domingo, 26 de abril de 2015

Enfim, o pijama!


          Já disseram que a vida é uma escola. E termina por ser. Mesmo. Nascemos, aprendemos de tudo um pouco para podermos sobreviver nesse mundo de meu Deus. A mamar, nosso alimento primeiro; a andar, para não nos comportarmos como os primatas; a falar, para nos comunicarmos em um idioma falado pelos nossos; aprendemos, aprendemos, aprendemos… sobre tudo, enfim. Certo dia, recebemos um canudo de uma universidade qualquer e, achamos que estamos prontos para a vida. Ledo engano. A aprendizagem continua pelo resto dela. Até que recebamos o chamado definitivo.
          Comigo aconteceu assim também. Aprendi o trivial para sobreviver, aprendi uma profissão para ganhar o sustento. Escolhi uma mulher para seguir comigo a longa caminhada e, desta escolha, apareceram alguns rebentos para engrossar a comitiva e tornar a viagem mais doce e amena. Enfim, estava completo o grupo. Completo, eu disse? Que nada. Começou a entrar gente nova na família. Os sobrinhos, os filhos dos amigos, as noras, os netos. Acho que a comitiva nunca vai parar de aumentar. É certo que alguns vão ficar pelo caminho. Acredito até mesmo que serei o primeiro a deixar o grupo. Assim espero.
          Bom, quando comecei o texto não queria falar de chegadas e partidas. Queria falar que, após trinta e seis anos de prestação de serviços, enfim chegou a hora de pegar o meu boné e me separar dos colegas de trabalho. Sempre sonhei com esse dia. Queria não mais cumprir horário, prestar contas a ninguém, nunca mais ser cobrado por ninguém. Leria compulsivamente todos os livros que sempre quis ler, mas não encontrava tempo.
          Estou preocupado. Afinal, diariamente chegam centenas de novos e bons livros nas livrarias. Acho que sempre ficarei com aquele sentimento de que preciso de mais tempo para por a leitura em dia.
          Ainda não me desvinculei também completamente da rotina do trabalho. Pelo menos espiritualmente. Às vezes sonho com os preparativos de uma viagem a trabalho. Outras noites, sonho que se não me apressar chegarei tarde ao serviço. Ai acontece aquele estresse habitual. O fato é que ainda estou umbilicalmente unido com a rotina que construí durante trinta e seis anos.
          Aposentados têm suas regalias, dizem todos. Têm uma porção de leis a protegê-lo. Tem até lugar especial para estacionar, grande vantagem em uma cidade que está cada vez mais difícil encontrar uma vaga para deixar o carro. Tem também lugar especial em todas as filas que temos que enfrentar para viver comunitariamente. Mas, sabem, não consegui ainda usufruir dessas benesses. Tenho vergonha de chegar a um lugar e ir passando à frente de todo mundo que já se achava ali há muito tempo. E quando minha mulher reclama que eu não estou usando das minhas prerrogativas de sessentão, respondo inflamado: enquanto tiver força nas pernas não tomarei o lugar de ninguém nas filas!
          Acho que ainda não me aposentei. Mentalmente, pelo menos. E espero que isso ainda demore a acontecer. Porquanto, assim, sinto-me com forças nas pernas…

* Texto originalmente publicado no site Palavrasprabeber (www.palavrasprabeber.com.br)

2 comentários:

  1. Caro JP,
    Seja bem-vindo ao clã dos "vagabundos", como em má hora disse um dos mais valorosos integrantes de nossas hostes
    Curiosamente, também sonho com viagens a serviço e com cidades por onde passei.
    Infelizmente, ainda não tive tempo de não ter tempo... Sempre tenho algo a fazer... Principalmente livros a ler e tresler e novos velhos filmes a assistir, mormente agora que assinei a Netflix.
    Abraço,
    Elmar

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    1. Grande Poeta,
      Você sempre atento a tudo o que rola no nosso blog. Quero dizer-lhe que a reciproca também é verdadeira. Uma das primeiras coisas que faço ao abrir o meu blog é olhar se temos novidades no do Poeta Elmar. Agora aposentado, vejo que tens estado muito atuante, e a freguesia agradece. Dessa pena tem saído extraordinários textos. Grande abraço.

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