(José Pedro Araújo)
Analisando
de forma dramática, Presidente Dutra é uma cidade onde a tragédia vez por outra
atinge dolorosamente a sua população. O que chama mais atenção é que o número
de acontecimentos eivados desse componente de cunho involuntário é muito grande
se comparado com municípios do mesmo porte do nosso. Assim, a quantidade de
casos violentos que têm atingido as famílias presidutrenses, deixando um rastro de
dor que termina atingindo toda a comunidade, solidariamente, é espantosa.
Alerto
que o objeto da presente recordação, é não permitir que fatos que tanto
abalaram nosso povo escapem-nos da memória ou vá conosco quando daqui
tivermos partido, caindo para sempre no anonimato.
Dito
isto, passamos a noticiar uma tragédia que ficou conhecido como “O caso do
mamulengo”. Mamulengo é aquele boneco usado por artistas, especialmente
ventríloquos, para contar estórias do quotidiano de forma romanceada,
divertindo adultos e crianças com o seu jeito engraçado de representar. Esses
artistas, normalmente, fazem parte de uma trupe de saltimbancos, artistas
circenses que saem pelo mundo a mostrar a sua arte de bem representar em troca
de alguns trocados. Apresentam-se em salões, teatros, circos, ou mesmo em
pequenos espaços públicos, de acordo com o tamanho e a importância do grupo, utilizando
uma pequena cortina, e por trás dela, ficam os verdadeiros artistas manejando
os bonecos com as mãos e emitindo suas falas. Trata-se de um espetáculo muito
bonito, que encanta plateias, e de um modo muito especial, as crianças. Quem não se lembra
do boneco Cassimiro-Coco, aquele pequeno pretinho sapeca da nossa infância?
Mas, vamos ao
caso a que nos propomos.
Certa época apareceu na cidade um grupo relativamente
grande desses artistas mambembes para fazer algumas apresentações. Cidade com poucas
atrações artísticas, logo o grupo ganhou a admiração dos nativos pela
competência e beleza do espetáculo apresentado. Seu líder, o artista de maior
performance, ganhou logo status de grande ídolo em meio a molecada. Era casa
cheia toda noite. E enquanto o público responde ao chamamento desses pequenos
grupos teatrais, gerando-lhe renda em troca de espetáculo, eles vão ficando mais
um pouco, pois não têm prazo marcado para chegar ou sair de uma cidade. Quem
determina isso é o público.Ou a falta dele.
Foi o que
aconteceu com o grupo a que nos referimos.
Como ainda contavam com bilheteria completa, foram dilatando a sua
presença entre nós. Acontece que, igualmente às histórias que eles contavam de
heróis e heroínas, mas também de invejosos, malfeitores e traidores, no grupo
também existia um indivíduo que incorporava a história do mau caráter clássico. Ele logo mostraria a sua cara.
Planejando o
deslocamento para a próxima cidade, o proprietário e principal artista do grupo
foi a Dom Pedro, cidade vizinha, escolher o local onde eles se apresentariam
quando lá chegassem. Na viagem, levou consigo outro artista que lhe era
da mais perfeita confiança.
Cumprida a
missão na parte da tarde, resolveram retornar para Presidente Dutra a tempo de
apresentar o espetáculo da noite. Mas, somente um dos homens retornou à cidade:
o empregado.
Quando perguntado pelo líder do grupo, respondeu o moço que ele o
incumbiu de voltar mais cedo para organizar a apresentação da noite, uma vez
que ainda tinha algumas coisas a fazer na cidade vizinha.
Mas a noite
chegou, e nada do homem voltar. Já no auge da preocupação, um pequeno grupo
resolveu ir a Dom Pedro para verificar o que de fato havia acontecido com o
chefe, pois ele jamais faltava a seus espetáculos.
Ainda no
caminho entre as duas cidades, em um baixão escuro, de árvores muito altas,
avistaram um grupo de pessoas com lamparinas nas mãos observando alguma coisa.
Aproximaram-se cautelosamente de onde o grupo se encontrava e logo tomaram ciência de que eram moradores da região e que estavam ali porque alguns cachorros
haviam encontrado um corpo semienterrado de uma pessoa, sem a cabeça.
Preocupados com a notícia, logo pediram para ver o corpo que se encontrava
ainda fora da estrada, no mesmo local onde fora encontrado. Não tardaram a se deparar
com a cena dantesca. E mesmo achando parecido com o corpo do homem que
procuravam, não tiveram certeza naquele instante porque o mesmo estava sem a
cabeça, além de se encontrar completamente nu.
Estavam
naquele impasse, quando os cachorros que haviam identificado o corpo latiram
mais uma vez a pouco mais de cinquenta metros de onde eles se encontravam.
Haviam achado a cabeça enterrada sob um cupinzeiro. Não havia mais
dúvidas sobre a quem pertencia aquele corpo. O desespero caiu sobre o grupo.
Para a
polícia, o primeiro suspeito do crime é a última pessoa com quem a vítima foi
vista conversando. E nesse caso, a suspeita recaiu sobre o próprio companheiro
de viagem do operador de mamulengo. Não foi difícil para eles provarem que o assassino era de fato o
rapaz. Depois de alguns apertos, ele confessou que sempre invejara seu chefe e
há muito vinha planejando sua morte para poder ficar com a companhia de
bonecos. Naquele dia, naquele lugar sombrio, vislumbrara o momento ideal. O
único problema foi que como não possuía uma ferramenta para cavar o chão duro,
abriu a cova com as próprias mãos, deixando-a muita rasa. Resolveu então
decepar a cabeça da vítima e retirar suas roupas para evitar seu reconhecimento,
caso fosse encontrado.
Mas não
contava com o faro dos cachorros que viviam em local muito próximo dali.
No local da
tragédia alguma alma boa erigiu um madeiro tosco para testemunhar que naquele
lugar a inveja havia feito mais uma vítima. Andar por ali à noite era
amedrontador. Aquele baixão escuro e lúgubre, entremeado por palmeiras babaçu e
árvores muito altas, provocava medo em muita gente que tinha que por ali passar.
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