Braz, carroceiro-vereador do Recife |
José Pedro
Araújo
Passadas as eleições,
sobram as reclamações para quem perdeu, e as comemorações para quem ganhou. De
verdadeiro, temos o fato de que os candidatos que lograram resultados favoráveis
no pleito recém-realizado serão os responsáveis pelos destinos do nosso
município nos próximos quatro anos. E isso significa que a estes entregamos as
chaves e a senha do cofre que contêm o nosso dinheiro. Dinheiro necessário para
bancar as despesas com a educação, a saúde, a segurança, a conservação das
estradas e a limpeza das ruas, além de fazer face ao pagamento da folha dos
servidores municipais, deixando ainda os demais serviços públicos em perfeita
ordem de funcionamento.
E por esta razão, aproveitando
o fato de estarmos sob o fogo intenso da paixão político-eleitoral, vou tratar
de alguns casos ocorridos no país em tempos passados, procurando dar a eles um
pouco menos da sisudez que a matéria deveria ter.
Começo afirmando que
eleitor é bicho arredio. Você olha para a cara de um sujeito que conhece desde
pequeno e não consegue dizer se ele está falando a verdade quando diz que votou
em você. Não
dá para saber mesmo. Sobretudo se você não é bem aquele candidato experiente,
já banhado e enxaguado pelas urnas em eleições anteriores. Aí então não
consegue mesmo saber se o seu interlocutor está falando a verdade ou se está zombando
da sua inexperiência.
Mas eles têm razão
por agirem assim, meu caro amigo. A maioria já penou barbaridade nas mãos de
políticos inescrupulosos, o que justifica hoje estarem com um pé atrás. E ainda
bem que podem agir assim, com total independência, acobertados por novas salvaguardas
legais. E isso se deve ao aprimoramento
do processo eleitoral em nosso país.
Hoje, os eleitores
estão blindados quase que completamente contra o que se chamava antigamente de “voto
de cabresto”. Já é possível esconder em quem se votou, diferentemente do tempo
em que o voto era monitorado pelo chefe político até o momento em que era
depositado na urna. Quem não se lembra do tempo em que o eleitor, antes de ir
votar, passava pela casa do coronel, apanhava uma cédula eleitoral oficial já votada,
dirigia-se à sua secção, recebia a sua cédula em branco das mãos de um dos
mesários e, na cabine, colocava-a no bolso, depositando na urna aquela que
trazia consigo já devidamente preenchida? Depois, era só retornar à casa do
chefe político e devolver a cédula que recebera dos mesários. Esta seria
entregue a outro eleitor, que repetiria o mesmo procedimento. Estava consumado o tal voto de cabresto. Esse
processo se repetiria durante todo o dia da eleição, valendo para todas as secções
eleitorais do município. Assim, o que saia das urnas era a vontade do chefão e
não a do eleitor.
Mas, havia outras
maneiras pouco democráticas de se fraudar uma eleição. Em determinadas regiões
as eleições eram decididas de maneira muito mais simples do que esse jeito que
eu acabei de narrar. Em algumas cidades, os chefões da política local
simplesmente enchiam as urnas com os votos com os nomes de seus candidatos antes
mesmo que o processo de votação se iniciasse. Ou até mesmo depois, substituindo-se
os sufrágios depositados pelos eleitores, por outros preenchidos por eles mesmos.
Dizia-se que as urnas já estavam prenhes quando foram instaladas para coletar
os votos dos eleitores. Estão achando difícil de ocorrer isso? Pois aqui mesmo
no Curador, em uma eleição ocorrida há muitos anos, deu-se um caso até mais
esdrúxulo. Alguns partidários de determinado candidato, quando as urnas se
fecharam foram armar tocaia, ali na altura da Santa Maria, ao transporte que as
conduziria para Pedreiras, local da apuração. Assim, quanto o veículo passava
pelo local, foi impedido de prosseguir e as urnas tomadas das mãos dos
militares que as conduziam. Ato contínuo, os tais indivíduos se embrenharam no
mato, sumindo com o resultado do pleito. Juntamente como os militares que
transportavam as urnas, seguia o Juiz da comarca.
Bem, torna-se
importante esclarecer que este foi um processo muito grosseiro de se fraudar
uma eleição, e o resultado dessa ação terminou por colocar algumas pessoas na
cadeia, pela infantilidade e indignidade do ato, apenas para se dizer o mínimo.
Mas, existem milhares de outros casos, acontecidos em diversas partes deste
imenso país, que foram tão violentos quanto este, ou até mais, e que não
geraram nenhuma penalidade contra os seus executores.
É bem verdade que o
eleitor também tem demonstrado a sua revolta com os políticos sufragando alguns
nomes que nem ao menos constavam do processo eleitoral. Outros, até constavam, e
receberam grande votação como forma de protesto. No primeiro caso, temos o hipopótamo
Cacareco, que recebeu mais de 100.000 votos nas eleições de 1.958, suficiente
para elegê-lo para uma das 45 cadeiras da Câmara de Vereadores de São Paulo. Do
mesmo modo, o macaco Tião, um chimpanzé do zoológico Carioca, ficou em 3º lugar
na eleição para a prefeitura do Rio de Janeiro em 1988, obtendo mais de 400.000
votos. Obviamente, esses votos foram declarados nulos, uma vez que os votados
não constavam da relação de candidatos apontados como aptos a serem sufragados
nas eleições daqueles anos.
Mas há também o caso
do velho carroceiro do Recife (lá conhecido pejorativamente como Burro-Sem-Rabo),
Braz Batista, que arrastava sua carroça pelas ruas da cidade catando papelão
para vender. Foi eleito diversas vezes vereador da cidade, ocupando uma cadeira
no legislativo municipal por 16 anos. É bem verdade que ele recebeu votos de
protesto apenas na primeira vez em que se apresentou como candidato, votado
maciçamente pelos eleitores das classes média/alta residentes em Boa Viagem e
adjacências. Depois, como prestasse excelentes serviços aos mais pobres das
favelas da zona em que morava, voltou à Câmara Municipal do Recife, pelo menos
mais uma vez. Os eleitores terminaram por acertar na escolha, mesmo sem querer.
Braz até tentou ser deputado, mas os eleitores da capital o queriam mesmo era
na câmara municipal, e despejavam nele uma montanha de votos. E ele fazia
bonito. Ainda lembro-me de um velho caminhão que ele usava para prestar
serviços de mudança para as famílias pobres da periferia. Ainda tentou aumentar
os serviços, transformando um velho automóvel em ambulância, para transportar
doentes aos hospitais da cidade. Mas o Detran não permitiu e, vez por outra,
apreendia a sua assistência, para desespero do vereador.
Recentemente, nas eleições municipais de 2016, no meu Curador, um grupo de jovens desencantados com a situação política no município resolveu mostrar o seu descontentamento ou a sua força, vai saber, e lançaram o nome de um coveiro, figura muito conhecida nos botecos da cidade, para o cargo de vereador. Fizeram uma campanha tão empolgante que Ozenilson "O Infeliz", operário do serviço funerário, ficou com a segunda colocação entre os eleitos mais votados. E na primeira oportunidade, o eleito deixou as hostes das oposições e se bandeou para o grupo do prefeito, abandonando seus cabos eleitorais a ver navios. Veremos como fica o bravo coveiro nas eleições de novembro próximo.
Concluo dizendo que
um voto de protesto é um voto nulo, que não revela a responsabilidade que
devemos lhe dar. Diria mais, um voto sem o devido cuidado, pode se revelar uma
arma poderosa contra nós mesmos. Ao elegermos um candidato ou candidata ruim,
mal intencionado(a), estamos assinando um cheque em branco, repassando para ele
o nosso aval por todos os atos que ele vier a praticar. Estamos afirmando, na
verdade, que todos as ações adotadas pelo eleito, estão de acordo com o que pensamos
e que também faríamos daquela forma. Assim, quem usa o seu voto para protestar,
poderá está contribuindo para transformar a representação política da sua
região em algo que não cabe nem dentro de um zoológico. Mas, e se nos aparecer um Braz Batista? Aí acertamos em cheio na loteria eleitoral, é só o que eu posso responder.
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