quarta-feira, 22 de abril de 2015

A morte do mamulengo



                                                         (José Pedro Araújo)
 
            Analisando de forma dramática, Presidente Dutra é uma cidade onde a tragédia vez por outra atinge dolorosamente a sua população. O que chama mais atenção é que o número de acontecimentos eivados desse componente de cunho involuntário é muito grande se comparado com municípios do mesmo porte do nosso. Assim, a quantidade de casos violentos que têm atingido as famílias presidutrenses, deixando um rastro de dor que termina atingindo toda a comunidade, solidariamente, é espantosa.

            Alerto que o objeto da presente recordação, é não permitir que fatos que tanto abalaram nosso povo escapem-nos da memória ou vá conosco quando daqui tivermos partido, caindo para sempre no anonimato.

            Dito isto, passamos a noticiar uma tragédia que ficou conhecido como “O caso do mamulengo”. Mamulengo é aquele boneco usado por artistas, especialmente ventríloquos, para contar estórias do quotidiano de forma romanceada, divertindo adultos e crianças com o seu jeito engraçado de representar. Esses artistas, normalmente, fazem parte de uma trupe de saltimbancos, artistas circenses que saem pelo mundo a mostrar a sua arte de bem representar em troca de alguns trocados. Apresentam-se em salões, teatros, circos, ou mesmo em pequenos espaços públicos, de acordo com o tamanho e a importância do grupo, utilizando uma pequena cortina, e por trás dela, ficam os verdadeiros artistas manejando os bonecos com as mãos e emitindo suas falas. Trata-se de um espetáculo muito bonito, que encanta plateias, e de um modo muito especial, as crianças. Quem não se lembra do boneco Cassimiro-Coco, aquele pequeno pretinho sapeca da nossa infância?

Mas, vamos ao caso a que nos propomos. 
Certa época apareceu na cidade um grupo relativamente grande desses artistas mambembes para fazer algumas apresentações. Cidade com poucas atrações artísticas, logo o grupo ganhou a admiração dos nativos pela competência e beleza do espetáculo apresentado. Seu líder, o artista de maior performance, ganhou logo status de grande ídolo em meio a molecada. Era casa cheia toda noite. E enquanto o público responde ao chamamento desses pequenos grupos teatrais, gerando-lhe renda em troca de espetáculo, eles vão ficando mais um pouco, pois não têm prazo marcado para chegar ou sair de uma cidade. Quem determina isso é o público.Ou a falta dele.

Foi o que aconteceu com o grupo a que nos referimos.  Como ainda contavam com bilheteria completa, foram dilatando a sua presença entre nós. Acontece que, igualmente às histórias que eles contavam de heróis e heroínas, mas também de invejosos, malfeitores e traidores, no grupo também existia um indivíduo que incorporava a história do mau caráter clássico. Ele logo mostraria a sua cara.

Planejando o deslocamento para a próxima cidade, o proprietário e principal artista do grupo foi a Dom Pedro, cidade vizinha, escolher o local onde eles se apresentariam quando lá chegassem. Na viagem, levou consigo outro artista que lhe era da mais perfeita confiança.

Cumprida a missão na parte da tarde, resolveram retornar para Presidente Dutra a tempo de apresentar o espetáculo da noite. Mas, somente um dos homens retornou à cidade: o empregado. 
Quando perguntado pelo líder do grupo, respondeu o moço que ele o incumbiu de voltar mais cedo para organizar a apresentação da noite, uma vez que ainda tinha algumas coisas a fazer na cidade vizinha.

Mas a noite chegou, e nada do homem voltar. Já no auge da preocupação, um pequeno grupo resolveu ir a Dom Pedro para verificar o que de fato havia acontecido com o chefe, pois ele jamais faltava a seus espetáculos.

Ainda no caminho entre as duas cidades, em um baixão escuro, de árvores muito altas, avistaram um grupo de pessoas com lamparinas nas mãos observando alguma coisa. Aproximaram-se cautelosamente de onde o grupo se encontrava e logo tomaram ciência de que eram moradores da região e que estavam ali porque alguns cachorros haviam encontrado um corpo semienterrado de uma pessoa, sem a cabeça. Preocupados com a notícia, logo pediram para ver o corpo que se encontrava ainda fora da estrada, no mesmo local onde fora encontrado. Não tardaram a se deparar com a cena dantesca. E mesmo achando parecido com o corpo do homem que procuravam, não tiveram certeza naquele instante porque o mesmo estava sem a cabeça, além de se encontrar completamente nu.

Estavam naquele impasse, quando os cachorros que haviam identificado o corpo latiram mais uma vez a pouco mais de cinquenta metros de onde eles se encontravam. Haviam achado a cabeça enterrada sob um cupinzeiro. Não havia mais dúvidas sobre a quem pertencia aquele corpo. O desespero caiu sobre o grupo.

Para a polícia, o primeiro suspeito do crime é a última pessoa com quem a vítima foi vista conversando. E nesse caso, a suspeita recaiu sobre o próprio companheiro de viagem do operador de mamulengo. Não foi difícil para eles provarem que o assassino era de fato o rapaz. Depois de alguns apertos, ele confessou que sempre invejara seu chefe e há muito vinha planejando sua morte para poder ficar com a companhia de bonecos. Naquele dia, naquele lugar sombrio, vislumbrara o momento ideal. O único problema foi que como não possuía uma ferramenta para cavar o chão duro, abriu a cova com as próprias mãos, deixando-a muita rasa. Resolveu então decepar a cabeça da vítima e retirar suas roupas para evitar seu reconhecimento, caso fosse encontrado.

Mas não contava com o faro dos cachorros que viviam em local muito próximo dali.

No local da tragédia alguma alma boa erigiu um madeiro tosco para testemunhar que naquele lugar a inveja havia feito mais uma vítima. Andar por ali à noite era amedrontador. Aquele baixão escuro e lúgubre, entremeado por palmeiras babaçu e árvores muito altas, provocava medo em muita gente que tinha que por ali passar.


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