Juiz e educador José de Ribamar Fiquene |
José Pedro Araújo
Estávamos no início do governo militar que
governaria o país pelos 23 anos seguintes, quando chegou à cidade um jovem juiz
de direito para assumir os destinos da comarca. Seu nome, José de Ribamar
Fiquene. Cidadão tranquilo, amante das letras e das artes, logo nos brindou com
duas das coisas mais importantes com que se pode presentear um cidadão: o
acesso à justiça, e a uma educação de qualidade. Acesso à justiça feita através
do emprego efetivo da lei, e acesso à educação disponibilizando o curso ginasial
à população, além do curso normal e o de contabilidade. Fiquene, bom samaritano
cultural, criara o hábito de fundar escolas por onde passava, propiciando o
acesso à educação aos estudantes que não possuíam recursos suficientes para se
deslocar para outras cidades mais desenvolvidas para dar continuidade aos
estudos. O seu legado foi se estendo por onde passou até culminar com a
fundação de uma universidade na cidade de Imperatriz. Por tudo que fez, a
providência divina o presenteou com o cargo de governador de todos os
maranhenses, cunhando seu nome definitivamente na história do Maranhão.
Hoje é possível avaliar
que a qualidade do ensino do colégio por ele fundado não ficava a dever a
nenhum outro, pois possuía um corpo docente que, favorecido por um conjunto de
fatores favoráveis, fez com que se juntasse naquela época e em um mesmo local,
profissionais da qualidade do professor universitário Hubert Lima de Macedo(história),
do engenheiro Onildo Fortes(matemática),
e do próprio Dr. Fiquene(português), além de muitos outros que por lá passaram.
Vivíamos um tempo de
revolução nos costumes através da música e das artes. Enquanto nos Estados
Unidos da América e na Europa alguns cabeludos se insurgiam à velha ordem
estabelecida através do movimento hippie, aqui nossos jovens criavam um novo
ritmo musical, a bossa nova, que assombrava o mundo com o seu incrível teor
melódico e suas letras simples, mas rebuscadas.
Ao mesmo tempo, enquanto lá fora os Beatles levava o temor a muitos com
suas músicas de protesto contra o preconceito e a tirania, aqui o regime
militar fechava mais ainda o sistema, e músicos como Chico Buarque, Caetano
Veloso, Torquato Neto, Gilberto Gil, entre tantos outros, se rebelaram e gritaram
em alto e bom que “é proibido proibir”. Tal demonstração de coragem custou o
exílio para alguns.
Talvez estimulados
pelos ventos de liberdade que vinham do exterior, quase nunca noticiado pela
imprensa brasileira ajoelhada perante o regime estabelecido, um grupo de
estudantes, ao acabar a aula, se organizava em marcha e descia a rua Grande
cantando palavras de ordem, como se estivessem em um desfile militar. Era uma
brincadeira simples, sem intenção de se contrapor ao regime instalado. Mas o
fato é que desagradou a certas pessoas com poder de mando. Naquele tempo as
luzes da cidade se acendiam às 6:00 da tarde e
apagavam-se às 10:00 da noite. As tais marchas aconteciam exatamente após esse
horário, passando talvez uma ideia de insubordinação. O certo é que algumas
pessoas da comunidade foram até ao juiz, e também diretor do colégio, onde se
originavam as passeatas, reclamar da situação.
Chamados
por sua excelência para justificar tais atos, os líderes da brincadeira,
responderam que não estavam provocando nenhuma desordem, e, apesar da
insistência do diretor para que parassem com as passeatas, continuaram a
fazê-las. Alguns dias depois, foram advertidos pelo diretor do colégio de que
estavam suspensos em razão da insubordinação. Apesar do respeito e da admiração
que o Dr. Fiquene gozava no seio da classe estudantil, houve uma revolta
generalizada pelo que consideravam uma punição injusta e, portanto,
desnecessária, contra aqueles jovens que só queriam se divertir, saindo da
mesmice que atingia os jovens de uma pequena cidade do interior. E a coisa
pararia por ali, se alguns indivíduos mal intencionados não tivessem se aproveitado
do ensejo para lançar sobre o juiz todo o ódio que possuíam em razão de alguma
decisão que não os beneficiava. E foi assim que no dia seguinte, em pontos
estratégicos da cidade, como o mercado público, o banco do Estado e a agência
dos correios, foram apregoados panfletos apócrifos com calúnias virulentas
contra o juiz e a sua família. Pessoas sem nenhum escrúpulo haviam se
aproveitando do acontecido com os estudantes para espalhar a sua bílis em forma
de mentiras sobre uma família que só havia trazido o bem para a nossa comunidade.
Mostrando-se
um ser normal, como os demais viventes, o nosso magistrado aceitou a provocação,
engoliu a isca lançada. E a sua reação não se fez esperar. Achando que aqueles
panfletos caluniosos haviam partido dos estudantes punidos por ele no dia anterior, como apontava a lógica, determinou que uma guarnição militar se
deslocasse à casa de cada um daqueles rapazes com ordem para aprisioná-los, sob
a acusação de terem atingido a honra da principal autoridade judicial do
município. Ordem dada, ordem cumprida. Os jovens estudantes, alheios a tudo o
que estava acontecendo, foram surpreendido ainda em casa enquanto dormiam.
Foi
o que bastou para deflagrar uma onda de crescente descontentamento no seio da
estudantada, e eles ocuparam a praça da matriz, e em frente a casa onde o juiz
morava iniciaram um ato pacífico de protesto que entrou noite adentro. Estava
quebrado o elo de confiança que unia o jovem juiz e educador e a classe
estudantil da cidade de Presidente Dutra.
Depois
de muitos discursos, uma comitiva formada por estudantes e políticos da cidade
foi recebida pelo magistrado em sua casa, e lá, depois de muitas ponderações,
convenceram o magistrado que as calunias assacadas contra ele e a sua família
não haviam partido dos estudantes e sim de terceiros interessados em se aproveitar
da situação para praticar um ato de vingança, por algum interesse contrariado. Analisando
melhor a situação, Dr. Fiquene deu-se por satisfeito, e o ato público que se
iniciara como protesto, terminou com em
ato de repúdio contra aquele ou aqueles que atingiram tão covardemente a honra
daquele eminente educador que tantos benefícios trouxe à comunidade
presidutrense.
Os
jovens foram postos em liberdade imediatamente. Mas o clima fraterno
estabelecido entre o magistrado e a comunidade estava irremediavelmente
comprometido. Pouco tempo depois o magistrado foi transferido para outra
cidade. Mas deixou funcionando um dos melhores colégios em que estudei e que me
deu possibilidades de sair para a capital e disputar alguns anos depois uma
vaga para a universidade em pé de igualdade com os outros estudantes. Muitos
jovens que passaram pelos bancos daquele colégio, são hoje profissionais
respeitados e levaram seus conhecimentos e saberes para várias partes deste
imenso país.
Nascido
em Itapecuru-Mirim, além de governador do estado, Fiquene foi prefeito de
Imperatriz, senador, reitor da Uema, Membro da Academia Imperatrizense de Letras,
e fundador da faculdade Athenas Maranhense(Fama). O nosso juiz bonachão também
foi o autor da letra e música do hino da cidade de Imperatriz. Por tudo o que
fez, é topônimo de um município maranhense, além de muitas e justas outras
homenagens recebidas.
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