terça-feira, 9 de junho de 2020

A QUARENTENA DOS SANTOS FESTEIROS

Arraial Vazio  

José Pedro Araújo

As festas juninas têm para o nordestino um sabor especialíssimo, em grande medida quando aliou-se ao Forró para trocar a trilha sonora que, de músicas sacras, passou a algo mais mundano, e por isso mesmo mais contagiante. E o que começou “Joanino”, referência a São João, passou a “Junino”, por acontecer no mês de junho. Mudou muito desde lá, “mundanizou-se”, e hoje a bebida alcoólica substituiu também as beberagens caseiras com pouco ou nenhum álcool. A cachaça, a cerveja, além de todos os tipos de bebida com um teor alcoólico mais robusto, agitam o sangue e botam fogo no arraial. Apesar disto, em determinadas localidades a igreja ainda consegue arrecadar fundos com seus leilões a permear o que é estritamente mundano.
Hoje em dia, o mês de junho é o mês das grandes fogueiras, do forró, das quadrilhas e da bebida em larga escala em outras regiões do país também. As grandes marcas de Cerveja patrocinam eventos monumentais em cidades como São Luís, Campina Grande e Caruaru, tirando os eventos dos pátios das igrejas.  Mas este ano será diferente. Os tais santos festeiros também entraram em regime de quarentena, assim como todos nós, simples mortais. As bandas de música se calaram, as fogueiras não foram acesas e as garrafas de bebida não saíram das fábricas e alambiques.
É começar a escrever algo assim, e me vem imagens do velho Curador. Apesar da minha origem protestante, esbaldava-me nesse período a correr rua acima, rua abaixo, encantando-me com as mais belas fogueiras acesas sobre o pó da rua Grande desnuda de calçamento naquela época. E sobre as calçadas, pessoas conhecidas observavam tudo sentados em cadeiras encostadas nas paredes. Era um show encantador observar os estalos, os traques, as estrelinhas, as bombinhas explodindo na noite; as girândolas enroscando-se no ar, e as chuvas chinesas faiscando coloridas e incandescidas, por toda a parte. E quando as fogueiras iam morrendo, vinham as batatas-doces postas para assar sob as brasas ainda vivas. E depois, no rastro das batatas, vinham os moleques que desciam a rua com arames pontiagudos em formato de lanças para roubá-las e depois dá no pé para escapar da fúria dos donos dos apetitosos tubérculos e das fogueiras. Terminava tudo em festa. Ninguém apanhava ou se feria nessas brincadeiras saudáveis, mesmo transitando em meio aos estrondos ao fogo e as carreiradas.
Depois veio o progresso sem graça e a municipalidade cobriu a rua com calçamento e proibiu as fogueiras para impedir que elas danificassem a obra pública, sinal de entrada do Curador no mundo moderno. Mesmo assim, algum transgressor ainda acendia uma ou outra fogueira, burlando a ordem da autoridade municipal. Se fosse aliado da autoridade de plantão, escapava da fúria sagrada da guarda. Até que veio o asfalto. Aí ninguém mais acendeu fogueiras na rua Grande. Não combinava, definitivamente, o progresso com aquele amontoado de troncos fumegantes e em formato piramidal.  Acabou-se a alegria da criançada. Só na periferia da cidade ainda se viam o clarão das fogueiras crepitando nas noites juninas.
Insatisfeito com isso, no arrabalde um cidadão chamado Cobra-Preta introduziu o espetáculo do Bumba-meu-Boi na cidade. Em um local meio isolado, sem calçamento, casas de palha em derredor, instalou o seu arraial como uma novidade trazia da ilha de São Luís. Foi assim que o Bumba-meu-Boi estreou na terrinha.  Um grande acontecimento. Gazeávamos as aulas no ginásio para ir apreciar aquele espetáculo que pela primeira vez era praticado em terras do Curador.
Lá, como já falei outras vezes, praticávamos o São João sob a ótica dos nordestinos piauiense, cearense, paraibano ou pernambucano. O ponto alto eram as quadrilhas e o trio com Sanfona, triângulo e zabumba. O bumba-meu-boi era coisa dos habitantes da Capital distante e ausente. E por isso a novidade do Cobra-Preta foi um sucesso retumbante. O ritmo contagiante das toadas, o passo cadenciado dos brincantes, o colorido das roupas cobertas de lantejoulas, o encantamento do boi a girar no centro do arraial, tudo agradou de pronto e marcou para sempre os terreiros do Curador.
Mas, este ano não será assim. Nem mesmo nos povoados interioranos, nos sítios, nos arrabaldes, enfim, veremos o brilho das fogueiras, as bandeirolas enfeitando o terreiro, não ouviremos o som rasgado do acordeom, a batida da zabumba e o repinicar do triângulo. Ou o batuque dos pandeirões ou o som estridente das orquestras que dão o tom da folia. Termos, no máximo o velho disco de Luiz Gonzaga girando na vitrola caseira ou as imagens de São Joões passados na tela dos celulares.  Até surgiu a novidade das Lives este ano, nada que se compare com o calor das fogueiras acesas, o brilho dos fogos de artifícios e o barulho dos rojões. Mas, enfim, cada tempo tem o seu propósito, e o deste ano é de nos protegermos do famigerado vírus chinês que está a nos acossar, enquanto relembramos os festejos juninos passados.
  

3 comentários:

  1. Dr. Araújo, uma belíssima crônica que fez voltar ao meu tempo de feliz mocidade lá no Morro dos Ventos da Esperança. Nostalgia é meu sentimento nesse período de duras penas. Parabéns.

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  2. Obrigado, meu amigo e parceiro nessa seara de letras e penúrias.

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