sexta-feira, 19 de junho de 2020

VIOLÊNCIA E INCOMPREENSÃO NAS ELEIÇÕES DO PRIMITIVO CURADOR

A velha Praça da Matriz
 
José Pedro Araújo

Em um período de campanha eleitoral o comportamento das pessoas costuma mudar por completo. Pessoas dadas como tranquilas e amigáveis, transformam-se, nesse período de disputa eleitoral, em belicosas figuras, e o que era para ser um mero exercício de cidadania, costuma acarretar enfrentamentos com consequências imprevisíveis. No Nordeste, essa assertiva é mais acentuada ainda. Quanto menor o município, maior a selvageria.

No Velho Curador, apenas herdamos o que já acontecia no alto sertão maranhense com a vinda de pessoas daquela região conflagrada para se instalarem na nova povoação. Lá para as bandas do Grajaú, as disputas eleitorais colocavam grupos antagônicos em situação de declara guerra. E quem possuía o apoio do governador de plantão em São Luís, tinha ao seu lado a força policial do estado, com poderes absolutos para agir da forma que lhe parecesse mais adequada contra seus adversários. Em seu livro “Parsondas de Carvalho – Um Novo Olhar Sobre o Sertão”, o escritor Sálvio Dino publica na íntegra o livro do jornalista Parsondas de Carvalho, intitulado “A Questão do Grajaú”. E o que o jornalista sertanejo relata é uma guerra de guerrilha em lugar de uma disputa democrática em torno do voto dos eleitores do alto sertão.

Por sua vez, Dunshee de Abranches, no livro “A Esfinge do Grajaú”, relata os horrores da disputa travada entre a Família Léda e a facção comandada por Francisco de Araújo Costa, também conhecido como o Cristo da Chapada, pelos seus aliados. Ou o Judas dos Bem-te-vis, na avaliação de seus adversários. Naqueles sertões tão distantes da capital, valia tudo para se ter o poder de mando. Não era os recursos públicos que eles queriam, mas tão somente o poder de mando. Ter o comando político da região valia mais do que qualquer outra coisa, diferente dos dias de hoje que se quer muito mais que isto. E se naqueles anos as verbas eram pequeníssimas, nos dias de hoje são volumosas, gordas, e acendem no espírito outros sentimentos pouco nobres.

Carlota Carvalho, irmã do jornalista Parsondas, também discorre sobre a violência sem pudores que assolava a região no seu ótimo livro “O Sertão”. Foi aquele velho e carcomido sistema que migrou para a região do Curador com as famílias que de lá vieram, e que aqui se juntaram a outras advindas de estados nordestinos em que o cangaço imperava.

Desde os primórdios, quando a povoação do Curador foi alçada a condição de Município, as disputas pelo poder de mando se acirraram de forma praticamente igual, mas ainda não igual, ao que acontecia no alto sertão. Para se ter uma ideia, basta dizer que em aproximadamente quatro anos em que o novo município foi administrado por interventores nomeados pelos governos estaduais, oito interventores ocuparam a cadeira de chefe da municipalidade. O que dá uma média de um a cada seis meses. Tudo isso por conta das acirradas disputas travadas pelos dois grupos que se formaram com o propósito de comandar o Curador.

Se foi assim na nomeação dos interventores, no primeiro pleito eleitoral a coisa foi mais problemática ainda. Nas eleições para prefeito, e também para composição da primeira câmara de vereadores, os ânimos se exaltaram sobremaneira. E o primeiro prefeito eleito só conseguiu tomar posse no cargo quatro meses após a realização do pleito. O candidato que foi considerado eleito no boletim de apuração, não foi o mesmo que o Tribunal Regional Eleitoral reconheceu como efetivamente escolhido pela maioria dos eleitores.

Problema maior teve o segundo prefeito eleito, dois anos depois. Este foi obrigado a renunciar ao mandato por não suportar as pressões advindas dos derrotados por ele. Enquanto isto, as ações beligerantes passaram das simples ameaças veladas para o uso das armas de fogo empunhadas por capangas de um lado e do outro. Até capangas armados com a farda da polícia havia. E o Curador virou uma praça de guerra nesse tempo.

Quero voltar, contudo, um pouco no tempo, para falar sobre a preparação para as primeiras eleições ocorridas no velho Curador. Os dois grupos políticos que almejavam o cargo maior do município fizeram de tudo para ter um aliado seu na interventoria do município durante o pleito que se realizaria em janeiro de 1948. Contavam que isso faria o diferencial para a eleição de um candidato aliado ao interventor. E nesse afã, em pouco meses dois interventores assumiram a função por duas vezes cada um: Valdemir Falcão e Nelson Sereno.

As notícias que chegavam aos jornais da capital sobre essa guerra travada entre os dois grupos em busca da hegemonia política do novo município, era de estarrecer. Quase diariamente os jornais traziam notícias alarmantes sobre o que ocorria no Curador.  E como os dois principais jornais em circulação pertenciam a grupos políticos ligados aos partidos políticos da situação ou da oposição, já se pode medir o grau de exacerbação e de paixão das matérias. Por esse tempo,  O Combate pertencia à facção oposicionista, e o O Diário de São Luís defendia as cores da situação. Deste modo, a noticia de um, provocava a resposta do outro, cada qual contando a sua versão para os fatos acontecidos na região curadoense. Para ilustrar o que afirmo, transcrevo o que disse O Diário de São Luís, jornal que defendia as cores governistas naquele momento.

Sob o título “Política de Consolidação Democrática”, o citado jornal editado em 04 de dezembro daquele ano de 1948, trazia a notícia de que o Interventor Saturnino Belo havia harmonizado a família política de Curador, nomeando prefeito o Tenente Coronel Antenor Carvalho”. E continuava:

“Há meses surgiu no seio da família política de Curador, uma grave desinteligência, de que resultou tremenda oposição ao prefeito Nelson Sereno, agitando-se o ambiente que algumas vezes esteve a pique de se tingir de sangue. A paixão política chegou a obliterar o senso dos contendores. Só o município, entretanto, perdia com aquela contenda infrutífera. E o povo ressentia-se da falta da tranquilidade tão necessária ao seu labor cotidiano pelo engrandecimento da terra estremecida. O Sr. Nelson Sereno é um moço vontadoso, e levou para a Prefeitura de Curador a vontade resoluta de trabalhar pelo bem comum. Faltou-lhe, porém, a experiência política, o amadurecimento nas deliberações e atitudes. Daí, a crise surgida, também por incompreensão de seus adversários que acirrados pela paixão partidária, viam em cada gesto do Sr. Nelson Sereno uma desconsideração ou um desafio. O Curador passou a figurar no cartaz do noticiário da imprensa local com o sensacionalismo do Farwest da tela. Ao espírito democrático do Interventor Saturnino Belo aquela situação se apresentava como um pesadelo. Até quando, recebendo em seu gabinete um dos elementos em choque – o Coronel Sebastião Gomes – e com ele discutindo o assunto, sem rodeios, pode Sua Excelência fazer-se compreender pelos que o tinham como adversário e que passaram a reconhecê-lo como um elemento coordenador das energias cívicas e morais do Maranhão. E daí por diante o caso do Curador começou a ser encarado como um mero incidente, de fácil solução. Por sua vez, o Sr. Nelson Sereno mostrou possuir a exata compreensão do momento difícil que vivemos e da necessidade de, ainda mesmo com o sacrifício da natural vaidade humana, pacificarmos os espíritos em benefício da comunhão nacional. Assim foi que sua senhoria, aos primeiros entendimentos com o chefe do governo, para a solução do caso de Curador, depôs em mãos de Sua Excelência o cargo de prefeito, gesto que mereceu do Sr. Saturnino Belo sinceros aplausos”.

Foi isso mesmo o que aconteceu, o Interventor Nelson Sereno, apresentou sua renúncia e permitiu que o Interventor Estadual nomeasse uma autoridade policial, o Tenente Coronel Antenor Carvalho para dirigir o município durante a campanha. Basta dizer aqui que o Tenente Coronel ocupava um cargo no executivo equivalente hoje à

Ao de Secretário de Segurança, e foi cuidar do problema de um minúsculo município na região denominada de Japão. Chegou acompanhado de novos componentes da tropa e substituiu os lá existentes que já se achavam aliados a um dos lados da contenda. Demorou-se apenas o tempo para o encerramento da campanha e a realização do pleito, e retornou para a capital. Deixou no Curador um homem da sua confiança na interventoria até a posse dos eleitos. Mas, este mesmo foi substituído rapidamente. Voltaram a acontecer os embates revezes políticos. Os problemas estavam longe de ter acabado.

A violência se instalou em todos os pleitos que se sucederam durante muitos anos. Assassinatos foram cometidos há poucos dias do pleito eleitoral, e muitas famílias tiveram que chorar seus entes queridos tombados nas disputadas políticas no velho Curador. A primeira vítima conhecida foi o comerciante Doca Sereno, depois o jovem Acioly Barros, ainda nos primórdios do município. Depois pereceu o seu primeiro deputado estadual, Ariston Costa, e os candidatos a prefeito Olavo Sampaio e Santo Belo, além do vereador José Rosa Neto.  Foram dias terríveis que almejamos tenha ficado no passado, enterrado juntamente com as vítimas.

A democracia não comporta tais comportamentos bestiais. O debate das ideias, as propostas plausíveis - e até as improváveis e difíceis de se realizarem -, até as discussões mais ásperas, tudo cabe dentro do sistema de governo imaginado pelos gregos e que tem se mostrado o mais civilizado dos regimes. A violência, não. A violência nos maltratou e ainda hoje nos envergonha, pois, a lembrança dela ainda está presente na mente de pessoas estranhas ao município quando lhes dizemos que somos filhos de Presidente Dutra. Invariavelmente elas retrucam: “terra violenta, não?”

Menos mal que nos últimos tempos as coisas se normalizaram. Ficou no passado a época do coronelismo e dos jagunços armados. Temos discussões ríspidas, até mesmo alguns socos e empurrões já tivemos. Tudo dentro do aceitável. Pois, nunca devemos perder de vista que os adversários de hoje, poderão ser os aliados de amanhã. As famílias que perderam seus amados membros no passado, hoje convivem pacificamente uma com a outra, enterram também o passado sangrento e os ressentimentos. Que tenhamos um ano eleitoral em que o respeito e a ética sejam o tom, a toada, da nova campanha que se avizinha.

Obs. Alertado pelo meu amigo e pesquisador Jean Carlos Gonçalves, fiz uma pequena alteração no texto inicial, para substituir o nome de um dos personagens descritos. Havia citado Diogo de Araújo Costa, como adversário do Capitão Leão Léda, ao invés de Francisco de Araújo Costa, cognominado o Cristo da Chapada(Grajaú).



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