Igreja de Santo Antonio antes da demolição |
Nova igreja de Santo Antonio |
Elmar Carvalho
Poeta, contista, cronista, crítico cultural, historiador, membro da Academia Piauiense de Letras e juiz aposentado.
Recentemente a Diocese de Campo Maior comemorou os 300 anos da Paróquia
de Santo Antônio do Surubim. Houve missa concelebrada, com a presença de vários
bispos e apresentação da Orquestra Sinfônica de Teresina, sob a regência do
maestro Aurélio Melo. No ensejo da efeméride foi lançado o livro “Da matriz
vejo a cidade”, da autoria de Natália Oliveira, que ainda não me foi possível
adquirir.
A primeira igreja de Santo Antônio foi construída por Bernardo de
Carvalho e Aguiar a pedido do padre Tomé de Carvalho, seu sobrinho, que foi o
primeiro vigário da Mocha (Oeiras) por várias décadas, tendo construído a
vetusta igreja de Nossa Senhora da Vitória, hoje catedral, que se encontra bem
conservada e mantendo quase toda sua arquitetura original. Bernardo também
contribuiu para a construção deste templo, inclusive lhe tendo doado uma rica e
bela custódia, em ouro maciço e cravejada de pedras preciosas, que ainda hoje faz
parte do patrimônio da Diocese oeirense.
Lamentavelmente a velha igreja de Santo Antônio do Surubim, em estilo
colonial, batizada em 12.11.1712, foi demolida em 1944, conforme consta no
livro Enlaces de família, do historiador e genealogista Valdemir Miranda de
Castro.
Em virtude das festas comemorativas dos três séculos da Paróquia e de
haver sido requentada a discussão sobre onde ficava a Fazenda Bitorocara, que a
meu haver já estava definitivamente superada, com as pesquisas do padre Cláudio
Melo, tanto em Belém do Pará como em Portugal, julgo oportuno transcrever nesta
crônica diarística o terceiro capítulo de meu livro “Bernardo de Carvalho, o
Fundador de Bitorocara”, 2ª edição digital (revista, melhorada e ampliada, em
virtude de novos livros e documentos a que tive acesso, após sua primeira e
única edição impressa), disponível no site amazon.com.br:
“Todos os maiores historiadores do Piauí afirmam haver existido a fazenda
Bitorocara e o seu fundador, Bernardo de Carvalho e Aguiar, a começar pelo mais
antigo, o padre Miguel de Carvalho, em sua Descrição do Sertão do Piauí, datada
de 2 de março de 1697. O padre Cláudio Melo considera esse documento como um
dos mais importantes para os estudiosos de História do Piauí, e que deveria ser
de manuseio constante. Quase todos admitem que essa propriedade ficava situada
em Campo Maior. Como exceção ou voz discordante, um ou outro admite haver
dúvida a esse respeito.
O próprio Pe. Cláudio Melo, no prefácio ao livro
Descrição do Sertão do Piauí (Comentários e notas do Pe. Cláudio Melo), após
advertir que o relatório do Pe. Miguel de Carvalho exigia acurada leitura, com
“reflexão e análise prudente e comparada”, em sua proverbial franqueza e
honestidade intelectual, aconselhou:
“Não se
arrisquem a conclusões precipitadas. Historiador de alta respeitabilidade, como
Odilon Nunes, concluiu que Bitorocara era Piracuruca, quando na
verdade é Campo Maior [grifo meu]. Eu mesmo há dois ou três anos
escrevi um artigo para ‘Cadernos de Teresina’ que, por sorte, não foi publicado
(chegou com atraso). Hoje eu não subscreveria tudo que ali afirmei.”
Todavia, o próprio Odilon Nunes, segundo afirma
João Gabriel Baptista em seu livro Mapa Geohistóricos, pág. 41, teria sido
pessoalmente convencido por Cláudio Melo de que efetivamente o rio
Piracuruca não era o Bitorocara. E ele João Gabriel confessa também
ter se convencido de que a razão estava com Melo.
Espancando qualquer dúvida que possa existir sobre
a localização de Bitorocara, no livro acima citado, o padre Cláudio, um dos
maiores historiadores de nosso estado, afirma, a meu ver de forma categórica e
peremptória:
“De
início, eu supunha que o riacho Bitorocara era o Surubim, em razão de a Fazenda
Bitorocara ser a atual cidade de Campo Maior. A descoberta em Portugal da
sesmaria de Dâmaso Pinheiro de Carvalho, nas cabeceiras do riacho Cobras, me
fez ver que Cobras é o Surubim. Bitorocara, portanto, ou seria o Longá ou o
Jenipapo. Surgiu para mim um impasse: a fazenda Serra fica no Longá e o Jatobá
no Jenipapo. Como os limites da fazenda Serra não atingiam o Jenipapo, mas os
limites da fazenda Jatobá podiam chegar até o Longá, concluí, por fim, que
Bitorocara seria o Longá. A fazenda Bitorocara se expandia pelos três rios, e
ela estava na confluência deles.”
Para chegar a essa conclusão, pelo que se depreende
de seu conselho (ou advertência), acima transcrito, o notável historiador
piauiense leu e releu várias vezes e em profundidade o relatório da lavra de
Pe. Miguel, com certeza cotejando-o com os vários documentos que consultou em
Portugal e no Piauí, muitos deles transcritos no livro Bernardo de Carvalho, de
sua autoria.
O padre Miguel, em seu relatório, indicava os rios
em que as fazendas por ele referidas se situavam, preservando dessa forma a sua
localização. As fazendas, na época, eram muito extensas. Ele situava três no
riacho Bitorocara (Longá): a primeira, de nome Serra, ficava nas cabeceiras; a
segunda, Bitorocara, se lhe seguia, e “a terceira e última deste riacho se
chama o Jatobá”. Evidentemente a fazenda Jatobá ficava na margem direita do
Jenipapo, que desemboca no Longá, podendo ter prosseguimento pela margem
direita deste rio, uma vez que, na expressão de padre Cláudio, “a fazenda
Bitorocara se expandia pelos três rios, e ela estava na confluência deles”. A
linha de raciocínio do historiador obedece à lógica, e não a uma simples ilação
tirada do nada, e, portanto, não merece reparo.
Como é sabido por todos, a antiga igreja de Santo
Antônio do Surubim foi construída por Bernardo de Carvalho e Aguiar a pedido de
seu sobrinho, o Pe. Tomé de Carvalho. Quase sempre (e não conheço exceção) as
igrejas eram erigidas pelos fazendeiros nas proximidades da casa-grande ou
residência, sempre que possível sobre uma colina ou outeiro, em terras de sua
propriedade ou posse. Essa era a praxe na história do Piauí, ainda hoje
observada. Quem iria construir uma ermida ou igreja distante de sua casa e fora
de sua propriedade? Considerando-se que a fazenda Bitorocara (antigo nome do
rio Longá) ficava na margem desse rio é lógico concluir-se que ela ficava nas
proximidades da igreja construída por seu proprietário nas imediações do rio
Cobras, hoje Surubim.
Sobre isso vejamos o que diz o historiador e
genealogista Valdemir de Castro Miranda, em seu trabalho intitulado “Sobre as
origens de Campo Maior”, publicado no blog poetaelmar.blogspot.com.br, em
04.09.2015:
Campo Maior tem sua origem ligada à figura do mestre de campo Bernardo
de Carvalho e Aguiar, fundador da Fazenda Bitorocara no ano de 1695, na confluência
dos rios Longá com o Surubim. Por volta de 1706, o Pe. Thomé de Carvalho e
Silva fez desobriga na região, fundando ali um curato. Mais tarde, com a ajuda
de Bernardo de Carvalho e Aguiar, construiu a Igreja de Santo Antonio, batizada
a 12.11.1712, com a instalação da Freguesia de Santo Antonio do Surubim ou
Longá, a segunda do Piauí e ainda ligada ao Bispado de Pernambuco. O
procedimento para a instalação da nova Freguesia, foi o mesmo adotado pelo Pe.
Miguel de Carvalho quando da instalação da Freguesia da Mocha, reuniu os
moradores da região para definir o local da edificação do templo. Não contando
com a ajuda dos arrendatários das fazendas da região, mas com o cel. Bernardo
de Carvalho e Aguiar que construiu a capela a suas custas, conforme consta em
carta do Pe. Thomé de Carvalho e Silva, Vigário confirmado na Matriz de Nossa
Senhora da Vitória do Piauí de Cima em toda ela Vigário da Vara, pelo
ilustríssimo Sr. Dom Manuel Álvares da Costa, Bispo de Pernambuco e do Conselho
de Sua Majestade, que Deus guarde:
“Certifico que sendo esta minha Freguesia muito dilatada pelas grandes
distâncias, principalmente a ribeira dos Longases, aonde não podia desobrigar a
tempo de acudir com os Sacramentos nas necessidades dos meus fregueses
residentes nela, pelos muitos rios que tem em meio para esta minha igreja,
requeri ao Sr. Bispo de Pernambuco, mandasse fazer Igreja curada na dita
ribeira dos Longases, por assim convir ao serviço de Deus, Nosso Senhor, ao que
deu logo cumprimento. O dito Sr. Bispo mandou-me ordem para a poder fazer e,
indo a esta parte, convoquei os principais moradores e, tomando-lhes os seus
votos na parte que havia de erigir a nova Capela, que por invocação tem o nome
do Glorioso Santo Antônio, lhe não achei possibilidade pra fazerem, dando
várias desculpas pelos poucos escravos que tinham, e estando ocupados em
fazendas que tinham os seus donos na Bahia as não podiam desamparar. Nestes
termos, me vali do Coronel Bernardo de Carvalho que, com pronta vontade, buscou
um carapina a quem pagou, e foi pessoalmente com seus escravos ajuntar as
madeiras e os mais materiais, trabalhando o dito com grande zelo. E, com
efeito, fez a capela à sua custa, tanto de escravos como gastos, farinha e
dinheiro. E o acho com ânimo de gastar nela cabedal. Outrossim se me ofereceu
com o gado que necessitasse para a nova ereção desta Matriz de Nossa Senhora da
Vitória, e me prometeu 200$000 (duzentos mil reis) para uma Custódia para a
dita Matriz e que se custasse mais o daria”.
(MELO, Pe. Cláudio. Fé e Civilização, 1991, p.
47-8).
[Não obstante sua meridional clareza, acho
importante frisar: no documento acima transcrito o padre Tomé de Carvalho
declara que para a construção da igreja sob a invocação do Glorioso Santo
Antônio fez reunião com os principais moradores do lugar, mas que nenhum quis
ou pôde ajudá-lo; que nestes termos se valeu “do Coronel Bernardo de Carvalho que, com pronta
vontade, buscou um carapina a quem pagou, e foi pessoalmente com seus escravos
ajuntar as madeiras e os mais materiais, trabalhando o dito com grande zelo. E,
com efeito, fez a capela à sua custa”. Essa afirmativa, por si só, demonstra que o
templo ficava perto da sede da fazenda ou da residência de Bernardo.]
Recentemente uma voz discordante afirma que a Fazenda Bitorocara ficava, aproximadamente, onde hoje estão situados os municípios de São Bernardo – MA, Luzilândia e Campo Largo, os dois últimos no Piauí. O imóvel ficava em ambos os lados do rio Parnaíba. O defensor dessa hipótese parte do pressuposto de que o Arraial Velho e Bitorocara seriam termos sinônimos, e se fundamenta no fato de que Miguel de Carvalho e Aguiar, filho do Senhor de Bitorocara, teria herdado a sesmaria de Arraial Velho de seu pai, conforme documento existente em Belém do Pará, cuja propriedade em favor de Miguel foi confirmada em 1739. Essa informação é verídica e está devidamente documentada. Só um louco ou mistificador a negaria. Aliás, essa notícia é antiga, e já está inserida no livro Cronologia Histórica do Estado do Piauí, da autoria de F. A. Pereira da Costa, cuja primeira edição data de 1909.
Contudo a hipótese de que Bitorocara ficava no rio
Parnaíba, na altura de São Bernardo, Campo Largo e Luzilândia, não pode
prosperar, e muito menos se estabelecer como verdade, pelos motivos que
passarei a expor de forma sintética.
Primeiro, Arraial (velho ou não) nunca foi e não é
sinônimo de Bitorocara. É apenas um topônimo genérico, e que designa vários
locais do Brasil, e mesmo do Piauí. Assim, no nosso estado existiram vários
arraiais, entre os quais cito o que deu origem a Jerumenha, o dos aroases, o
dos paulistas, o de Nossa Senhora da Conceição, o dos Ávilas, o que originou a
atual cidade e município de Arraial e, evidentemente, o arraial que se formou
no entorno da Fazenda Bitorocara e da igreja de Santo Antônio do Surubim, nela
situada, etc.
O certo é que o Arraial Velho que deu origem à
cidade de São Bernardo (MA) não é e nem poderia ser o arraial velho que formou
a cidade de Campo Maior.
Por outro lado, em termos cronológico e documental,
Bitorocara jamais poderia se referir ao Arraial Velho do rio Parnaíba, uma vez
que o documento a este referente data de 1739, enquanto a referência à fazenda
Bitorocara, feita pelo padre Miguel de Carvalho é datada de 1697, conforme seu
relatório, publicado sob o título de Descrição do Sertão do Piauí.
Ademais, o seu autor, Miguel de Carvalho, em sua
desobriga, que relatou nesse documento, percorreu apenas as terras que ele
entendia como pertencentes à freguesia de Nossa Senhora da Vitória, conforme
explicitou o padre Cláudio Melo em seus comentários (v. bibliografia): “Outras
porções do território piauiense também eram habitadas, mas ficaram excluídas
desta Descrição; é o caso dos sertões do Parnaguá (que ficariam na jurisdição
de outra freguesia a ser instalada) é o caso do baixo Longá, Piracuruca e
litoral que já estavam assistidos pelos Filhos de Santo Inácio, na Ibiapaba.”
Ora, se o padre Miguel de Carvalho sequer percorreu
todo o território do atual estado do Piauí, com muito mais razão não poderia
ter ido até os atuais municípios de Brejo e de São Bernardo, no Maranhão (em
cuja região veio a ser situado o Arraial Velho), que pertenciam a outra
jurisdição eclesiástica. Consequentemente, a fazenda Bitorocara a que ele se
referiu em seu relatório ficava mesmo no rio Longá, perto de onde fica a atual
cidade de Campo Maior.
Em consequência o arraial militar, ou arraial ou
ainda arraial velho referente a Campo Maior, que se formou no entorno ou perto
da Igreja de Santo Antônio do Surubim, não pode, em hipótese nenhuma, ser
confundido com o Arraial Velho maranhense, localizado perto do Parnaíba. Mesmo
porque Bernardo de Carvalho e Aguiar, último mestre de campo das Conquistas do
Piauí e do Maranhão só se mudou para a atual cidade de São Bernardo, da qual é
considerado fundador, em 1721, quando deixou o seu cargo.
A fazenda Bitorocara, portanto, ante tudo o que
expusemos, ficava na confluência dos rios Longá, Surubim e Jenipapo, o que,
admitamos, era estratégico, uma vez que haveria suprimento de água para consumo
humano e do gado, e para a formação de pastagem, além de que seriam evitados
problemas com eventuais confrontantes, porquanto os limites ficariam bem
estabelecidos por esses cursos d’ água.
Caro Irmão da Confraria dos Templários Bernardianos José Pedro Araújo,
ResponderExcluirObrigado pela força e solidariedade nesta justa causa.
Abraço,
Elmar Carvalho
Irmão menor
Prezado amigo,
ExcluirEstamos juntos nesta causa, com as bênçãos de Santo Antonio de Surubim, para o restabelecimento da histórica verdade.
JP
Cavaleiro sem cavalo.