segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Eleições - A Grande Festa da Democracia (Parte I)



José Pedro Araújo

Não se aflijam com o título acima. Não vou tratar exatamente sobre política partidária, mas sobre alguns acontecimentos ligados a ela. Para comprovar a minha total falta de habilidade em questões eleitorais, vou citar um caso acontecido que quase me fez perder a amizade de um grande amigo: certa feita, um amigo de nome Joãozinho veio me informar que era candidato a vereador naquelas eleições. Sem saber o que dizer, pois tinha convicção que aquele meu amigo tinha condições de ser muita coisa na vida, menos político. Não por lhe faltar atributos como honestidade e bons propósitos, mas por lhe faltar o mínimo de traquejo para desempenhar tal função. Achei de levar na brincadeira o assunto. E foi assim que lhe disse no mesmo instante: “Ótimo, já tenho até um slogan para a tua campanha. Veja só que beleza: Ruim por ruim, vote no Joãozim. Que tal, não é uma boa?”.

Meu amigo arregalou aqueles olhos azuis no meu rumo, demonstrando um misto de surpresa e decepção, e sapecou em cima da bucha: “esse ai tu usa quando for candidato a alguma coisa”. E não é que eu quase perdi o amigo! Joãozinho ficou um bom tempo chateado com o que considerou uma grande desfeita da minha parte. E eu, depois da reação dele, não pude nem lhe dizer que aquilo era uma brincadeira, que estava apenas surpreso com a notícia que ele havia me dado.

Pois bem, com o orgulho ferido, o meu amigo se lançou em campanha com uma vontade somente comparada aos famintos quando vislumbram um prato de comida à sua frente. Percorreu a cidade e o interior do município em busca de votos, palmilhando caminhos dantes totalmente desconhecidos para ele. Nem uma casa isolada, por mais distante que estivesse, era razão suficiente para o meu amigo fraterno deixar de visitá-la. Nessas caminhadas, além da palavra empenhada em busca de melhorias para a comunidade, sempre abria a bolsa e deixava alguns trocados para pagar alguns litros de pinga para a rapaziada. Matou boi erado e distribuiu a carne entre os seus futuros eleitores e, em certa comunidade, até leiloou uma bicicleta novinha em folha para os populares. Nessa localidade, enquanto a festa rolava, ele aproveitava para ir repassando alguns santinhos para a galera, com uma foto colorida que o retratava com uma cabeleira farta, do tempo em que ainda tinha cabelos. Antes que alguém fale em crime eleitoral, vou logo dizendo que naquele tempo tudo era possível, não tinha essa história de caixa dois, doação ilegal de campanha, essas coisas.

Pode-se dizer que o Joãozinho incorporou o espírito do político caçador de votos, aquele que só aparece em período de eleição. Mas que quando chega o tempo da corrida eleitoral, vai com toda a gana em busca dos sufrágios, estejam onde estiverem. E o meu amigo empolgou-se e abriu as burras, logo ele que não gastava o dinheiro dele com nada nesse mundo, e partiu para competir com os seus concorrentes mais conhecidos e traquejados no assunto.  

Fiquei de longe acompanhando o vai-e-vem do amigo com o coração partido. Será que eu era culpado por ele se achar naquela situação? – indagava sem resposta. E nesses momentos, vinha à minha mente a frase terrível que o havia magoado tanto e que eu achava que havia sido decisiva na luta que ele empreendia agora.  

Com a consciência pesada, decidi que votaria no Joãozinho. Não só isso: iria trabalhar para ajudar o amigo na campanha. E foi assim que no dia das eleições lá estava eu com uma pilha de modelos de cédula eleitoral com o número do meu candidato em mãos, praticando a chamada boca-de-urna. Outro crime? Pois é!

Havia, contudo, um problema real, para o qual não me toquei na época: eu era praticamente um desconhecido naquela cidade. Assim, prossegui determinado no meu trabalho de cabalar votos e, armado de muita confiança, fui distribuindo as cédulas eleitorais preenchidas com o número do Joãozinho a todos os prováveis eleitores que passaram por mim naquele dia. E, quando o meu estoque acabava, eu voltava para casa onde um grupo de pessoas da família estava trabalhando no seu preenchimento.  No final da manhã, eu já havia distribuído mais de quinhentas cédulas e gasto muita saliva com os prováveis eleitores. Fiquei muito empolgado.  

Continuei na parte da tarde com a mesma estratégia: cada pessoa que passava eu pedia que votasse no meu candidato, e lhe distribuía o papel com o número dele. E, na maioria dos casos, o simpático eleitor sempre dizia que votaria com certeza, pois até aquele momento estava indeciso, não sabia em quem votar. Então, à medida que ia aumentado a minha empolgação, pensei comigo mesmo: “Como é fácil conseguir votos, rapaz! Se a metade das pessoas que me garantiram votar no Joãozinho confirmarem a promessa nas urnas, o homem estará eleito com folga”!

Assim, no final da tarde, um pouco cansado e muito queimado pelo sol inclemente do verão, retornei para casa com a certeza de que o nosso candidato estaria eleito com uma excelente votação.

Bom, para encerrar a história sem mais delongas, esclareço que ficamos todos no aguardo da apuração que começaria somente no dia seguinte. A confiança na vitória era total. E quando disse isso ao meu amigo, ele apenas me olhou com aquele ar de vencedor, como a dizer: “Está vendo ai sabichão, quando acaba você não confiava na minha grande capacidade política. Quem é bom já nasce feito, meu filho, aprenda mais essa!”. E eu, humilhado por aquele olhar superior, me recolhi à minha insignificância, mas continuei achando que estava absolvido da brincadeira sem graça que havia lhe dito.

E, finalmente, começou a contagem dos votos para vereador. E à medida que a apuração avançava minha certeza na vitória ia murchando, qual balão de gás. Os votos do meu candidato estavam sumidos das urnas. Veio o final da apuração e os votos do Joãozinho não apareceram. Havíamos sido miseravelmente traídos pelos nossos eleitores. Apenas 45 honestos cidadãos haviam confiado seu voto ao meu candidato. Nem é preciso dizer que à medida que o tempo ia passando, aquele olhar superior do meu amigo ia se transformando em uma mistura de decepção e revolta. E eu, mais acuado ainda do que quando comecei com aquela brincadeira horrorosa, meti a viola no saco e sai em busca de uma gelada para acalmar o coração e espantar a decepção para longe. Candidatos, não se empolguem muito! Tá mais fácil, nos dias de hoje, caçar Pokémon do que votos. Eles estão escorregadios, eu diria mesmo, estão mais raros do que enterro de anão!


Nenhum comentário:

Postar um comentário