Já
disseram que a vida é uma escola. E termina por ser. Mesmo. Nascemos,
aprendemos de tudo um pouco para podermos sobreviver nesse mundo de meu
Deus. A mamar, nosso alimento primeiro; a andar, para não nos
comportarmos como os primatas; a falar, para nos comunicarmos em um
idioma falado pelos nossos; aprendemos, aprendemos, aprendemos… sobre
tudo, enfim. Certo dia, recebemos um canudo de uma universidade qualquer
e, achamos que estamos prontos para a vida. Ledo engano. A aprendizagem
continua pelo resto dela. Até que recebamos o chamado definitivo.
Comigo aconteceu assim também. Aprendi o trivial para sobreviver,
aprendi uma profissão para ganhar o sustento. Escolhi uma mulher para
seguir comigo a longa caminhada e, desta escolha, apareceram alguns
rebentos para engrossar a comitiva e tornar a viagem mais doce e amena.
Enfim, estava completo o grupo. Completo, eu disse? Que nada. Começou a
entrar gente nova na família. Os sobrinhos, os filhos dos amigos, as
noras, os netos. Acho que a comitiva nunca vai parar de aumentar. É
certo que alguns vão ficar pelo caminho. Acredito até mesmo que serei o
primeiro a deixar o grupo. Assim espero.
Bom, quando comecei o texto não queria falar de chegadas e partidas.
Queria falar que, após trinta e seis anos de prestação de serviços,
enfim chegou a hora de pegar o meu boné e me separar dos colegas de
trabalho. Sempre sonhei com esse dia. Queria não mais cumprir horário,
prestar contas a ninguém, nunca mais ser cobrado por ninguém. Leria
compulsivamente todos os livros que sempre quis ler, mas não encontrava
tempo.
Estou preocupado. Afinal, diariamente chegam centenas de novos e bons
livros nas livrarias. Acho que sempre ficarei com aquele sentimento de
que preciso de mais tempo para por a leitura em dia.
Ainda não me desvinculei também completamente da rotina do trabalho.
Pelo menos espiritualmente. Às vezes sonho com os preparativos de uma
viagem a trabalho. Outras noites, sonho que se não me apressar chegarei
tarde ao serviço. Ai acontece aquele estresse habitual. O fato é que
ainda estou umbilicalmente unido com a rotina que construí durante
trinta e seis anos.
Aposentados têm suas regalias, dizem todos. Têm uma porção de leis a
protegê-lo. Tem até lugar especial para estacionar, grande vantagem em
uma cidade que está cada vez mais difícil encontrar uma vaga para deixar
o carro. Tem também lugar especial em todas as filas que temos que
enfrentar para viver comunitariamente. Mas, sabem, não consegui ainda
usufruir dessas benesses. Tenho vergonha de chegar a um lugar e ir
passando à frente de todo mundo que já se achava ali há muito tempo. E
quando minha mulher reclama que eu não estou usando das minhas
prerrogativas de sessentão, respondo inflamado: enquanto tiver força nas
pernas não tomarei o lugar de ninguém nas filas!
Acho que ainda não me aposentei. Mentalmente, pelo menos. E espero
que isso ainda demore a acontecer. Porquanto, assim, sinto-me com forças
nas pernas…
* Texto originalmente publicado no site Palavrasprabeber (www.palavrasprabeber.com.br)
Caro JP,
ResponderExcluirSeja bem-vindo ao clã dos "vagabundos", como em má hora disse um dos mais valorosos integrantes de nossas hostes
Curiosamente, também sonho com viagens a serviço e com cidades por onde passei.
Infelizmente, ainda não tive tempo de não ter tempo... Sempre tenho algo a fazer... Principalmente livros a ler e tresler e novos velhos filmes a assistir, mormente agora que assinei a Netflix.
Abraço,
Elmar
Grande Poeta,
ExcluirVocê sempre atento a tudo o que rola no nosso blog. Quero dizer-lhe que a reciproca também é verdadeira. Uma das primeiras coisas que faço ao abrir o meu blog é olhar se temos novidades no do Poeta Elmar. Agora aposentado, vejo que tens estado muito atuante, e a freguesia agradece. Dessa pena tem saído extraordinários textos. Grande abraço.