quinta-feira, 31 de março de 2016

Extravagâncias de Um Novo Empregado



José Pedro Araújo

O papel de liso é desempenhado pela imensa maioria dos estudantes universitários, e com muita galhardia, sem reclamação. Raramente algum deles chega até ao final do mês com alguma cédula na carteira pobre. Talvez venha dai a extravagância demonstrada pela maioria deles com os primeiros dinheiros que lhes caem nas mãos de novo empregado. Invariavelmente, a maioria parte logo para comprar o seu primeiro carro e, como consequência, endivida-se por anos seguidos. Mas é das pequenas extravagâncias e gestos de desapego ao dinheiro que desejo falar.

Comigo também não foi diferente. Em Pedreiras, ótima cidade maranhense situada às margens do rio Mearim, recebi meu primeiro salário de agrônomo recém-formado. Mas, antes mesmo disso, logo no primeiro dia de trabalho, alguns colegas de serviço me conduziram a um barzinho tão logo o expediente terminou. Alegremente, em meio a grande algazarra, deram-me a notícia logo que chegamos: hoje você paga a conta de todos, como é praxe. Ou no jargão empregado por eles: “você hoje é o Pagão”. Surpreendi-me com a decisão já tomada, pois não tinha quase dinheiro na carteira, fato alegado logo a seguir, tentativa inútil de me safar da conta que, a julgar pela animação dos beberrões, ia ser salgada.

Eles, em tom de grande contentamento: “não tem problema! O Josué pendura a conta pra você no prego mais alto que tiver. Assim tem acontecido com todos nós!”.

Josué era o dono do estabelecimento. E como o nome dele foi citado, acercou-se de mim e com um gesto amigável confirmou o que os colegas haviam dito. Era praxe, disse, para meu desgosto. Fiquei sem argumento e logo a primeira cerveja foi despeja nos copos dos meus novíssimos amigos. E foi assim que parte do meu primeiro salário foi investido. Um investimento líquido e incerto.

Há uma máxima apregoada pelos donos de botecos nesse imenso Brasil que afirma que não se deve vender bebida fiado. Isso porque, invariavelmente, o bebedor não se lembra no dia seguinte de pagá-la. Com o Josué era diferente. A amizade que ele demonstrava para com seus clientes, depois transformados em amigos, o fazia recebedor de todas as suas contas lançadas na rubrica contas  “a receber”. E comigo não foi diferente. A primeira conta eu paguei logo ao receber o meu primeiro ordenado foi justamente para o Josué.

“O Josué” era um bar e mercearia muito simpático, com algumas sinucas instaladas no salão, situação que atraia grande freguesia, especialmente nos finais de semana. Mal terminado o expediente de sexta-feira, todos nos dirigíamos para lá, antes mesmo de passar em casa para tomar banho e trocar de roupas. Esse hábito, hoje chamado “happy hour”, era a principal diversão da cidade.

Meses depois, transferido para o INCRA em Araguatins, cidadezinha encravada no norte de Goiás, hoje Tocantins, encontrei gente bem mais animada em gastar o salário. Localizada às margens do Araguaia, a cidadezinha era ainda menor e mais desprovida de atrativos, o que obrigava a moçada a cair na farra. Mas, a história que quero contar é outra, ou são outras, melhor dizendo. Como na cidade não existia agência bancária, todos eram obrigados a se deslocar até a cidade de Tocantinópolis, distante cerca de 100 km, para ir buscar o salário. E como o Incra pagava, naquela época, razoavelmente bem, diferente de hoje em dia, o pessoal voltava com um considerável maço de dinheiro para guardar em casa mesmo.

Na primeira vez que isso aconteceu, dois amigos agrônomos retornaram eufóricos ao trazerem consigo alguns maços de dinheiro em espécie, amarrados pelas costumeiras ligas de borracha usadas pelos bancos. E em vez de irem diretamente para casa para guardá-lo, foram direto para a repartição para praticar temível e desaconselhável ato de ostentação com o primeiro ordenado recebido.

O prédio da instituição, situado à margem do Araguaia, possuía um corredor reto e longo, e de um lado e outro, muitas salas, formando uma grande fileira de portas. Qual não foi a surpresa dos funcionários quando viram um dos colegas entrar pelo longo corredor arrastando um maço de cédulas amarrado a um barbante também comprido. O montinho de dinheiro vinha amarrado em uma ponta do cordão, enquanto a outra ponta estava presa a um passador da calça dele. Foi assim que ele entrou prédio adentro arrastando o dinheiro pelo chão do corredor. O pacote vinha pulando atrás dele, saltitando loucamente, enquanto ele repetia:

- É besta! Andei muito atrás de você, mas agora é você quem anda atrás de mim!

Nunca tinha visto cena mais insólita. Própria dos extravagantes.

No outro dia, final de semana começando, estávamos todos no rio tomando banho e esvaziando algumas latinhas de cerveja. E de repente, o outro colega saiu da água todo molhado para fazer a sua demonstração de extravagância com o dinheiro recebido, e foi até o lugar onde havia deixado suas roupas. Lá apanhou algumas cédulas e voltou novamente para a água. Molhou o dinheiro e pregou todo ele pelo corpo. As cédulas ficaram grudadas como se tivessem recebido alguma cola, enquanto ele mergulhava nas limpas e brilhantes águas do rio. Num instante o dinheiro voltou à superfície e ficou boiando, para alegria da meninada que recebeu ordem de ficar com ele quem o pegasse. O novo rico afirmou que sempre tivera vontade de mergulhar em dinheiro, igualmente faz o Tio Patinhas.

Pouco tempo depois meus colegas viram que o dinheiro nem era tanto assim. Todos tínhamos que fazer ginástica para fazê-lo chegar até o fim do mês. É claro que muita gente também prefere guardar o primeiro ordenado como um amuleto, para dar sorte, sem gastar nem um pouquinho. Esses, ao que parece, procedem melhor. Mas também não fazem história. Não me recordo do nome de nenhum.

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