Os habitantes de Presidente Dutra
sempre se ressentiram da ausência de atividades de lazer, especialmente as
crianças e jovens. Não possuímos um rio perene ou mesmo um lago que nos
favoreça a prática da natação, onde as famílias possam levar seus filhos para a
saudável prática de um dia de lazer ou um frugal piquenique na beira da água. E
quem já foi jovem um dia sabe o quanto um rio caudaloso, com suas águas
correndo a toda velocidade, atrai e nos convida a uma pescaria de anzol ou
mesmo a um bom mergulho.
Eu,
menino sonhador e adepto de primeira hora do banho em águas correntes, sempre
me senti tolhido no meu direito por não termos nenhuma aguada de porte, tendo
que aguardar o período invernoso quando as chuvas elevavam em muitos metros o
nível do riacho Firmino ou do Preguiça.
Mas,
como o título acima revela, não tenho a intenção de discorrer sobre água ou
banho em riacho. Referi-me, nos parágrafos acima, a esta atividade apenas para
mostrar o quanto nos faltava meios para uma diversão compatível com a nossa
idade na Presidente Dutra da minha infância. Não tínhamos nem ao menos um
ginásio poliesportivo para a prática de esportes com bola, tendo que recorrer
aos terrenos de várzea ou aos vazios urbanos reservados à construção de praças
para praticarmos o nosso inescapável futebol.
Mas,
eis que chega a nossa cidade um cidadão aficionado por cinema, chamado Ilnar
Pacheco, funcionário público, acho que coletor. Veio de Barra do Corda,
onde já possuía uma sala para projeção com o mesmo nome, para instalar em nossa
cidade o Cine Canecão. Isso se deu lá
para o final dos anos 60, quando o cinema também passava por transformações
profundas movidas por cineastas do porte de Luccino Visconti e Fellini, na
Itália, ou mesmo Gláuber Rocha, aqui no Brasil, em contraponto ao poderoso
cinema holliwoodiano. É bem verdade
que, antes, e de vez em quando, a cidade era despertada com a novidade do
lançamento de um filme, sempre em preto-e-branco, no Cine Paroquial, onde,
mesmo submetido a vários cortes das cenas de beijo, nos esbaldávamos com as
histórias contadas na tela. Do mesmo modo, certa vez assistimos a um filme projetado
ao ar livre em tela improvisada na quadra de futebol de salão do batalhão do
exército sediado àquela época na cidade. Randolph Scott estava exuberante em
seu cavalo branco. Babávamos ao ver o astro manejando suas duas pistolas com
cabos de madrepérola com verdadeira maestria. Impossível esquecer aquela noite
memorável. A meninada sentada no piso duro da quadra de cimento não perdia uma
cena sequer.
Mas
a chegada do Canecão entre nós trouxe-nos a tranquilidade do habitual em lugar
do transitório. Toda a semana tinha filme diferente na tela. Tínhamos também
uma máquina de projeção mais moderna e filmes bem mais atuais. Não os
lançamentos, as fitas assistidas nas grandes capitais, mas, aqueles
intermediários, com pouco mais de dois anos de lançamento nas melhores salas do
país. Outra coisa importante trazida pelo empresário barracordense, foi um
sistema de amplificadora de grande alcance, já que não possuíamos emissora de
rádio, onde os maiores sucessos do momento eram tocados à larga. Samuel Barros,
o projetista do cinema e disque-jóquei levava até aos rincões mais distantes, as
vozes dos Feevers, Jerry Adriani, Wanderlei Cardoso, Roberto Carlos, Os
Incríveis, Renato e Seus Blue Caps, estrelas cintilantes da época. Ouvir a amplificadora
tocar era deduzir de cara que teríamos filme novo na tela grande. Mas, mesmo
quando já havíamos assistido ao filme na sessão anterior, os jovens se
agrupavam na esquina do cinema, naquele tempo localizado na praça do mercado,
para conversar amenidades e arriscar alguma paquera. Belos tempos, belos dias,
como diria Roberto Carlos mais tarde, também relembrando seus tempos de
juventude.
Ver Gigliola Cinquetti sofrendo as agruras de um amor quase
impossível enquanto cantava a música Dio,
como te amo, ou o durão John Wayne
empunhar seu inseparável rifle Winchester para abater mais um facínora, como em
Rastro de Ódio, enchia-nos do
inominável e absoluto poder que a tela grande produz sobre nós. Certa vez, já
trabalhando em uma pequena cidade de nome Lago Verde, me chamou a atenção um
veiculo de som, desses volantes, convidando a população a assistir a projeção
de um filme imperdível, nas palavras
do exaltado locutor. Como na cidade não existia nenhum salão adequado ao
mister, o dono da companhia alugou as
dependências de um pequeno salão para a projeção. Compareci animado ao local
munido de um tamborete, pois no lugar não existiam bancos ou cadeiras. Pouco
apropriado para a realização de eventos dessa natureza, o salão possuía uma
série de colunas de madeira espalhadas em toda a sua extensão. E da melhor
posição que consegui, me vi atrapalhado por uma fileira delas cortando a tela
bem ao meio e me deixando com a sensação de que os personagens haviam sido partidos
longitudinalmente.
Mas, o que me
incomodou mesmo, foi que a fita, muito velha, e em preto-e-branco, projetada
por uma velha máquina em um pano estendido sobre uma parede de taipa com muitas
ondulações, quebrava sistematicamente. Quando a luz era acesa, contudo,
observava o estado de excitação em que plateia estava. Parecia maravilhada
diante da performance que o engraçado Mazzaropi desempenhava. Na frente, já
próximo a tela, muitas crianças se achavam sentadas no chão, quietas como nunca
ficavam, aguardando mais uma estripulia do velho ator para, ai sim, soltar suas
gargantas de inigualável prazer. Saí da
minha compenetração e me juntei aos meus companheiros de cinema. O prazer que
me trazia aquela película não era menor do que o que eles sentiam.
O cinema é algo tão
mágico, que tanto faz ocorrer em um local como aquele, desprovido de qualquer
conforto ou de um equipamento moderno de projeção, derrama do mesmo modo sobre
nós a dramaticidade de uma cena mais forte ou a ternura de um amor selado com
um beijo. E envolve-nos como se fizéssemos parte da trama. Pode ser
projetado em um local ao ar livre, em uma noite escura para facilitar o
contraste, ou em uma sala com poltronas de alto luxo, sempre traz consigo o
mesmo prazer ou a admiração quando a fita é boa.
Velho e querido Cine
Canecão, que me levava todos os meus trocados, frutos de duras batalhas para
consegui-los de meu pai ou de minha mãe. Não por pão-durismo, mas porque os
tempos eram de dificuldades para uma numerosa família do interior do Maranhão.
Velho e querido
cinema, introdutor da moda para as moças, que copiavam os vestidos usados por
suas atrizes prediletas, e para os rapazes que se baseavam em artistas do porte
de um James Dean, o rebelde-sem-causa com suas camisas de manga curta com duas
dobras, deixando à mostra os braços musculosos, ou quando vestia sua jaqueta
colorida e apresentava o cabelo engomado tal qual apareceu no filme Juventude Transviada.
O velho Cine Canecão
sempre será para mim o marco de um tempo feliz que não volta mais, como o velho
Cinema Paradiso foi para o menino
Totó, no filme italiano.
O site Turma da Barra traz alvissareira informação de
que o filho do antigo proprietário do Cine Canecão reabrirá as portas daquela casa
em Barra do Corda, agora com tecnologia digital. Quem sabe a sua índole empresarial
não o estimule a reabrir a filial de Presidente Dutra também! Qiém sabe!
Caro JP, sua crônica me fez recordar os cines Nazarareth, em Campo Maior, e o Éden, em Parnaíba.
ResponderExcluirSobre o primeiro escrevi texto de caráter memorialístico e sentimental, que publiquei na internet, logo depois do falecimento de Giuliano Gemma, grande astro do chamado faroeste macarrônico.
Paulo de Jesus
ResponderExcluirEh caro JP esse tempo tambem vivi, logo depois de Samuel assumi os projetores do cinema canecao, esse texto so me traz lembrancas daquela epoca boa que nao voltao jamais