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São Luís(MA) - Vista aérea da Av. Beira-mar e do Palácio dos Leões. |
Aluísio Azevedo(*)
Junho chegou, com as suas manhãs muito claras e muito brasileiras.
É o mês mais bonito do Maranhão. Aparecem os primeiros ventos
gerais, doidamente, que nem um bando solto de demônios travessos e brincalhões,
que vão em troça percorrer a cidade, assoviando a quem passa, atirando ao ar o
chapéu dos transeuntes, virando-lhes do avesso os guarda-sóis abertos,
levantando as saias das mulheres e mostrando-lhes brejeiramente as pernas.
Manhãs alegres! O céu varre-se nesse dia como para uma festa, fica
limpo, todo azul, sem uma nuvem; a natureza prepara-se, enfeita-se; as árvores
penteiam-se, os ventos gerais catam-lhes as folhas secas e sacodem-lhes a
frondosa cabeleira verdejante; asseiam-se as estradas, escova-se a grama dos
prados e das campinas, bate-se a água, que fica mais clara e fresca. E o bando
turbulento não pára nunca e, sempre remoinhando, zumbindo, cantando lá vai por
diante, dando piparotes em tudo que encontra, acordando as pequeninas plantas,
rasteiras e preguiçosas, não deixando dormir uma só flor, enxotando dos ninhos
toda a chilradora república das asas. E as borboletas, em cardumes
multicolores, soltam-se por aqui e por ali, doidejando; e nuvens de abelhas
revoam, peralteando, gazeando o trabalho, e as lavadeiras, que vadias! brincam
ao sol, sobre os lagos, dançando ao som de uma orquestra de cigarras.
A gente bem conformada, nessas manhãs, acorda lépida, depois de um
sono bom, completo, bebido de uma vez, como um copo de água fresca. E não
resiste ao convite do bando endemoninhado que lhe salta pela janela e lhe
invade o quarto, atirando ao chão os papéis da mesa, arrancando os quadros da
parede e desfraldando as cortinas, que tremulam no ar em flutuações alegres de
bandeira; não resiste —veste-se rindo, cantarolando, e vai para a rua, para o
campo, mete uma flor na lapela do fraque, agita a bengala, fala muito, ri, tem
vontade de correr e almoça nesse dia com um apetite selvagem.
(*) Texto extraído de “O Mulato”, do maranhense
Aluísio Azevedo.
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