José Pedro Araújo
Já
afirmei que não fui fulminado – aqui estou para provar -, nem muito menos
arrebatado, pelo movimento de 1964. Aliás, pouco me lembro dos acontecimentos daquele
31 de março que incendiou as principais cidades desse imenso Brasil, com o som
metálico das lagartas dos tanques retinindo nos paralelepípedos das ruas,
enquanto o barulho das botas em ritmo marcial acelerado se elevava e encobria
os discursos inflamados dos poucos que se meteram a contestar a marcha
verde-oliva que tomava conta do país. No meu cantinho isolado do Maranhão,
fiquei longe de tudo, até mesmo das noticias radiofônicas que cruzavam nervosas os
céus e pousavam em alguns poucos rádios espalhados pelo sertão. Estava mais
interessado em rolar o Dial do velho ABC – A voz de ouro da minha casa, e parar
em alguma estação que veiculava uma música da moda. Nada de noticias sobre
política. Nem mesmo de esporte, naquele tempo. Estava pouco ligando para os
dois assuntos. Alienado? Melhor dizer que o menino de 10 anos estava mais
preocupado com outras coisas mais bonitas.
Meu
pai, vereador nessa época, passou a receber visitas de amigos e
correligionários, muitos nervosos e, tão por fora quanto eu, que só queriam
saber se o acontecido era bom ou ruim para o país e, de resto, para o velho e
isolado Curador. Não prestei muito atenção ao que diziam, só me lembro do
nervosismo de alguns com as noticias que chegavam até lá. Nas ruas, o grosso da
população levava a vida como se nada de anormal estivesse acontecendo, tão
distante estavam dos problemas do país, e mais preocupados com o preço do
arroz, do feijão e da carne que por aqueles dias andava muito alterado na
feira da cidadezinha. No colégio onde estudava, nadica de nada ouvi sobre
política. Tudo estava como “dantes no quartel de Abrantes”. Nenhum cochicho,
nenhum gesto de satisfação ou insatisfação por parte do corpo docente também.
Escrevo
isto neste momento, devido aos novos tempos que estamos atravessando, com a política tomando o espaço quase todo dos noticiários. Até mesmo as redes sociais estão
veiculando à larga noticias nervosas sobre a possibilidade de os militares
tomarem conta do país outra vez, desapeando do poder a presidente do país e o
seu vice. Tudo anda beirando a histeria, enquanto a turma da boquinha suga sem
dó nem piedade as tetas dantes gordas da nação, aproveitando o tempo que lhes
resta e o resto do leite que a vaca ainda carrega no úbere.
A
bem da verdade, pouco mudou em cidades como a minha naquele tempo. Apenas nas
capitais, em municípios considerados de segurança nacional e nas estâncias hidro-minerais
houve alteração no status quo, uma vez que nessas, os prefeitos passaram a ser escolhidos
pelo poder constituído. Nas corrutelas, os prefeitos e os vereadores
permaneceram os mesmos, não houve alteração. E logo, todos eles já estavam
rezando pela cartilha dos novos donos do poder. Tornaram-se revolucionários
desde criancinhas. Político é um bicho com muitos recursos de sobrevivência,
superando até mesmo o jumento, ultimo da espécie dos herbívoros a perecer em
caso de grave crise no meio ambiente.
Nem
mesmo quando se instalou na cidade um Batalhão de Engenharia do Exército – iam
fazer a estrada de Presidente Dutra a Porto Franco – houve qualquer alteração
na situação vigente. Ninguém reclamou de falta de liberdade, nem um só cristão foi
para as ruas defender o Presidente deposto pelo pessoal da caserna. Tudo
permanecia calmo como água de cacimba.
Alguns dirão
que não foi bem assim, esse mar de calmaria. Tivemos um deputado cassado, o
primeiro eleito no nosso município. E também alguns representantes da classe política foram levados à capital, coercitivamente, para prestarem algumas informações ao
comando militar. Mas, esses assuntos tiveram mais a ver com a política rasteira
que acontecia a época no município do que propriamente com questões
relacionadas ao conflito esquerda X direita, tão em voga na época.
A
propósito disto, lembro que os militares do exército recém-instalado na cidade
andaram fazendo suas rondas nas noites escuras do velho Curador. Mas o
objetivo era unicamente o da segurança pública, e não propriamente de
segurança nacional. E nessas ocasiões, para não perderem o hábito nem a viagem,
andaram descendo a borracha em alguns apreciadores da noite. Principalmente naqueles
que procuravam diversão nas casas de prostituição da cidade e, lá, depois de
entornar todas, faziam-se de valentes e passavam a riscar o chão com suas
amoladíssimas facas peixeira, ou até mesmo demonstravam a sua macheza disparando
um tresoitão para o alto. Alguns desses valentões também não devem sentir
saudades daquele tempo, uma vez que andaram levando boas e variadas bordoadas no
lombo. E para aqueles que sentiram o peso da mão dos milicos mais de uma vez, por
reincidência, a única saudade que ficou foi mesmo da humilde cidade, pois foram
forçados a sumir de lá.
Alguns
anos depois, quando sai para estudar fora, tomei contato com o período mais
duro do regime militar, inclusive quando fui fazer faculdade em Recife, uma das
cidades mais resistentes ao regime instalado. Nas universidades de Pernambuco,
em meio à estudantada, os partidos mantidos na clandestinidade iam buscar seus
adeptos mais aguerridos. Pude sentir isso claramente quando já estava em idade
mais avançada.
Somos bem próximos no que pertine aos janeiros e eu morava em Teresina quando da deflagração da Gloriosa. Fui na companhia de minha "Mãe Preta" (duvido que ela sinta-se ofendida por chamá-la assim, até adora), uma negra lavadeira de minha mãe que era muito mais irmã que uma serviçal e desfrutava do carinho fraterno de minha coroa, dos filhos de minha mãe sempre desfrutou do respeito e do carinho filial e sempre foi senhora de todas as regalias da casa e da intimidade familiar ao ponto de ainda hoje tê-la por minha "Mãe Preta" e sempre que vou a Campo Maior, vou aliviar a saudade que mora no coração, pois desde o óbito de minha mãe, ela não voltou à minha casa senão uma única vez e eu não pude vê-la naquela ocasião.
ResponderExcluirNaquele 31 de março por volta das 15:00h Dona Toinha me pegou pela mão bem coo ao meu irmão (falecido em 2002) e nos levou até à Avenida Frei Serafim onde assistimos às efusivas manifestações do povo teresinense. Teresina estava em festa e lembro-me bem de ter visto o Pavilhão Nacional tremulando em mastro colocado em um bangalô, uma das poucas construções de dois pavimentos então existentes em Teresina, cujos únicos prédios de mais de um pavimento eram o IAPC, o DER e o Tribunal de Justiça na Praça Deodoro. Só vi festa da qual eu pouco ou nada entendia, mas, via a alegria estampada nos rostos dos que vibravam ao som do Hino Nacional que eu tão bem conhecia e cantava junto.
Dez anos após, lá estava eu assumindo meu posto n o Glorioso Exército Brasileiro, a casa de formação de cidadãos. Tamanha foi a batalha que ao voltar do exaustivo exercício de campo após o termino do Curso Básico de Formação Militar de Soldado, ao desembarcar no quartel, reconhecendo que havia vencido e como um soldado que volta da guerra ajoelhei-me e osculei o solo (nunca havia visto uma cena daquelas, mas, sei porque a fiz). Eu via ali o meu pavilhão sagrado tremulando como a dizer-me "Você está em casa entre os seus irmãos e em segurança." Nunca imaginei que algum dia sentiria tanto prazer em ver a minha Bandeira Tremular. Ela é sagrada para os que amam à Pátria, não deve mesmo ser usada pela horda de apátridas que subvertem a ordem e tentam empurrar-nos goela abaixo a ideologia maldita que já assassinou oficialmente quase 200 milhões de seres humanos.
Eu estava lá, meu amigo e sei bem o que são essas carniças que aí estão. Eles não têm qualquer sentimento humano, nem mesmo para com os seus parceiros de insânia.
Que Deus nos livre desses malditos fazendo acordar o gigante adormecido antes que eles o façam ajoelhar-se para o sacrifício.
Boa noite.
Meu caro amigo, conheço parte da sua história, principalmente aquela que diz respeito à sua formação como cidadão digno e respeitável. Por esta razão, fico lisonjeado ao ver que ainda continuas a ler os nossos textos com a acuidade e a lucidez que lhe são tão peculiares. Por outro lado, vejo que, enquanto este escriba não passava de um menino tolo e envolto nos seus passatempos lúdicos, você já observava o mundo com olhos de grande observador dos problemas nacionais. Grande abraço.
ResponderExcluirFiquei encantada pela história, e mesmo que eu não tenha vivido esta época de segurança e patriotismo imagino que não fosse essa aterrorizante "ditadura" que assim intitulam...Prefiro chamar de regime militar essa época que me encanta ouvir falar.
ResponderExcluirObrigado. Continue acessando o nosso blog que tem o único objetivo de entreter e informar.
Excluir