sábado, 27 de junho de 2015

Em um Certo 28 de Junho

Foto by Carlos Magno




          Quando o interventor maranhense Paulo Martins de Souza Ramos, assinou o Decreto-Lei nº 820, vivíamos o penúltimo dia de dezembro do ano da graça de 1943. E foi através deste importante diploma legal que passamos da condição de Vila para a de Cidade. Nascia, assim, o município de Curador, fruto do trabalho incansável de um grupo de nordestinos que vislumbrou, naquele lugar, ares propícios para a construção de um venturoso futuro. Às margens da famosa lagoa fincaram raízes e passaram a erigir a cidade que sonharam para si e para os seus descendentes. Costumo dizer que entre estes pioneiros não tínhamos grandes fortunas, ricos fazendeiros ou empresários poderosos, mas tão somente um povo pobre em busca de um horizonte novo.
          Mas a longa espera ainda não terminaria naquele mês. Somente no dia 28 de junho do ano seguinte de 1944, proceder-se-ia a instalação, de fato, do novo município. A data comemorativa de aniversário da cidade passou a ser a do dia que antecede àquele destinado a um dos santos festeiros de junho, São Pedro. Não demoraria também, e através da Lei 208, de 18 de dezembro de 1948, o município teria o seu topônimo alterado e passaria a se chamar Presidente Dutra, uma homenagem ao Presidente da República, Eurico Gaspar Dutra.
          Na tentativa de resgatar aquele dia festivo para todos os presidutrenses, veio-me a ideia de publicar algumas informações sobre o período em que o auspicioso acontecimento se deu. Se regredíssemos no tempo e pousássemos a nossa nave na Praça da Matriz, logo observaríamos que o nome dela não era São Sebastião, e que em lugar da igreja portentosa que vemos ali, existia apenas uma capela simples, construída em adobe cru. O santo padroeiro também era outro: São Bento. Não encontraríamos ali também o belo prédio do convento das irmãs; nem os edifícios dos correios e da prefeitura antiga estavam lá. O da prefeitura, aliás, também não está mais lá. Com o título “Duas fotografias históricas da Praça São Sebastião”, publiquei aqui, no dia 19 de fevereiro deste, duas imagens que mostram exatamente como era o largo de São Bento naquele dia festivo de elevação da cidade.
          Como já afirmei em parágrafo anterior, a cidade estava sob intenso clima do período junino, e por esta razão algumas famílias mais festivas já arrumavam na parte da frente de casa lenha para as fogueiras em homenagem a São Pedro, festividade que aconteceria no dia posterior. Algumas até enfeitavam trechos de rua com bandeirolas e balões de papel de seda.  Aquela noite seria fresca, como todas as noites de junho, e a lua apareceria Crescente no céu.
          O ano de 1944 foi bissexto, e muito tenso, por conta das notícias que chegavam do continente europeu devastado pela guerra. E a população ficou sabendo de antemão que o interventor Paulo Ramos não se faria presente às festividades de elevação da cidade, por duas razões: primeiro porque não seria politicamente uma boa estratégia, vez que outros municípios foram criados naquele mesmo período e frequentar um apenas não seria justo. Depois, no dia seguinte, estaria inaugurando uma importante obra no rio Mearim: uma ponte flutuante. Enviou, então, um aliado político que ocupava o cargo de secretário da prefeitura municipal de Vargem Grande para presidir a solenidade.
          Nesse período, como já afirmei, o mundo estava ligado às noticias veiculadas pelo rádio, pouquíssimos rádios, é bem verdade, sobre o prosseguimento da 2ª Grande Guerra, conflito que já se arrastava desde 1938 e que já havia causado a morte de milhões de pessoas. A 06 de junho, por exemplo, os combatentes aliados haviam desembarcado no litoral da França, na região da Normandia, data que passou a ser conhecida como o Dia D. Foi, de fato, um grande feito que principiou a derrocada dos exércitos do bloco inimigo formado por Alemanha, Itália e Japão, os chamados países do Eixo.
          Nesse mês de junho também a população do Brasil inteiro vivia a expectativa do embarque dos primeiros pracinhas brasileiros para lutar na Itália. Quatro dias depois da solenidade de elevação de Curador à condição de município, cerca de 5.096 brasileiros embarcaram no navio americano de transporte de tropas, o General Mann.
          Por aqui, o Maranhão viva momentos de grande aperto financeiro no seu orçamento, é o que se pode ver no relatório apresentado pelo interventor Paulo Ramos ao congresso estadual. Vivia também uma época difícil no quesito exportações, que tinha como principais produtos da sua pauta, o arroz, o algodão, o babaçu, mas também alguns produtos inimagináveis, como peles de Tejo, de Cobra, de Gato Pintado e de Onça, e até mesmo Penas de Aves, Rapas de Sola e Resina de Jatobá, entre outros produtos de somenos importância.
          No campo esportivo, o Moto Clube começaria nesse ano a sua escalada rumo ao heptacampeonato maranhense de futebol, no que pese o Sampaio Correia ter feito um esquadrão de respeito para jogar aquele campeonato.
          Chegado o fim do mês de junho, a novíssima cidade de Curador se agitava freneticamente, e as pessoas acorriam apressadas pelas ruas poeirentas para o local em que seria celebrada a solenidade de elevação. De certo, vestiam-se com as suas melhores roupas. Homens trajando camisas na cor clara, mangas compridas; mulheres envergando vestidos bem abaixo dos joelhos, rendados. Lá encontrariam, além do senhor representante enviado pelo interventor federal, também o prefeito de Barra do Corda, Jamil de Miranda Gedeon, município do qual fomos desmembrado; participava também da solenidade o deputado pelo PR, Manoel Gomes, um dos  representantes da região na câmara legislativa estadual, e também o coletor estadual José Lúcio Bandeira de Melo, que viria ocupar o cargo de primeiro interventor do novo município criado até a nomeação de um político local.
          Dentre os moradores que acorreram ao local do evento, alguns tiveram seus nomes registrados na história ao assinarem o livro de Ata, instrumento que documentou a solenidade de elevação da Vila de Curador à condição de cidade.
São eles:

Virgulino Cirilo de Sousa, Luiz Gonzaga de Sousa, Gil Arruda Léda, Adalberto Macêdo, Pedro Sereno, Antônio Macêdo, Salomão Soares, Gerson Sereno, Antônio Alves Quirino, Arlindo Paulo da Silva, Nacôr Gomes da Silva, Abdon de França, Deusamar Melo Lima, Judite Rios, Delta Falcão, Francisco Barros, Zilda Barros Menezes, Valdir Menezes Silva, Eleusina Carvalho Araújo, Frei Gomes, Joana Lima de Macêdo, Eduardo de Melo Falcão, Josefino Marques Monteiro, Sebastião Gomes de Gouveia, Cícero Macêdo, João de Deus Ferreira, Ilídio Fialho, Anastácio Melo, Nelson Sereno, João Silva, Ataliba Almeida, Ataliba Moreira Lima, Pedro Neto, Miguel Araújo de Carvalho, Valeriano Américo de Oliveira, Áurea Melo Lima, Maria Nogueira, Teresinha Menezes, Jovina Sousa, Maria da Cruz Menezes, Zilda Araújo Melo e Ambrozina Barros.

- Os nomes estão na mesma ordem de assinatura que aprecem na ata lavrada.
        
 É certo também que centenas de pessoas que estavam presente ao ato não quiseram ou não puderam assinar a histórica Ata como testemunha. Mas entraram igualmente para a história ao participar daquele ato cívico de tamanha importância para o Curador.
          No período mais festejado pelos nordestinos: o das “festas-dos-santos-mais-queridos”, o chamado período junino, começava a nossa caminhada solo, isolados agora do município-tronco, Barra do Corda. Foram tempos difíceis, de absoluta carência, faltos de tudo o que era mais urgente para nos tornarmos uma cidade na acepção da palavra. Faltava-nos desde a experiência para instalar um simples modelo administrativo no novel município, e até os recursos necessários para viabilizar a construção dos prédios públicos que abrigariam aqueles a quem escolheríamos para cuidar da administração municipal.
          Carecíamos ainda do instrumental necessário para viabilizar atendimento de saúde aos nossos residentes, e também de prédios escolar de qualidade para ministrar as primeiras letras para os nossos cidadãos mais tenros. E para complicar mais ainda, estávamos a mais de trezentos quilômetros da capital.
          Como construir tudo o que precisávamos sem os recursos necessários para tal, e com um orçamento diminuto e insuficiente? Com determinação e esperança no futuro, logo descobriríamos através dos nossos próprios erros, lançando mão do método simples das tentativas. E logo estávamos com os nossos primeiros prédios públicos construídos. Nossas ruas tomaram um jeito mais urbano, sem aquela feição de caminho para pedestres. Os moradores começaram a cuidar mais das suas moradias, levantando casas com um padrão de qualidade mais apurado, e conforto e habitabilidade visíveis. Em breve a cidade tomaria ares de modernidade.
          Recorro a Fernando Pessoa, o insigne poeta português, para encerrar esta crônica:


DA MINHA ALDEIA vejo quanto da terra se pode ver no Universo...
Por isso a minha aldeia é grande como outra qualquer.
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura... 

          Terra querida, parabéns pelo seu aniversário! 

 
Vista da Praça pouco tempo depois da solenidade de elevação

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