quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Ainda Sobre Eleições (Partre 2)

Braz, carroceiro-vereador do Recife 


José Pedro Araújo

Passadas as eleições, sobram as reclamações para quem perdeu, e as comemorações para quem ganhou. De verdadeiro, temos o fato de que os candidatos que lograram resultados favoráveis no pleito recém-realizado serão os responsáveis pelos destinos do nosso município nos próximos quatro anos. E isso significa que a estes entregamos as chaves e a senha do cofre que contêm o nosso dinheiro. Dinheiro necessário para bancar as despesas com a educação, a saúde, a segurança, a conservação das estradas e a limpeza das ruas, além de fazer face ao pagamento da folha dos servidores municipais, deixando ainda os demais serviços públicos em perfeita ordem de funcionamento.
E por esta razão, aproveitando o fato de estarmos sob o fogo intenso da paixão político-eleitoral, vou tratar de alguns casos ocorridos no país em tempos passados, procurando dar a eles um pouco menos da sisudez que a matéria deveria ter.
Começo afirmando que eleitor é bicho arredio. Você olha para a cara de um sujeito que conhece desde pequeno e não consegue dizer se ele está falando a verdade quando diz que votou em você. Não dá para saber mesmo. Sobretudo se você não é bem aquele candidato experiente, já banhado e enxaguado pelas urnas em eleições anteriores. Aí então não consegue mesmo saber se o seu interlocutor está falando a verdade ou se está zombando da sua inexperiência.  
Mas eles têm razão por agirem assim, meu caro amigo. A maioria já penou barbaridade nas mãos de políticos inescrupulosos, o que justifica hoje estarem com um pé atrás. E ainda bem que podem agir assim, com total independência, acobertados por novas salvaguardas legais.  E isso se deve ao aprimoramento do processo eleitoral em nosso país.
Hoje, os eleitores estão blindados quase que completamente contra o que se chamava antigamente de “voto de cabresto”. Já é possível esconder em quem se votou, diferentemente do tempo em que o voto era monitorado pelo chefe político até o momento em que era depositado na urna. Quem não se lembra do tempo em que o eleitor, antes de ir votar, passava pela casa do coronel, apanhava uma cédula eleitoral oficial já votada, dirigia-se à sua secção, recebia a sua cédula em branco das mãos de um dos mesários e, na cabine, colocava-a no bolso, depositando na urna aquela que trazia consigo já devidamente preenchida? Depois, era só retornar à casa do chefe político e devolver a cédula que recebera dos mesários. Esta seria entregue a outro eleitor, que repetiria o mesmo procedimento.  Estava consumado o tal voto de cabresto. Esse processo se repetiria durante todo o dia da eleição, valendo para todas as secções eleitorais do município. Assim, o que saia das urnas era a vontade do chefão e não a do eleitor.
Mas, havia outras maneiras pouco democráticas de se fraudar uma eleição. Em determinadas regiões as eleições eram decididas de maneira muito mais simples do que esse jeito que eu acabei de narrar. Em algumas cidades, os chefões da política local simplesmente enchiam as urnas com os votos com os nomes de seus candidatos antes mesmo que o processo de votação se iniciasse. Ou até mesmo depois, substituindo-se os sufrágios depositados pelos eleitores, por outros preenchidos por eles mesmos. Dizia-se que as urnas já estavam prenhes quando foram instaladas para coletar os votos dos eleitores. Estão achando difícil de ocorrer isso? Pois aqui mesmo no Curador, em uma eleição ocorrida há muitos anos, deu-se um caso até mais esdrúxulo. Alguns partidários de determinado candidato, quando as urnas se fecharam foram armar tocaia, ali na altura da Santa Maria, ao transporte que as conduziria para Pedreiras, local da apuração. Assim, quanto o veículo passava pelo local, foi impedido de prosseguir e as urnas tomadas das mãos dos militares que as conduziam. Ato contínuo, os tais indivíduos se embrenharam no mato, sumindo com o resultado do pleito. Juntamente como os militares que transportavam as urnas, seguia o Juiz da comarca.
Bem, torna-se importante esclarecer que este foi um processo muito grosseiro de se fraudar uma eleição, e o resultado dessa ação terminou por colocar algumas pessoas na cadeia, pela infantilidade e indignidade do ato, apenas para se dizer o mínimo. Mas, existem milhares de outros casos, acontecidos em diversas partes deste imenso país, que foram tão violentos quanto este, ou até mais, e que não geraram nenhuma penalidade contra os seus executores.
É bem verdade que o eleitor também tem demonstrado a sua revolta com os políticos sufragando alguns nomes que nem ao menos constavam do processo eleitoral. Outros, até constavam, e receberam grande votação como forma de protesto. No primeiro caso, temos o hipopótamo Cacareco, que recebeu mais de 100.000 votos nas eleições de 1.958, suficiente para elegê-lo para uma das 45 cadeiras da Câmara de Vereadores de São Paulo. Do mesmo modo, o macaco Tião, um chimpanzé do zoológico Carioca, ficou em 3º lugar na eleição para a prefeitura do Rio de Janeiro em 1988, obtendo mais de 400.000 votos. Obviamente, esses votos foram declarados nulos, uma vez que os votados não constavam da relação de candidatos apontados como aptos a serem sufragados nas eleições daqueles anos.
Mas há também o caso do velho carroceiro do Recife (lá conhecido pejorativamente como Burro-Sem-Rabo), Braz Batista, que arrastava sua carroça pelas ruas da cidade catando papelão para vender. Foi eleito diversas vezes vereador da cidade, ocupando uma cadeira no legislativo municipal por 16 anos. É bem verdade que ele recebeu votos de protesto apenas na primeira vez em que se apresentou como candidato, votado maciçamente pelos eleitores das classes média/alta residentes em Boa Viagem e adjacências. Depois, como prestasse excelentes serviços aos mais pobres das favelas da zona em que morava, voltou à Câmara Municipal do Recife, pelo menos mais uma vez. Os eleitores terminaram por acertar na escolha, mesmo sem querer. Braz até tentou ser deputado, mas os eleitores da capital o queriam mesmo era na câmara municipal, e despejavam nele uma montanha de votos. E ele fazia bonito. Ainda lembro-me de um velho caminhão que ele usava para prestar serviços de mudança para as famílias pobres da periferia. Ainda tentou aumentar os serviços, transformando um velho automóvel em ambulância, para transportar doentes aos hospitais da cidade. Mas o Detran não permitiu e, vez por outra, apreendia a sua assistência, para desespero do vereador.
Recentemente, nas eleições municipais de 2016, no meu Curador, um grupo de jovens desencantados com a situação política no município resolveu mostrar o seu descontentamento ou a sua força, vai saber, e lançaram o nome de um coveiro, figura muito conhecida nos botecos da cidade, para o cargo de vereador. Fizeram uma campanha tão empolgante que Ozenilson "O Infeliz", operário do serviço funerário, ficou com a segunda colocação entre os eleitos mais votados. E na primeira oportunidade, o eleito deixou as hostes das oposições e se bandeou para o grupo do prefeito, abandonando seus cabos eleitorais a ver navios. Veremos como fica o bravo coveiro nas eleições de novembro próximo.
Concluo dizendo que um voto de protesto é um voto nulo, que não revela a responsabilidade que devemos lhe dar. Diria mais, um voto sem o devido cuidado, pode se revelar uma arma poderosa contra nós mesmos. Ao elegermos um candidato ou candidata ruim, mal intencionado(a), estamos assinando um cheque em branco, repassando para ele o nosso aval por todos os atos que ele vier a praticar. Estamos afirmando, na verdade, que todos as ações adotadas pelo eleito, estão de acordo com o que pensamos e que também faríamos daquela forma. Assim, quem usa o seu voto para protestar, poderá está contribuindo para transformar a representação política da sua região em algo que não cabe nem dentro de um zoológico. Mas, e se nos aparecer um Braz Batista? Aí acertamos em cheio na loteria eleitoral, é só o que eu posso responder.

Nenhum comentário:

Postar um comentário