José Pedro Araújo
Criou-se em mim, desde sempre, uma
grande afinidade com a palavra “sertão”. Agradava-me tanto a sonoridade que ela
embutia, como o seu belo significado. No Aurélio, sertão significa ‘região
agreste, longe das povoações ou terras despovoadas’. Mas prefiro a definição de
Guimarães Rosa: “o sertão é dentro da gente”. Tudo a ver comigo, com a minha
ojeriza a multidões, a trânsito complicado, enfim, a gente em demasia.
Certa vez me deparei com o termo
“sertões de dentro” dos historiadores. Definia algo ainda mais interior, encravado
no mais profundo do Brasil desconhecido. Passei a gostar mais ainda de ‘ser
tão’ de lá de dentro.
Não bastasse já está firmemente
abraçado ao termo, João Guimarães Rosa me veio com um tal de Grandes Sertões –
Veredas. Um livro. Um estupendo livro. Foi demais. Descreveu ele o sertão de
forma magistral. Só ele mesmo para definir tão bem o vocábulo amado. E olha que
comecei mal a leitura desse livro, como já havia acontecido com outro sobre outro
sertão: o de Euclides da Cunha. Comecei a ler e... parei. Se no livro do
Euclides a razão foi a cansativa e avassaladora descrição geográfica do
ambiente em que a história se passava, no do Guimarães Rosa foi a avalanche de
neologismos e frases de trás pra frente. Isso tudo porque sertão para mim era
coisa simples, de fácil entendimento, fácil de sentir e gostar.
Mas, sertão também é coisa áspera,
campo de luta, habitat de bravos, foi o que compreendi depois. E assim voltei
aos dois livros. Ganhei nova alma com a minha persistência; senti-me mais
sertanejo ainda. Como diria o autor: “Ah, uma ideia que vale, ora veja! A gente
tem de conceber também, é o bom exemplo pra se aproveitar...” Entenderam?
Difícil, não?
A obra do Guimarães Rosa ficou para
sempre na minha memória e empurra-me sempre para a sua releitura. E ao lê-la
novamente, é como se estivesse me debruçando sobre ela pela primeira vez:
surpreendo-me a cada virada de página com algo novo. Então passo a me indagar
como aquilo me passou despercebido.
E quando pensei que já havia parado de
me surpreender com a história de Diadorim e Riobaldo, eis que uma dupla pra lá
de competente me surpreende novamente ao lançar a incomparável obra sertaneja em
quadrinhos. O roteirista Guazzelli e o quadrinhista Rodrigo Rosa fizeram um
trabalho primoroso ao eternizar na nona
arte esta obra basilar da literatura brasileira. Sem fugir aos termos e às
frases quase ininteligíveis da peãozada mineira, a dupla conseguiu produzir uma
obra monumental e de fácil compreensão. Foi paixão a primeira vista. Como sou -
os poucos que acompanham já sabem - um grande apreciador dos quadrinhos, foi
algo avassalador mesmo.
Fazer o que eles fizeram foi um ato
de coragem. E mesmo correndo grandes riscos ao passar para a graphic novels uma obra prima da língua
portuguesa, acredito que a dupla produziu um trabalho que beira à perfeição.
Pena que a triste e bela história de Diadorim e Riobaldo não poderá ser vista
por um contingente maior de leitores, uma vez que a sua tiragem é limitadíssima
e o seu preço de capa muito alto. Para mim, valeu a pena o investimento.
Comecei esta arenga – o termo é usual do mestre
Cineas Santos – com o propósito de reafirmar o meu amor e o meu respeito por
tudo o que diz respeito ao sertão e aos sertanejos, e terminei por propagandear
a obra publicada pela Biblioteca Azul. Iniciei o texto para dizer que voltar ao
meu sertão – termo que os meus concidadãos reinventaram e transportaram para a
palavra Japão – revigora-me e me deixa com a alma em regozijo. Nonada? Não, grandes
vivências, seo moço!
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