Imagem aérea de Presidente Dutra (autor: Carlos Magno) |
José Pedro Araújo
Saí da minha cidade aos 15 anos
incompletos para buscar a continuação dos meus estudos em outra cidade. Alguma
coisa me dizia que eu jamais voltaria a morar nela, que apenas passaria pequenos
períodos de férias lá. Isto se concretizou. A vida (algumas pessoas podem dizer
que foi o destino), me empurrou para outras terras em busca de trabalho. Muitos
dos meus colegas voltaram e conseguiram construir uma existência vitoriosa na
terrinha. Portanto, uma possível alegação de que a cidade não é boa receptora
para os filhos que partem, não tem sustentação. Além disto, os dias que passei
a frequentar o meu velho Curador não tem sido suficiente para matar a saudade
que eu sinto dele. Costumo dizer que diariamente me vem à memória as boas
lembranças da minha da minha infância e adolescência lá, já externei muitas
vezes isto aqui neste espaço.
Explico
agora o porquê de ter começado este texto dessa forma. Recentemente alguns
amigos me enviaram um vídeo em que uma moça, quase menina ainda, fala coisas
terríveis sobre Presidente Dutra e sua gente. Consultei um amigo e ele me disse
que a moça não reside mais na cidade, e que era originada de um conhecido povoado
do município. A partir de então passei a me perguntar que terrível mal pode ter
feito àquela pessoa a terra em que ela abriu os olhos pela primeira vez para
contemplar a luz? O questionamento faz sentido porque o natural é as pessoas
externarem a sua saudade da infância e dos dias primeiros da sua vida. Mas
quando uma jovem, ainda no começo da sua vida fala com tanta grosseria e
desamor da sua terra natal e de sua gente, algum grande mal deve ter se abatido
sobre ela, algo danoso mesmo, deve ter-lhe acontecido durante a sua infância e
juventude a ponto de fazer se alojar no seu coração tanto desapego pelo seu
passado ainda tão recente.
Comum
mesmo é vermos as pessoas tecendo loas sobre a sua terra-mãe, lugarejo em que
outras pessoas nada veem de tão belo assim. Que seria de alguns autores
consagrados do espectro literário brasileiro, que basearam parte da sua obra em
sua terra natal. Somente para citar os maranhenses, temos o maior dos nossos poetas,
Gonçalves Dias na sua tão conhecida Canção do Exílio: “Minha Terra tem
palmeiras, onde canta o Sabiá, as aves, que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas, nossas aves tem mais flores, nossos bosques têm
mais vida, nossa vida mais amores”. Falava o poeta da sua cidade de Caxias,
àquela época tão pequena e desimportante. Josué Montello ambientou a maior
parte dos seus romances na sua inesquecível São Luís: “Porque, para mim, as
velhas ruas de São Luís, tão belas, tão harmoniosas, são todas de alvorada,
sempre que as vejo ou as recordo. Aprendi a amá-las, desde menino, inundadas de
luz matinal, com o sol a se refletir nas suas fachadas de azulejos, e é assim
que sempre as recomponho, nas minhas evocações nostálgicas, quando me deixo ir
por elas, olhando o mapa de São Luís sob o vidro de minha mesa”.
De
minha parte de pequenino e desconhecido escriba, as lembranças que me chegam
sempre dizem respeito à cidade quando suas ruas não possuíam calçamento ou luz
elétrica. E sem a luz artificial era muito fácil admirar a beleza do firmamento.
Sem o barulho dos automóveis, ficava fácil enlear-me com o canto dos galos nas
madrugadas. Participar dos encontros com os amigos para ouvirmos as histórias
de Trancoso, algumas tão tenebrosas que voltávamos para casa com o coração nas
mãos de tanto medo.
Esse raciocínio seria normal em
tempos outros, não neste momento em que as pessoas fazem de tudo para aparecer,
nem que seja por alguns poucos segundos, nas redes sociais, disse-me uma pessoa
amiga quando lhe falei sobre isso hoje cedo.
E para justificar o que me dizia me mostrou um vídeo de uma moça gaúcha
que “viralizou” (nome terrível que se usa largamente hoje em dia), no qual a
dita senhorita arrasa com a sua terra natal, além de outro em que espezinha
muitas profissões nobres. Esse vídeo, disse-me, foi visto por uma multidão e
transformou aquela moça em uma subcelebridade. Faz sentido. Muitos querem sair
do anonimato do pior jeito possível.
O velho Curador foi fundado por
um grupo de pessoas que precisaram se revestir de muita coragem para erguer uma
comunidade no mais profundo sertão maranhense. Desafiaram a falta de estradas, carência
de recursos financeiros, a insalubridade e a insegurança para suas famílias. Arregaçaram
as mangas e foram à luta. Não foi erigida, a cidade, no entorno de uma fazenda
cujo rico proprietário oferecia o apoio logístico e financeiro. Ou no pátio de
uma igreja, como aconteceu com muitas cidades históricas conhecidas. No
entrecruzamento de caminhos, mais tarde conhecido como Curador, esses destemidos
aventureiros enfrentaram as doenças e os animais selvagens para ali mesmo
construírem um lugar em que pudessem criar os filhos, longe da seca e dos coronéis
violentos e extorquidores. Pobres retirantes escolheram exatamente aqueles
sertões ermos por acharem que ali poderiam fundar uma comunidade hospitaleira e
acolhedora, e lá passaram a erigir o seu futuro. Coisa de gente sem dinheiro,
sem apoio oficial, mas com muita força de vontade, coragem e esperança no
porvir. Tem suas mazelas, suas incongruências, seus desajustes. Mas qual a
cidade que não os tem.
Acredito - muita gente acha o
mesmo que eu - que eles, os nossos pioneiros, conseguiram o seu intento. Aí me
vem uma mocinha e... A cidade não merecia isso. Seu povo não merecia isso. Ainda
mais nesta quadra tão aflitiva que atravessamos.
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