Sentado
no último degrau de madeira da pequena escadaria de acesso à pensão, observava
absorto aquela mulher jovem que começava a subi-la com dificuldade crescente em
razão dos enormes saltos dos sapatos escuros.
Desviei o olhar
para observá-la melhor, mudando o foco do seu rosto, bonito e pintado com
excessiva quantidade de Rouge, para o
busto volumoso e ofegante, e fiquei petrificado: era até engraçado observar
aqueles dois verdadeiros melões se
equilibrando perigosamente para não saltarem fora do sutiã que teimava em
segurá-los firmes como um bom goleiro faz com a bola chutada com violência pelo
atacante adversário.
Ao
passar por mim a moça parou indecisa e perguntou, após um breve instante que
usou para ganhar novo fôlego:
- Gostaria de falar
com a dona da pensão. Ela está?
Aquela voz rouca e macia,
expressada como se estivesse sendo apenas soprada, pegou-me desprevenido e me deixou
sem ação, enquanto ela me olhava pacientemente esperando a minha resposta.
Ao contrário da
pergunta, a resposta saiu como um fio de voz intermitente, como se eu estivesse
mastigando as sílabas.
- Es-tá.... qu-ero
di-zer... a-cho que es-tá – não consegui afastar os olhos daqueles dois faróis
serenos e profundos como as águas de uma plácida lagoa de coloração
cinza-escuro.
- Poderia verificar
para mim? – e a voz agora menos cansada, saiu mais rouca e com um timbre suave
e melódico.
Sem poder mais
suportar quieto aquele canto de ninfa que me atraia para um redemoinho,
puxando-me cada vez mais para as águas profundas do seu olhar lacustre,
levantei de um salto e sai correndo como um menino bem mandado faz quando o
patrão o despacha para dar algum recado.
Em instantes já
estava na cozinha na qual entrei como um bólido, quase atropelando a mulher que
saia com uma travessa de arroz fumegante nas mãos.
- Que é isso,
menino? Quase me fez derrubar o arroz! – falou a
mulher-quarentona-quase-atropelada-por-mim.
- Dona Neuza, tem
uma moça lá fora querendo falar com a senhora – soltei com rapidez a informação
sem me preocupar em pedir desculpas pela quase-trombada.
- Sabe o que ela
quer? - indagou retomando a caminhada no rumo à copa.
- Não. Ela só
perguntou pela senhora.
- Tá certo. Mas não
custava nada perguntar o que ela queria. – Repreendeu-me sem muita dureza,
talvez porque ainda não tivesse se refeito ainda do susto que eu havia lhe
pregado.
Nessa época o
menino contava com pouco mais de dezessete anos, mas continuava ainda um garoto
inexperiente e introvertido, atrapalhado a mais não poder quando o assunto era
mulher. E aquela o havia deixado mais enrolado ainda que o normal, frente ao
seu corpanzil espetacular e o atrativo cheiro que emanava.
Terminado a minha
tarefa de estafeta, mantive-me num ponto da sala que me permitia observar tudo
sem ser notado. A conversa, pelo que pude notar, versava sobre a vinda da
garota e de outra colega para a pensão. Dizia que eram estudantes e que
procuravam um lugar para morar.
Não sei dizer por
que, mas comecei a torcer pela pretensão dela se concretizar. E sabia também
que ela tinha ótimas chances de conseguir o seu intento, uma vez que a
proprietária da pensão estava precisando de dinheiro e, por conseguinte, necessitava
aumentar a sua clientela.
Dito e feito. A moça
ficou de voltar logo mais à tarde com todas as suas tralhas. Abri um sorriso satisfeito.
Esse foi o meu
primeiro encontro com Naná.
E a Naná mudou
completamente a rotina da casa, a começar pelo cheiro de perfume que ficava
pelo ar quando ela passava, expulsando para-não-sei-onde o odor de fritura que
vinha da cozinha e se espalhava por todos os ambientes. Era fácil segui-la até mesmo de olhos
fechados: bastava seguir o rastro deixado pelo cheiro que ela exalava pela
casa.
E o som da sua voz,
rouquinho e baixo? Esse inebriava o ambiente de poesia, mesmo sendo um artigo
raríssimo, pois a Naná dormia até tarde e preferia fazer as suas refeições no
próprio quarto.
E assim os meus dias
começaram a ser dirigidos por ela. Passava as manhãs aguardando que ela
levantasse e se dirigisse ao banheiro para tomar banho. Nessa ocasião, eu já
estava na sala fingindo estudar, somente para vê-la passar enrolada na toalha
de banho felpuda. Melhor quando voltava, cabelos escorrendo água ainda e a
toalha molhada cismando em colar no seu corpo, delineando-o todo. O cheiro
deixava um rastro e me atordoavam os sentidos. Valia a pena ficar a manhã
inteira esperando pela passagem dela.
As tardes também
obedeciam a essa mesma rotina. Quando ela não saia para fazer compras no
comercio. Nessas ocasiões saia sempre em companhia da amiga que, para ser
justo, não me lembro nem como era, quanto mais o seu nome. Se era gorda ou
magra, baixa ou alta, morena ou clara, isso não consigo me lembrar, já que
todos os meus sentidos estavam dirigidos para Ela, a espetacular criatura cujo
nome era Naná, simples assim.
Rotina também era o
que faziam ao anoitecer. Finalzinho da tarde, as duas saiam para a aula após um
rápido jantar realizado também no quarto. Livros e cadernos abraçados junto ao
peito, saia azul plissada e blusa branca com um laço azul fechando à gola, Naná
subia altaneira a rua chamando a atenção de quantos com ela cruzava.
Poderia dizer que
se tratava de um espetáculo deslumbrante a passagem dela descendo os degraus da
escada para sair para a rua. Rivalizava com a magnifica cena da atriz Audrey
Repburn descendo as escadas do Louvre, no filme Cinderela em Paris. Apenas as
escadarias não poderiam se comparar. A do Louvre era de mármore, a da pensão,
de madeira. Mas isso na minha humilde opinião, pois não sei de nada. Só sei de
Naná.
Nesses momentos, já
me encontrava à porta de saída, pronto também para ir para o colégio, mas
aguardando com ansiedade a descida dela pela escadaria.
Nessa ocasião também
me sentia regiamente agraciado com um oi mortífero
que me lançava quando passava por mim. E isso fazia o meu coração bater como
nunca, zabumbando.
Mas a minha doce
ilusão tinha hora certa para acabar. Estava escrito.
Em uma dessas
tardes-noites tive a infeliz ideia de seguir as duas moças quando saíram para o
colégio.
Pois logo que
alcançaram a Praça Deodoro, separaram-se. E cada uma escolheu um local para
esperar por algo. Mas, esperavam o quê?
Nessa altura a
noite já cobria São Luís e as luzes artificiais substituíam já completamente a
do dia que já se fora. Não tardou, e o primeiro veículo parou e um princípio de
conversação se desenrolou entre Naná e o motorista. Daí a pouco, ele se foi.
Ela ficou.
Outro carro parou.
A mesma coisa aconteceu. O motorista prosseguiu viagem, ela ficou e suspendeu
um pouco mais a barra da saia.
O terceiro carro
levou Naná embora. Ainda vi que ela trocou beijos calientes com o condutor do veículo. A minha certeza chegou ao
mesmo tempo em que o carro sumia na noite: Naná era uma garota de programa. Uma
puta!
Um coração sangrou
na noite são-luisense.
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