela maioria deles com os primeiros dinheiros que lhes caem nas mãos de novo
empregado. Invariavelmente, a maioria parte logo para comprar o seu primeiro
carro e, como consequência, endivida-se por anos seguidos. Mas é das pequenas
extravagâncias e gestos de desapego ao dinheiro que desejo falar.
Comigo também
não foi diferente. Em Pedreiras, ótima cidade maranhense situada às margens do
rio Mearim, recebi meu primeiro salário de agrônomo recém-formado. Mas, antes
mesmo disso, logo no primeiro dia de trabalho, alguns colegas de serviço me
conduziram a um barzinho tão logo o expediente terminou. Alegremente, em meio a
grande algazarra, deram-me a notícia logo que chegamos: hoje você paga a conta
de todos, como é praxe. Ou no jargão empregado por eles: “você hoje é o Pagão”.
Surpreendi-me com a decisão já tomada, pois não tinha quase dinheiro na
carteira, fato alegado logo a seguir, tentativa inútil de me safar da conta
que, a julgar pela animação dos beberrões, ia ser salgada.
Eles, em tom
de grande contentamento: “não tem problema! O Josué pendura a conta pra você no
prego mais alto que tiver. Assim tem acontecido com todos nós!”.
Josué era o
dono do estabelecimento. E como o nome dele foi citado, acercou-se de mim e com
um gesto amigável confirmou o que os colegas haviam dito. Era praxe, disse,
para meu desgosto. Fiquei sem argumento e logo a primeira cerveja foi despeja
nos copos dos meus novíssimos amigos. E foi assim que parte do meu primeiro
salário foi investido. Um investimento líquido e incerto.
Há uma máxima
apregoada pelos donos de botecos nesse imenso Brasil que afirma que não se deve
vender bebida fiado. Isso porque, invariavelmente, o bebedor não se lembra no
dia seguinte de pagá-la. Com o Josué era diferente. A amizade que ele
demonstrava para com seus clientes, depois transformados em amigos, o fazia
recebedor de todas as suas contas lançadas na rubrica contas “a receber”. E comigo não foi diferente. A
primeira conta eu paguei logo ao receber o meu primeiro ordenado foi justamente
para o Josué.
“O Josué” era
um bar e mercearia muito simpático, com algumas sinucas instaladas no salão, situação
que atraia grande freguesia, especialmente nos finais de semana. Mal terminado
o expediente de sexta-feira, todos nos dirigíamos para lá, antes mesmo de
passar em casa para tomar banho e trocar de roupas. Esse hábito, hoje chamado “happy
hour”, era a principal diversão da cidade.
Meses depois,
transferido para o INCRA em Araguatins, cidadezinha encravada no norte de
Goiás, hoje Tocantins, encontrei gente bem mais animada em gastar o salário.
Localizada às margens do Araguaia, a cidadezinha era ainda menor e mais
desprovida de atrativos, o que obrigava a moçada a cair na farra. Mas, a
história que quero contar é outra, ou são outras, melhor dizendo. Como na
cidade não existia agência bancária, todos eram obrigados a se deslocar até a
cidade de Tocantinópolis, distante cerca de 100 km, para ir buscar o salário. E
como o Incra pagava, naquela época, razoavelmente bem, diferente de hoje em
dia, o pessoal voltava com um considerável maço de dinheiro para guardar em
casa mesmo.
Na primeira
vez que isso aconteceu, dois amigos agrônomos retornaram eufóricos ao trazerem
consigo alguns maços de dinheiro em espécie, amarrados pelas costumeiras ligas
de borracha usadas pelos bancos. E em vez de irem diretamente para casa para
guardá-lo, foram direto para a repartição para praticar temível e
desaconselhável ato de ostentação com o primeiro ordenado recebido.
O prédio da
instituição, situado à margem do Araguaia, possuía um corredor reto e longo, e de
um lado e outro, muitas salas, formando uma grande fileira de portas. Qual não
foi a surpresa dos funcionários quando viram um dos colegas entrar pelo longo
corredor arrastando um maço de cédulas amarrado a um barbante também comprido.
O montinho de dinheiro vinha amarrado em uma ponta do cordão, enquanto a outra
ponta estava presa a um passador da calça dele. Foi assim que ele entrou prédio
adentro arrastando o dinheiro pelo chão do corredor. O pacote vinha pulando
atrás dele, saltitando loucamente, enquanto ele repetia:
- É besta!
Andei muito atrás de você, mas agora é você quem anda atrás de mim!
Nunca tinha
visto cena mais insólita. Própria dos extravagantes.
No outro dia,
final de semana começando, estávamos todos no rio tomando banho e esvaziando
algumas latinhas de cerveja. E de repente, o outro colega saiu da água todo
molhado para fazer a sua demonstração de extravagância com o dinheiro recebido,
e foi até o lugar onde havia deixado suas roupas. Lá apanhou algumas cédulas e
voltou novamente para a água. Molhou o dinheiro e pregou todo ele pelo corpo.
As cédulas ficaram grudadas como se tivessem recebido alguma cola, enquanto ele
mergulhava nas limpas e brilhantes águas do rio. Num instante o dinheiro voltou
à superfície e ficou boiando, para alegria da meninada que recebeu ordem de
ficar com ele quem o pegasse. O novo rico afirmou que sempre tivera vontade de
mergulhar em dinheiro, igualmente faz o Tio Patinhas.
Pouco tempo depois
meus colegas viram que o dinheiro nem era tanto assim. Todos tínhamos que fazer
ginástica para fazê-lo chegar até o fim do mês. É claro que muita gente também prefere
guardar o primeiro ordenado como um amuleto, para dar sorte, sem gastar nem um
pouquinho. Esses, ao que parece, procedem melhor. Mas também não fazem
história. Não me recordo do nome de nenhum.
Nenhum comentário:
Postar um comentário