Cajueiro de Humberto de Campos, Parnaíba-PI |
Devo
confessar que não sou um grande apreciador do fruto do cajueiro, a não ser na
forma de doces ou na da inigualável Cajuína, verdadeiro néctar dos deuses.
Também a amêndoa do caju deve ser considerada uma das mais saborosas castanhas
existentes nos quatro cantos da terra, sobretudo quando bem torrada.
Entretanto, a árvore em si é uma das mais belas e luxuriosas. E o cheiro das
florezinhas? O que têm de pequenas, exultam em beleza. São verdadeiros rubis em
cachos, lançando um cheiro de eterna saudade no ar. O fruto também é de uma
beleza transgressora. Ao se apresentar dependurado nos galhos retorcidos da
frondosa árvore, traveste-se de uma profusão de cores e matizes que encantam
pela beleza do visual. E esse, contrastando com o verde brilhante das folhas
grandes e espalmadas, apresenta-se nas cores amarela, vermelha,
vermelha-amarela ou amarela salpicada de vermelho ou vice-versa. São tantas as
cores combinadas que precisaríamos de uma página inteira para descrevê-las
aqui. Pois somente na cor vermelha existe uma variação tremenda de matizes.
A
sensação de velha e resistente saudade que me causa o cajueiro, também acontece em muitas outras
pessoas, a julgar pela quantidade de homenagens que esta árvore tem recebido,
tanto na literatura, quanto na música. A começar pelo grande escritor
maranhense Humberto de Campos e pelo compositor também originário do Maranhão,
João Carlos, pai da cantora Alcione. Também o velho Luiz Gonzaga, em parceria
com o compositor Cecéu, homenageou o Anacardium
occidentale, planta xerófita de importância ímpar para o nordestino.
Resistente ao clima árido do nordeste, assim como a mangueira, o cajueiro floresce e dá
frutos exatamente no período mais crítico, quando as outras fruteiras padecem
pela falta de umidade no solo. Ai é o cajueiro quem aparece como verdadeiro
refrigério para o homem, para os animais e para os pássaros da região.
Em
Parnaíba, no Piauí, ai pelo final do século XIX, quando tinha apenas dez anos
de idade, Humberto de Campos plantou um cajueiro no quintal de casa e ao se
mudar para São Luiz do Maranhão para completar seus estudos, despediu-se dele
de forma melodramática, abraçando-o e prometendo voltar para revê-lo.
Recentemente estive naquela cidade e fui conhecê-lo: ainda está lá, centenário
e dando muitos frutos amarelos, como é possível ver na foto acima. As castanhas são grandes e cheias, prometendo
boas e saborosas amêndoas. Ao contemplar aquela árvore viçosa que deverá está
hoje com 118 anos, veio-me à lembrança um cajueiro que eu conheci na minha
infância, no meu querido Curador. Desde então nasceu a intenção de prestar-lhe
pequena homenagem na forma desta singela crônica.
A
árvore a qual me refiro, estava plantada em plena Praça Diogo Soares no lugar
onde depois foi erguida uma residência. Do velho cajueiro só sobraram as
lembranças vivas das tantas vezes em que me abriguei na sombra da sua copa para
fugir do sol abrasador que incendeia o meu sertão, sobretudo no verão. Quem o
plantou ali no meio da Praça, não posso dar conta. Sei apenas que, quando o
conheci, já estava árvore muito alta, de tronco possante e ereto, sustentando
centenas de galhos longos e esparramados. Ocupava uma área bastante grande com
a sua saia. Lembro-me ainda que
produzia frutos de um vermelho metálico e de uma doçura convidativa. Já um
tanto entrado na idade, a carga de cajus não era lá muito grande quando o
conheci, mas foi nele que aprendi a conhecer o que era um maturi ou uma muxiba,
palavras que identificam um fruto ainda verde ou outro já ressecado, repasto
anterior de alguma Pipira que recorria ao velho cajueiro para matar a fome e a
sede.
Vizinho
a ele também ficava o nosso campo de futebol, lugar onde corríamos incansáveis
atrás de uma bola naquelas manhãs e tardes ensolaradas. Os primeiros frutos que
ele dava ficavam, invariavelmente, na sua parte mais alta, dificultando
sobremaneira a sua colheita. Como sempre, o melhor petisco sempre fica muito
distante das nossas mãos. Assim, derrubar um deles com baladeira, nem pensar. Com a
queda perdíamos o belo fruto que se esborracharia ao chão, tornando-se
imprestável. A colheita, deste modo, devia ser feita com a mão, dificuldade que
só aumentava o seu valor. Até alguns anos atrás ainda sonhava buscando caju no
meu velho cajueiro.
Muitos daquela época também devem lembrar daquela árvore fantástica e de galhos que quase tocavam ao chão. Sob ele também nos reuníamos para contar histórias ou para contar as novidades daquela pequena cidade sem muitas notícias novas.
No próximo post continuarei a contar a história do cajueiro velho da Praça Diogo Soares. Falarei mais também sobre o antiquíssimo cajueiro de Humberto de Campos, plantado lá na Parnaíba.
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