Foto meramente ilustrativa |
(José Pedro Araújo)
A colonização do Brasil se deu do litoral para o
interior, estamos cansados de saber. E mesmo quando resolveram adentrar para os
sertões, os colonizadores buscaram se fixar nas margens dos grandes rios, depois
nos rios menores, e finalmente onde existisse uma fonte de água suficientemente
grande para abastecer a si e a seus animais.
No caso específico de Presidente Dutra, os criadores
de gado estabeleceram-se às margens de uma grande fonte de água denominada
lagoa do Curador, que recebera esse nome em razão de residir nas suas margens
um velho curandeiro, um dos primeiro habitantes da região. A partir daí, a
população foi se agrupando até chegar à condição de povoado. O antigo povoado que foi elevado à condição de
cidade em 1943, é conhecido hoje pelo nome de Presidente Dutra. E da velha
lagoa do Curador, resta apenas um pequeno corpo d’água, assoreado e
completamente esquecido.
Mas, iniciei com este preâmbulo, não para descrever a
história da cidade, mas para firmar uma ideia da importância que a lagoa do
Curador já teve para nós. Pois foi nesta lagoa que também aconteceu uma
pescaria que veio mexer com quase toda a comunidade de pescadores da região,
desde os profissionais, até aqueles que usam as horas vagas para subtrair das
águas alguns lambaris.
Nesse período, as terras onde a dita lagoa se
encontra, pertenciam ao meu tio Chico Barros, criador de gado, que não permitia
que se pescasse ali, alegando que as águas estariam sempre toldadas, impróprias
mesmo para o consumo do seu rebanho. Mas, certa vez, após anos de constantes
assédios para que abrisse a lagoa à pesca, o cuidadoso Chico Barros acabou
concordando. A lagoa estaria liberada para um dia de pescaria apenas, não mais do
que isto. Foi uma festa só. A dita lagoa, todos concordavam, especialistas e
curiosos, deveria ser muito piscosa, uma vez que recebia água do riacho Firmino
quando este começa a encher as vazantes. Lugar protegido por uma cerrada mata
ciliar era coberta também por um lençol de aguapés que evitava a rápida
evaporação de suas águas, servindo de berçário para os peixes que em grande
quantidade deixavam o leito do rio em busca de abrigo e comida. E quando as
águas voltavam ao leito do riacho, ficavam lá os peixes aprisionados, até o
outro período de chuvas quando então suas águas se avolumavam novamente. Daí o
frisson que causou a notícia de que ela seria liberada para a pesca.
Corria o mês de novembro, quando suas águas estavam no
ponto mais baixo, facilitando a ação dos pescadores que só não poderiam lançar
mão da rede de arrasta e do anzol para capturar os peixes. O anzol para evitar
acidentes, e a rede de arrasta porque pega tudo, inclusive os peixes
menorzinhos, como dá para depreender pelo nome.
Deu seis da manhã, mal clareara o dia, e as margens da
lagoa do Curador já estava repleta de gente de todas as partes da cidade. Gente
com todo tipo de material de pesca. Desde o jiqui,
o puçá, a tarrafa e o landuá, até os instrumentos de pesca mais bizarros,
como, por exemplo, restos de mosquiteiros transformados em armadilhas. Qualquer
coisa servia, quando não se tinha material mais eficiente.
O landuá
merece aqui uma explicação, pois consiste em uma pequena rede cônica, presa a
um aro de madeira, como se fosse um puçá, maior e sem cabo. Pela facilidade de
construí-lo, era usado em maior quantidade. E entre os pescadores ansiosos para
começar o trabalho, lá estava eu com o meu landuá velhinho, com alguns buracos
e uns tantos remendos. Nada disso era obstáculo para um pescador iniciante, mas
com alguma experiência na baldeação das águas das lagoas e riachos da região em
busca de alguns peixes.
A estratégia estabelecida pelos líderes da pescaria
era que a mesma só teria início após a limpeza da lagoa. Precisávamos arrastar
todo o aguapé formando montes, para facilitar o trânsito por ela. E lá fomos
nós realizar a primeira tarefa do dia.
Apesar do grande número de pescadores, que chegava
próximo às duas centenas, somente lá pelas dez da manhã conseguimos amontoar os
aguapés, deixando livre o restante da lagoa para a pescaria. E não foram poucas
as vezes que os líderes do evento - logo aparece um líder em qualquer coisa que
você faça na vida, evolvendo mais de duas pessoas – tiveram que repreender
alguns apressadinhos que queriam dar início ao mister enquanto os outros ainda
continuavam limpando a área.
Mas, finalmente, foi dada a ordem tão ansiada. Aí
fomos todos em busca do nosso objetivo. Não demorou para os resultados aparecerem.
Mandis, piaus, curimatãs, piranhas, e principalmente traíras - algumas enormes
-, começaram a ser capturadas em quantidades alarmantes. A lagoa estava
realmente repleta de peixes como se previra.
Projeto de pescador de final-de-semana, logo me
defrontei com o meu primeiro problema: muito pequeno ainda para tentar capturar
os peixes maiores nas águas mais profundas, tive que me manter nas margens. Mais
um pouco, e logo me deparei com um problema maior, de ordem operacional, fruto
da minha inexperiência: não havia levado um depósito para guardar o produto da
minha pescaria. E a cada peixe que eu pegava, necessitava sair da água para
colocá-lo em um pequeno galho, chamado enfieira,
que eu mantinha amarrado em um pequeno arbusto na beira da água.
Depois, apareceu outro problema, este de maior envergadura.
Quando consegui lançar meu velho landuá sobre um trairão de aproximadamente dois quilos que procurara as partes mais
rasas da lagoa para fugir do assédio dos outros pescadores, a danada destruiu
completamente o meu landuá e fugiu
para o fundo novamente. Fiquei completamente desolado, pois se tivesse previsto
tal situação, teria trazido um novelo de linhas para reparar os buracos no meu
instrumento de pesca. Mas não trouxera linha para reparo.
Todavia, não me dei por vencido. Continuei a minha
tarefa de pescador desastrado. E quando o dia se encaminhava para a metade, eu
já havia conseguido pescar alguns peixes. De pequeno tamanho, é verdade. Mas,
mesmo assim, suficientes para alimentar mais o meu ego de pescador do que uma
família com mais de quatro pessoas.
Quem já lançou mão deste instrumento rudimentar de
pesca, o landuá, sabe o quanto é
doloso para o usuário a sua utilização. São muitas as mordidas que se leva
antes de conseguir subjugar um peixe. Além das dolorosas esporadas dos mandis,
as sanguinárias piranhas nos causam verdadeiros estragos. Muitas vezes, essas
carnívoras saltam para nos morder no rosto quando se sentem encurraladas. Por
fim, os poraquês também faziam das
suas. Os famosos peixes-elétricos, que me apavoravam mais que qualquer outra
coisa, soltavam suas descargas mesmo antes de tocá-los. Era um suplício.
Meio da tarde tive que abandonar meu velho companheiro
de pescarias, o meu valoroso landuá. Com
imensos buracos, já estava completamente destruído, não segurando nem os peixes
mais dóceis, como os carás. Não me dei por vencido, contudo. Candidatei-me a
auxiliar de pescador. Consegui o cargo com um adulto amigo meu, e terminei a
pescaria arrastando um pesado saco cheio de peixes por todas as partes da lagoa,
enquanto ele lançava a sua tarrafa eficiente. Não era o que eu queria e também não
foi uma tarefa das mais fáceis de realizar. Sempre que o saco encostava-se a
minhas pernas, levava uma ferroada ou mesmo uma mordida de algum peixe
vingativo. Dei graças a Deus quando a pescaria foi suspensa por
ordem do meu tio. Estava terminado o arrastão na lagoa do Curador.
Mas, minha frustração ainda não havia chegado ao fim,
nesse dia. Meu “chefe” no restante do dia me deu uns poucos peixes como
pagamento, e assim mesmo os menores que havia conseguido pegar. E de nada
adiantou os meus protestos. Era aquilo ou nada, afirmou raivosamente. Fazer o
quê, o cara era bem maior que eu.
Hoje, por desconhecimento da importância que a velha
lagoa do Curador já teve, ou por falta de respeito para com a natureza, a
“grande” aguada está quase desaparecida, e a mata ciliar foi substituída por
extensos capinzais. Somado a isto, a água que ainda lhe resta, recebe o esgoto
a céu aberto que os novos moradores da região lançam sobre ela. A população
ainda carece de consciência voltada à defesa do meio ambiente, ou ao respeito às
boas práticas.
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