José Pedro Araújo
Esquina da Travessa Doca Sereno com
Praça São Sebastião, coração do velho Curador, aqui ficava um dos endereços
mais conhecidos da cidade: o Bar Central.
As portas abertas para os dois endereços facilitavam a entrada dos clientes contumazes
que chegavam de todos os lados para cumprirem a agenda do dia. Podemos afirmar,
sem sombras de dúvidas, que era aquele o principal ponto de encontro da turma
que gostava de uma prosa regada à cerveja, das discussões políticas travadas
sem violência, dos arroubos sobre as conquistas do seu time de futebol
preferido e, até mesmo, da repercussão das principais fofocas que corriam a
cidade naquele dia. Acorria para lá também quem gostava de tomar um trago de
alguma bebida quente, de se regalar com uma dose de cachaça ou conhaque da sua
predileção ou, apenas, para fugir da solidão ou das reclamações da patroa. Do
mesmo modo, de todos os pontos da cidade chegavam também aqueles que não bebiam
nada, mas que adoravam participar das discussões que rolava por lá todo final
de tarde, começo de noite.
O ambiente era simples, mas,
aconchegante. Algumas mesas, cerca de quatro ou cinco, mantinham-se espalhadas
pelo ambiente e uma sequência de prateleiras pregadas às paredes para expor
todas as variedades de bebidas vendidas ali, chamavam a atenção do novo cliente
a um primeiro olhar. Perfilavam ao longo das tábuas corridas dezenas de tipos
de cachaça, vermutes, conhaques, assim como os vinhos mais populares - como o
conhecido Sangue de Boi - até os dois
tipos de cerveja que tomavam conta do mercado na época, Antarctica e Brahma.
Também formavam fila ao lado das bebidas alcoólicas, algumas garrafas de
refrigerante, sobretudo os mais consagrados, como a prata da casa, o bom guaraná Jesus, com seu rosa-choque contrastando com o amarelado das outras bebidas. E no
fundo, descansando os cotovelos em um velho balcão de madeira, ficava Manoel Cruz, o dono do local, em permanente estado de prontidão para atender a todos
os pedidos.
Xis com o bar erguia-se ereta rumo ao
céu de uma beleza ímpar, a eterna igreja de São Sebastião, pronta para receber
as mulheres dos consumidores que entupiam o Bar Central. Neste caso, enquanto
elas buscavam a salvação para as almas de todos os familiares, eles
esbaldavam-se entre tragos e conversações que varavam a madrugada, até que o
último cliente saía trôpego para a noite cálida, novamente em busca do regaço
da família.
Aquele local funcionou assim por
muitos e muitos anos, até que o proprietário resolveu seguir o chamado incisivo
da fortuna que acenava libertina e convidativa para ele: haviam descoberto, por
aquela época, o ouro de Serra Pelada, no Pará. Como a maioria dos homens
daquela região, sobretudo os que não tinham um emprego fixo ou um
empreendimento de maior porte, partiu o bom Manoel para aventurar a
sorte nas matas desconhecidas da Amazônia brasileira, deixando atrás de si, com
as portas cerradas, o mais charmoso barzinho da cidade. Também às suas costas,
ficaram dezenas e dezenas de bebedores na orfandade, saudosos e a reclamar da
falta que lhes fazia o aconchegante e bom local aonde iam para relaxar das
correrias da vida.
Ainda tentaram estabelecer um ponto de
encontro para a juventude naquele local. Derrubaram as paredes do velho Bar
Central, modernizaram o ambiente, retiraram as garrafas das prateleiras na
parede e puseram garçonetes bonitas para atender à freguesia. Tudo muito bom, tudo
muito legal. Vieram os jovens com as suas conversas sobre a modernidade do
mundo, desfilaram a moda, enturmaram-se, comeram, beberam e, depois, foram-se
embora, a maioria para não mais voltar. Pois os jovens são como aves de
arribação: algumas sempre voltam, outras não. Formaram novo bando, em outro
lugar. E o novo bar fechou para sempre. Morreu por infidelidade dos clientes. Por
falta também das discussões sobre futebol e política, mas, especialmente, pela
ausência do charme que possuía o atraente Bar
Central.
Um amigo, antigo frequentador do local,
marcava ponto lá até mesmo aos domingos. Evangélico, sai da igreja diretamente
para lá, aonde os amigos já aguardavam por ele para mais uma rodada de conversa.
Pouco bebia, apenas um ou outro copo de cerveja, e apenas para matar a sede.
Dizia ele que o Bar Central era o local mais aprazível da cidade, além de funcionar
como uma espécie de parlamento informal.
Como a Itabira de Carlos Drummond de
Andrade, o querido e aconchegante Bar
Central é, hoje, apenas “um retrato na parede. Mas como dói”. O prédio antigo foi demolido, e em seu lugar foi erguido outro, onde funciona uma butique de moda, como aparece na foto que ilustra este texto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário