segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Os Sebos Resistem

 Inglaterra, século XIX - Carroça com livros usados


Em setembro de 2014 fiz uma viagem com um grupo de amigos para Curitiba. Bela cidade sulista que encanta pelo clima, pelo verde, pelos parques, pela gente bonita, enfim, pela preocupação que os administradores locais têm demonstrado por sua gente. Admirado pela última parte do período? Pois, só posso fazer justiça a quem administra uma cidade em que os serviços públicos parecem funcionar a contento, ou na qual os nativos possuem tantos parques espalhados por ela para praticar esportes ou simplesmente admirar o luxuriante verde das suas árvores.

Mas, voltemos ao assunto que o título acima nos remete: os Sebos. Nessa mesma viagem fiquei alojado em um bom hotel no centro da cidade que tinha algo que melhorava ainda mais a sua localização: um grande e bem organizado Sebo bem na sua frente. Pelo menos para mim, isso foi de uma alegria sem par. Para os outros colegas de viagem, mais preocupados em conhecer os pontos de maior atração da cidade ou da região, talvez nem tanto. E para aquelas pessoas que viajam mais com o propósito de fazer compras, ai a resposta fica mais fácil: não devem ter visto as vitrines parcamente iluminadas do grande Sebo. Pois ele atraiu o meu olhar logo na chegada, ainda de dentro do ônibus que me levou do aeroporto até ali.

Investi algumas horas da minha estadia na cidade compulsando os velhos livros, lendo suas orelhas, admirando-lhes o estado de conservação. E trouxe de lá alguns quilos a mais na minha bagagem. E enquanto isso, a maior parte do nosso grupo devassava a cidade em busca dos shoppings centers. A mim me bastava aquele espaço circunspecto, quase na penumbra. Mas, infelizmente, tinha que acompanhar a minha companheira em outras andanças.

Outro dia, li em um dos belos textos publicados pelo maranhense Josué Montello no qual ele falava que as livrarias do centro do Rio de Janeiro, entre elas os chamados Sebos, estavam desaparecendo. Algumas com mais de um século de existência, estabelecidas na Rua do Ouvidor ou na São José, era ponto de encontro das principais estrelas da literatura nacional, desde a maior e mais reluzente delas, Machado de Assis.

Tenho lido e visto em programas de TV direcionados à literatura, que o preço dos aluguéis tem contribuído para o fechamento de muitas livrarias Brasil afora, mas, e principalmente, os Sebos. Em excelente matéria publicada no Blog da Folha Universitária, há também referência a este problema, e nela o proprietário do Sebo Berinjela, Daniel Chomski, livreiro desde 1994, relata que “presenciou o fechamento de pelos dez sebos nos últimos cinco anos”. É grave, porque Sebo é cultura, e cultura a preços baixíssimos. Um livro que custa por volta de 40 ou 50 reais nas livrarias pode valer apenas 10 reais nos Sebos. Ou até menos, dependendo da paciência do garimpeiro. Nessa mesma matéria está dito que o Sebo apareceu por volta do século XVI, e neles os pesquisadores adquiriam papiros ou documentos para dar suporte aos seus trabalhos.

O nome, Sebo, surgiu ainda em passado remoto, período em que não existia ainda a luz elétrica. E por esta razão, e também por ficarem em locais apertados e escuros, usavam-se velas para ler os textos antes da sua aquisição. E assim, aqueles mais concentrados na leitura, deixava a cera derretida das velas pingar sobre as páginas dos livros, dai adveio o nome.

Tenho adquirido alguns bons livros que hoje se encontram fora do catálogo das livrarias. Alguns muito baratos, outros nem tanto. Mas todos de altíssimo valor para mim. Nas minhas garimpagens encontrei relíquias de valor inestimável, como o antiquíssimo A General Description of The State of Piauí, do Dr. José Antônio de Sampaio, fundador da fábrica de laticínios instalada no interior do município de Oeiras, hoje Campinas do Piauí, ainda em finais do século XIX. O livro, por ser raro, e também por possuir encadernação luxuosa, custou-me caro, naturalmente. Sua encadernação é de 1905, e nele o insigne e desabusado engenheiro traça um comparativo entre as terras das fazendas estaduais com as da Argentina ou da Austrália, com evidentes vantagens para as nossas. Mas, tenho adquirido também obras importantes por preços irrisórios, para alívio das minhas combalidas finanças.

Tenho um jovem amigo, residente em São Luís, que além do papel de editor e proprietário de uma excelente livraria, denominada Resistência Cultural, também comercializa livros raros, que estão fora do catálogo. Reduto dos aficionados por literatura, a Resistência Cultural faz opção pelos melhores livros e pelos grandes autores. (www.resistenciacultural.com.br – Av. dos Holandeses, 2 – Calhau).

Mas não só de problemas vive esse tipo de comércio. Eles têm se reinventado e adotado novas estratégias para superar os ventos adversos. E assim apareceram alguns portais na internet para ampliar as vendas para outros mercados. Como a Estante Virtual(www.estantevirtual.com.br) que congrega mais de 1.400 sebos espalhados por esse imenso Brasil. O criador da ideia baseou-se na sua dificuldade para encontrar alguns títulos para utilizar na elaboração da sua monografia de conclusão de um mestrado, e dai nasceu um grande negócio.

Mas, nada se compara ao prazer da garimpagem manual dentro do ambiente de uma velha e penumbrosa livraria. Que os novos tempos não afaste de nós o prazer da convivência com as coisas simples e que só elevam o nosso espírito, como é o adentrar em um Sebo com bom estoque. Vida eterna aos Sebos!



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