Trem na Estação de Rosário, última parada antes de entrar na ilha(Década de 30) |
José Pedro Araújo
O poeta e compositor
maranhense João do Vale cantou a saudade da sua terra em vasta e gloriosa
discografia que está para sempre imortalizada na memória musical do Brasil.
Simples nas suas composições, atingia o âmago da alma brasileira ao discorrer
sobre temas fundamentais da nossa fauna e da nossa cultura, inserindo-os nas
suas letras. Foi assim quando homenageou o Carcará, representante principal das
aves de rapina que povoam o nosso sertão, ou até mesmo a Pipira, pássaro
encontrado em quase todo o país, sublime apreciador das nossas frutas mais
conhecidas. Poeta consagrado, principalmente nos meios universitários da nossa
época, discorreu com grande sobrecarga de sentimentalismo as coisas mais corriqueiras
da sua terra. Dentre os temas que ele cantou tão bem, me vem à memória um que
diz respeito ao meu saudoso pai, José Pedro de Araújo: De Teresina a São Luís. Falava
de uma viagem de trem entre as duas capitais mais ao norte da região
nordestina. Foi este o trajeto que o jovem Araújo fez no lombo da Maria Fumaça
nos idos de década de 40. Tomou o mesmo caminho e o mesmo meio de transporte
que o personagem cantado por João do Vale.
Assim como milhares
de nordestinos fazem todos os anos, o jovem de 20 anos tomou o trem de ferro na
estação de Teresina e rumou para São Luís do Maranhão em busca de um futuro
mais alvissareiro, uma vida melhor do que a que tivera até então. Dispensado do exército em razão da redução de
contingente( orçamento deficitário), tentaria a sorte na Polícia do Maranhão
que, segundo ouvira, estava contratando jovens dispensados pelas forças armadas
para compor os quadros da briosa polícia maranhense.
Não tinha pressa,
contudo. Transpôs o Parnaíba com dor no
coração e uma incerteza enorme com relação ao futuro. Enquanto a Maria
Fumaça comia brasa e queimava lenha,
o jovem aventureiro acalentava seus sonhos mirando a paisagem exuberante
através de uma das janelas do vagão de passageiros. Esquadrinhava o horizonte
desconhecido com grande surpresa e encantou-se com o verde vivo das matas que
ladeavam o velho e cansado trem. Este, vez por outra, soltava seu grito de
alerta através do estridente apito para espantar os animais que ocupavam os
trilhos de aço por onde deveria passar.
Na primeira parada
para abastecer de água a fumarenta locomotiva, o jovem aventureiro olhou para
fora e ficou deslumbrado com o que viu: uma simpática fazendola bem ao fundo de
uma espaçosa campina. Resolveu descer do trem e contatar com o senhor que via
descansando no alpendre da casa grande. Não demorou muito e já voltava correndo
para apanhar suas coisas. Suas coisas é o modo de dizer. Todos os seus
pertences se restringiam a uma velha mala de couro com algumas poucas peças de
roupa. Havia sido aceito para trabalhar alguns dias naquele lugar que o
encantara com a sua simplicidade e beleza. “Alguns trocados a mais”, pensou, “seria
de bom proveito quando chegasse na capital do Maranhão”.
Passou quinze dias no
povoado Engenho D’água e depois retomou sua viagem até São Luiz, deixando para
trás alguns amigos.
Mas a viagem seria
interrompida novamente. De forma idêntica aconteceu quando chegou à estação de
Coroatá. Passou também alguns dias trabalhando na cidade e, no final, juntou os
trocados a mais e embarcou rumo à ilha maravilhosa, agora sem paradas. O que
lhe aguardava na capital do Maranhão, conto em outra oportunidade.
Muitos anos depois,
quando vim residir em Teresina, morei em uma casa nas imediações da ponte de
ferro que liga os dois estados irmãos. Corria o ano de 1970 e naquele tempo o
lastro da ponte metálica era de madeira. Vez por outra a Maria Fumaça passava
sobre ela fazendo um barulho tremendo no piso solto. E, via de regra, o pessoal
da ferrovia corria para apagar o fogo que começava a se alastrar sobre a
madeira. A Maria Fumaça era alimentada com carvão fumegante, e às vezes soltava
brasas da sua caldeira sobre a ponte, iniciando um pequeno incêndio que logo
era interrompido. Todas as vezes que o trem apitava avisando que ia atravessar
a velha ponte, trazia-me de volta a recordação da travessia empreendida pelo
meu pai no lombo daquele monstrengo de ferro, um dos poucos meios de transporte
na época e também o mais barato de todos. Quanta incerteza carregava consigo ao
cruzar o limite dos dois estado! Quanta saudade lhe invadia o peito ao observar
que ia ficando cada vez mais distante o seu querido solo natal!
Ah, João do Vale! Ninguém
se expressaria tão bem como fizeste ao descrever com tanto sentimento a passagem
dos nordestinos sobre o rio Parnaíba em busca de melhor sorte nas terras do
grande e receptivo Maranhão! A saudade do que ia ficando para traz era contrastante
com a esperança do que iriam encontrar mais afrente. Enquanto isso, o trem seguia
engolindo léguas e cuspindo brasa, espalhando o som estridente do seu apito
através dos coqueirais, sobre as várzeas e serrotes, até chegar ao estreito dos
mosquitos, quando se começava a respirar o ar fresco e salgado da ilha de São
Luis.
O velho trem já não é
mais o mesmo. Em lugar da lenha, a ruidosa máquina consome óleo diesel. Mas
continua a fazer o seu incansável trajeto, levando os passageiros que contam
com pouco dinheiro no bolso ou até mesmo aqueles que apreciam aquele meio de
transporte e não estão com muita pressa de chegar. O velho trem cantado pelo
vate maranhense, já não queima lenha e nem
come brasa. Nem queima tanto, mas atrasa.
Peguei o trem em Teresina, pra são Luis do Maranhão. atravessei o Parnaíba, ai, ai que dor no coração...
ResponderExcluirFoi isso mesmo, meu caro! Primeira viagem interestadual e nunca mais voltou para o seu amado Picos!
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