sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Bar Central

José Pedro Araújo


Esquina da Travessa Doca Sereno com Praça São Sebastião, coração do velho Curador, aqui ficava um dos endereços mais conhecidos da cidade: o Bar Central. As portas abertas para os dois endereços facilitavam a entrada dos clientes contumazes que chegavam de todos os lados para cumprirem a agenda do dia. Podemos afirmar, sem sombras de dúvidas, que era aquele o principal ponto de encontro da turma que gostava de uma prosa regada à cerveja, das discussões políticas travadas sem violência, dos arroubos sobre as conquistas do seu time de futebol preferido e, até mesmo, da repercussão das principais fofocas que corriam a cidade naquele dia. Acorria para lá também quem gostava de tomar um trago de alguma bebida quente, de se regalar com uma dose de cachaça ou conhaque da sua predileção ou, apenas, para fugir da solidão ou das reclamações da patroa. Do mesmo modo, de todos os pontos da cidade chegavam também aqueles que não bebiam nada, mas que adoravam participar das discussões que rolava por lá todo final de tarde, começo de noite.

O ambiente era simples, mas, aconchegante. Algumas mesas, cerca de quatro ou cinco, mantinham-se espalhadas pelo ambiente e uma sequência de prateleiras pregadas às paredes para expor todas as variedades de bebidas vendidas ali, chamavam a atenção do novo cliente a um primeiro olhar. Perfilavam ao longo das tábuas corridas dezenas de tipos de cachaça, vermutes, conhaques, assim como os vinhos mais populares - como o conhecido Sangue de Boi - até os dois tipos de cerveja que tomavam conta do mercado na época, Antarctica e Brahma. Também formavam fila ao lado das bebidas alcoólicas, algumas garrafas de refrigerante, sobretudo os mais consagrados, como a prata da casa, o bom guaraná Jesus, com seu rosa-choque contrastando com o amarelado das outras bebidas. E no fundo, descansando os cotovelos em um velho balcão de madeira, ficava Manoel Cruz, o dono do local, em permanente estado de prontidão para atender a todos os pedidos.

Xis com o bar erguia-se ereta rumo ao céu de uma beleza ímpar, a eterna igreja de São Sebastião, pronta para receber as mulheres dos consumidores que entupiam o Bar Central. Neste caso, enquanto elas buscavam a salvação para as almas de todos os familiares, eles esbaldavam-se entre tragos e conversações que varavam a madrugada, até que o último cliente saía trôpego para a noite cálida, novamente em busca do regaço da família.  

Aquele local funcionou assim por muitos e muitos anos, até que o proprietário resolveu seguir o chamado incisivo da fortuna que acenava libertina e convidativa para ele: haviam descoberto, por aquela época, o ouro de Serra Pelada, no Pará. Como a maioria dos homens daquela região, sobretudo os que não tinham um emprego fixo ou um empreendimento de maior porte, partiu o bom Manoel para aventurar a sorte nas matas desconhecidas da Amazônia brasileira, deixando atrás de si, com as portas cerradas, o mais charmoso barzinho da cidade. Também às suas costas, ficaram dezenas e dezenas de bebedores na orfandade, saudosos e a reclamar da falta que lhes fazia o aconchegante e bom local aonde iam para relaxar das correrias da vida.

Ainda tentaram estabelecer um ponto de encontro para a juventude naquele local. Derrubaram as paredes do velho Bar Central, modernizaram o ambiente, retiraram as garrafas das prateleiras na parede e puseram garçonetes bonitas para atender à freguesia. Tudo muito bom, tudo muito legal. Vieram os jovens com as suas conversas sobre a modernidade do mundo, desfilaram a moda, enturmaram-se, comeram, beberam e, depois, foram-se embora, a maioria para não mais voltar. Pois os jovens são como aves de arribação: algumas sempre voltam, outras não. Formaram novo bando, em outro lugar. E o novo bar fechou para sempre. Morreu por infidelidade dos clientes. Por falta também das discussões sobre futebol e política, mas, especialmente, pela ausência do charme que possuía o atraente Bar Central.
Um amigo, antigo frequentador do local, marcava ponto lá até mesmo aos domingos. Evangélico, sai da igreja diretamente para lá, aonde os amigos já aguardavam por ele para mais uma rodada de conversa. Pouco bebia, apenas um ou outro copo de cerveja, e apenas para matar a sede. Dizia ele que o Bar Central era o local mais aprazível da cidade, além de funcionar como uma espécie de parlamento informal.

Como a Itabira de Carlos Drummond de Andrade, o querido e aconchegante Bar Central é, hoje, apenas “um retrato na parede. Mas como dói”. O prédio antigo foi demolido, e em seu lugar foi erguido outro, onde funciona uma butique de moda, como aparece na foto que ilustra este texto.
       
  

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