Preciso justificar o título acima, uma
vez que sou maranhense e é no Maranhão que se pratica o melhor Bumba-meu-boi do
Brasil. Acontece que apenas na região da baixada maranhense, além da ilha de
São Luis, este folclore é largamente difundido. Nas outras regiões brinca-se de
forma esporádica, sem aquele apelo tão popular existente nas regiões acima
descritas. O que acontece com a região de Presidente Dutra, por exemplo, é que sofremos
forte influência cultural dos outros estados nordestinos e, apesar de gostarmos
muito do velho forró pé-de-serra, dos folguedos e de outras festas do gênero,
não existe entre nós a tradição dos grupos organizados de Bumba-meu-boi da
forma que existe mais ao norte do estado maranhense.
Pois, certa época, em meados dos anos
sessenta, fomos surpreendidos com a notícia de que o agitador cultural
Cobra-Preta estava arregimentando um grupo de brincantes para organizar um Boi.
A notícia correu rápido pelo Ginásio Presidente Dutra e logo a estudantada
estava pronta para ir verificar no local a novidade. De fato, constatamos a
veracidade da notícia. O terreiro havia sido organizado ali por trás do
Cemitério, em uma rua nova que acabava de ser aberta. Era um lugar de casas
simples, a maioria coberta de palha de babaçu, até certo ponto distante, mais
pudemos verificar que a notícia havia atraído muita gente ao local. Aliás,
antes mesmo de chegarmos lá, já era possível ouvir o rufar dos tambores,
pandeirões, o picado das matracas e o som de orquestra, numa mistura de todos
os ritmos que costuma separar os brincantes entre aqueles que preferem o boi de
matraca, os que gostam mais do boi de pandeirões e, finamente, aqueles que têm
predileção pelo boi de orquestra. Cobra Preta juntou tudo em um só.
No mais, estavam ali os vários
personagens que compõe o script da festa, como o Pai Francisco, a Catirina, a
Burrinha, o Índio, os Vaqueiros, os Cazumbás, o Dono da Fazenda, o Padre, o
Miolo, o Pajé, entre tantos outros personagens que enfeitam e tornam empolgante
a história do vaqueiro que matou o melhor boi do patrão para satisfazer a
vontade da mulher. Pela lenda, Catirina, mulher faceira, demonstrou a vontade de
comer a língua do principal animal do patrão e empurrou o marido para uma
grande enrascada. No local, é claro, estava o próprio boi, com suas cores,
desenhos e matizes formados por vidrilhos e miçangas. Havia também lá uma
mistura saudável de todas as classes sociais da cidade para presenciar os
ensaios que aconteceriam até o dia quinze de junho, quando então aconteceria o
batismo do boi.
De pronto, fiquei estupefato com a
beleza cênica, com o som emitido por aquela mistura de sotaques que se elevava
naquela aprazível noite de maio. Voltei muitas vezes ao local para acompanhar
aquela festa de cores e sons que tanto agrada ao nativo maranhense.
Naturalmente tudo tem um preço e eu tinha que gazetear algumas aulas para poder
acompanhar as peripécias do boi do Cobra Preta.
Não sei por quantos anos a festança se
repetiu, pois pouco depois tive de me retirar para estudar em outra cidade. Não
sei também se a tradicional festividade deixou raízes na cidade, mas não tenho
dúvidas em afirmar que o ritmo das toadas deixou saudades em mim e em tantos
quanto presenciaram a animação dos brincantes do primeiro Bumba-meu-boi criado
na minha cidade.
Em junho, os terreiros situados nos
diversos bairros da ilha de São Luís são incendiados com os sons dos batuques
de uma enormidade de sotaques de bois que infestam a cidade. Em junho também os
arraiais são instalados para a deflagração dos festejos juninos em todo o
nordeste brasileiro e os trios musicais compostos pela sanfona, zabumba e
triângulo, dão o tom da festa. No interior de parte do Maranhão também. Mas é o Bumba-meu-boi que se apresenta como o maior representante das festividades
juninas do Estado maranhense.
Ótimo texto! Recordar é viver.
ResponderExcluirObrigado, reminiscência de um garoto presidutrense. Senescência chegando, e as recordações explodindo com força.
ExcluirParabéns, mestre! Excelente texto, com os ingredientes da saudade dos tempos da minha infância. Remy Soares, Brasília - DF
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ExcluirFico agradecido de ver que o amigo e conterrâneo continua compulsando ai de BSB o nosso Folhas Avulsas. Grande abraço.