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José Pedro
Araújo
Já falei, em alguma
das minhas crônicas anteriores, que sou louco por pipa, ou papagaio, no dizer dos
maranhenses da região central deste imenso e belo estado. Tão louco, que até
bem pouco tempo, já homem barbado, sonhava empinando um Suru de cores brilhantes sob o céu azul de maio. Mas a minha
loucura foi mais além: tentei passar para os meus filhos o gosto pela arte pipeira, porém, o sucesso foi apenas
parcial. Apenas o filho do meio ainda se anima com os papagaios e, quando o
inverno se vai e chegam os ventos, compra um ou outro em uma esquina qualquer
da cidade, onde alguns abnegados tentam ganhar alguns trocados comercializando
este instigante produto lúdico.
A propósito disto,
num sábado desses, estava eu curtindo minha preguiça, estirado em uma rede na
sala de estar de minha casa, quando meu filho chegou com um papagaio novinho em
folha e me convidou para empiná-lo. Saltei da rede de pronto, espantei a
preguiça para longe, e o acompanhei até a esquina mais próxima. É claro que
empinar papagaio não é mais a mesma coisa. Os fios elétricos estão por toda
parte atrapalhando o voo livre dos artefatos voadores, para desgosto da
criançada. Mas, o primeiro problema foi decidir com meu filho quem iria empinar
a pandorga e quem deveria segurar o bicho no alto para facilitar a decolagem.
Problema resolvido,
coube-me a tarefa menos nobre de ser o co-piloto, ou seja, o coadjuvante na
empreitada de fazer o bicho subir aos ares. Estava iniciada a brincadeira. Um pouco destreinado,
meu filho demorou um pouco a livrar a pipa dos fios e da copa das árvores.
Parece ser assim como andar de bicicleta. Perde-se a habilidade, mas não o
jeito. E assim, o nosso brinquedo subiu aos ares, não sem antes resolvermos um
pequeno problema de equilíbrio, já que o bicho teimava em querer rodar. Já viu
se tivéssemos que colocar um rabo nele! Seria desmoralizante para alguém que se
arvora de ser um grande expert no
assunto.
Passado algum tempo,
aproveitando a sombra de uma árvore, imaginei que a brincadeira poderia se
tornar mais agradável: corri até a minha casa e apanhei na geladeira uma
cerveja véu-de-noiva, coloquei-a em um isopor e voltei para debaixo da árvore.
Dava umas lanciadas no papagaio e, após instantes de pura veneração, voltava
para tomar outro gole da minha gelada. Descobri a pólvora: a combinação empinar
papagaio/tomar uma cervejinha estupidamente gelada, em um dia de folga, é uma
das coisas mais relaxantes que eu conheço. Pura delícia.
Mas, justificando o
título acima, volto a afirmar que fui um dos maiores caçadores de pipa no
Curador. Quem já brincou de empinar papagaio sabe que existe uma regra imutável
na função: “Artigo Único: se a linha do teu papagaio se romper, ou mesmo, se
alguém a cortar, quem conseguir apanhá-lo será o seu novo dono”.
Pelo que parece,
funciona assim em todo o mundo. Quem já leu o best seller O Caçador de Pipas, sabe do que eu estou falando. Um dos pontos
altos da trama desenvolvida pelo autor é sobre a habilidade do menino Hassan em
caçar as pipas que tinham suas linhas cortadas. Da mesma forma, quando criança,
consegui me apropriar de muitas pipas que caiam na região da lagoa do Curador.
Como os ventos sempre sopram de sul para norte, ou seja, da praça da igreja
para a praça da bomba, os papagaios empinados no largo do mercado e região,
sempre eram levados pelo vento e caíam nas imediações da lagoa, quando tinham
suas linhas quebradas. E eu, sabedor disto, ficava a olhar para o céu
procurando alguma pipa perdida. Depois, era correr para o local onde sabia que
elas sempre caíam e, depois de muito custo, pois elas sempre se embaraçavam nas
árvores, apanhá-las e sair mostrando o troféu.
Na verdade, meu
interesse maior era pela linha que ela carregava, cujo preço era muito alto
para os meus padrões. Tanto fazia ser linha zero ou linha oito, a torcida era para
ter o maior tamanho possível. Bons tempos aqueles, quando o céu ficava coalhado
de papagaios coloridos e seus besouros roncadores. São lembranças como esta que
me levam ao meu tempo de criança, época em que as responsabilidades se
restringiam a estar em casa na hora das refeições e tomar banho nos finais de
tarde.
Deitar nas calçadas,
com o olhar fixo no céu azul, vendo lá no alto uma pipa brincalhona fazendo
travessuras, era um programa que me deixava muito feliz.
As crianças de hoje
quase não brincam mais com elas. Elas passam as horas de recreio deitadas em
algum sofá, sem exercitar os músculos. E por esta razão, mostram-se, a maioria,
obesas e entediadas. Se me propusesse, algum dia, dirigir os destinos de uma
cidade, por menor que ela fosse, criaria a praça dos papagaios, um espaço bem
amplo onde a criançada pudesse por em prática suas habilidades aeronáuticas.
Naquele espaço, seriam proibidas as concentrações políticas ou religiosas. Não
se permitira também a montagem de barracas ou quiosques para comercializar
outro produto, que não o material para a confecção de papagaios ou gostosos
lanches, a ser devorado nos intervalos entre o empinar de um Suru e outro.
A propósito do título
acima, um dos meus irmãos, tão aficionado como eu pelos papagaios, me lembrou que o menino Hassan da história de Khaled Housseni, sofreu violência nas mãos
de uns meninos maus quando apanhava um papagaio perdido. Esta, aliás, foi uma
das passagens mais tristes da bela história. Menos mau que por aqui não existia
gente de tão má índole. Tirando alguns arranhões e/ou ferroadas de insetos,
nada de mal nos acontecia.
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