Praia da Pedra do Sal (Fotografia extraída de roteirourbano.com) |
Reinaldo Coutinho
Escritor e Consultor Ambiental
Dizem alguns pesquisadores que há 3.000 anos os
intrépidos fenícios descobriram as terras piauienses, ao chegarem à praia da
Pedra do Sal, na Ilha Grande de Santa Isabel, no município litorâneo de
Parnaíba. Localizada cerca de 18 km ao norte da cidade de Parnaíba, a praia
alia inquestionável beleza natural a incríveis lendas e fenômenos
inexplicáveis. É um ambiente místico e revelador...
A exuberante praia tem sua monotonia agradavelmente
quebrada por um monumental afloramento granítico em cerca de 3.000 metros
quadrados de área, que se destaca da planície aluvionar recente. Muitas porções
deste maciço ígneo se desagregaram do corpo principal por erosão, constituindo
enormes e belíssimos matacões, que se espalham pela orla. Este aglomerado
caótico divide a praia em duas partes e propicia uma feição típica e inigualável
naquele prodígio da natureza, decantado por apaixonados poetas. As porções
d’água salpicadas pelas ondas, ao preencherem pequenas concavidades da rocha,
lentamente evaporam, deixando uma delgada camada de sal, origem da denominação
da praia.
Há um intrigante mistério na Pedra do
Sal que evoca antigas e misteriosas civilizações ou, para outros, resquícios da
presença jesuítica na região. Trata-se do enigmático Buraco do Djalma,
situado ao lado dos matacões. Consta na tradição popular recente que no início
dos anos 1950 os raros pescadores residentes nas proximidades presenciaram uma
série de inusitados acontecimentos. Vários deles foram contratados por dois
senhores da cidade para uma estranha obra: escavar um ponto predeterminado
entre algumas pedras. Os empreiteiros eram Cândido (advogado) e Valdemar
(Comerciante).
O local da misteriosa escavação foi totalmente
cercado por lona e madeira, para não dar margem a observações ocasionais de
curiosos. Foi então escavado um túnel de cerca de 10 metros de profundidade e
que, a certo ponto, se bifurcava. Na verdade, parece que eles estavam mesmo a
desentulhar uma antiga e obstruída rede de subterrâneos artificiais construídos
sabe-se lá por quem ou em que época.
Tudo concernente às escavações se passava no mais
absoluto sigilo e cercado de segurança. O que procuravam tão avidamente os dois
empreiteiros, sob o véu de tantos segredos e árduo trabalho? Nada era explicado
aos humildes trabalhadores, que tratavam apenas de executar suas tarefas e
receber seus proventos. O local ficou conhecido como Subterrâneo dos
Jesuítas ou Buraco do Djalma. Adiante veremos o porquê destes nomes.
As tradições confusas sobre o caso nos levaram a
procurar, em fevereiro de 1999, alguma testemunha ocular da escavação. Não foi
muito difícil uma pista pelos barzinhos da praia. Ouvimos uma referência a um
pescador conhecido pelo apelativo de Seu Mela. Morador do local, não foi
difícil encontrar o Sr. Raimundo Roberto da Costa, um caboclo inibido e de
pouca fala, de uns 60 anos naquela época. Mesmo sem uma clara noção da época do
ocorrido, Seu Mela nos forneceu interessantes dados sobre o mistério do
subterrâneo. Explicou-nos que ele e alguns companheiros, contratados por
Valdemar e Cândido, quebravam pedras com marretas e explosivos, retirando seus
pedaços e areia para a superfície através de baldes.
O mais estranho de tudo é que vez por outra os dois
chefes mandavam os trabalhadores saírem do túnel e ficavam a sós lá embaixo.
Ninguém sabia explicar o que faziam ou se recolhiam algo nestes momentos. As
especulações são variadíssimas e desencontradas. É evidente que, para a
mentalidade simples e limitada dos pescadores simples da região, tratava-se de
uma botija de tesouro! Ou seria mesmo?
Homem simples e de pobre expressão descritiva, Seu
Mela teve dificuldades de nos explicar em que consistia o túnel e o que por
lá realmente se passava. Mas conseguimos entender que o trabalho efetuado era
mesmo a desobstrução de um antigo subterrâneo artificial, totalmente arruinado.
As galerias possuíam altura suficiente para um homem em pé e cerca de um metro
de largura. O pescador nos afirmou que ali havia paredes feitas com cimento, o
que pode livremente ser entendido talvez por pedras e argamassa.
- O
Sr. Acredita que seus dois patrões descobriram mesmo algo de valor ali embaixo?-
Indagamos ao pescador.
- Acho
que sim, pois gastaram muito dinheiro nas escavações. Os trabalhos duraram
muitos meses. Não lembro bem. Tinham que gastar muito dinheiro com marretas,
pás, picaretas, cordas, explosivos, lanternas comida e ainda pagar a gente. Eu
acho que eles só faziam isso porque tiravam alguma coisa valiosa dali. Mas nem
eu nem os outros nunca soubemos o que foi”.
Posteriormente, teriam assumido os trabalhos do
túnel os senhores Gastão e Djalma, este tio de Valdemar. Dele se originou a
denominação do túnel, Buraco do Djalma. Hoje o local está totalmente
plano e entulhado por areia.
Foi tudo o que conseguimos extrair de Seu Mela.
Todos os pescadores mais velhos da praia conhecem a história. Há, porém, grande
imprecisão nas datas e nos pormenores. Afinal, o caso se tornou lendário...
Nós não nos conformamos com as informações
restritas de Seu Mela. Mesmo porque percebemos que ele não nos contava o caso
com segurança, aparentando muitas contradições. Pareceu-nos que o pescado
apenas vivenciou a obra como testemunha ocular há 50 anos, quando era um
garoto. Publicamos uma página inteira sobre o caso no jornal Meio Norte
de Teresina e no ano de 2000 resolvemos voltar à investigação novamente in
loco.
Ali, na cinematográfica praia piauiense, nossas
novas indagações, mais detalhadas, nos levaram a um antigo pescador, Francisco
Gomes de Oliveira, conhecido como Chico Biô. Trata-se de um cidadão na época
(2.000) com seus 65 anos bem conservados pela dura, mas saudável vida no mar. E
que foi um dos operários do subterrâneo. Deste tivemos atestados incontestes da
população local.
Disse-nos
ele em sua casa:
- Trabalhei
lá dentro e também fora, na ventoinha. Aqui na Pedra do Sal só quem pode dizer
que trabalhou lá foi eu.
- Em que
ano foi isso?-
Indagamos.
- Acho
que foi em 1950... Acho que foi em 1952... Eu sei bem que eu era rapaz. Era o
Djalma e o Gastão.
- E o Seu
Mela? Ele nos disse que também trabalhou lá. - Interrompemos.
- O Seu Mela não trabalhou lá, não! Da Pedra
do Sal e desta encosta quem disser que trabalhou lá pode chamar de mentiroso, e
que foi eu, o Chico Biô quem disse. Daqui só o Chico Biô
trabalhou lá. Os outros não eram daqui. Eram lá da salina da Amarração. Era o
Davi, o Gentil e o Chico-Dente-de-Ouro. Eles trabalharam lá dentro no
porão. No começo eu trabalhei lá embaixo. Depois eu subi para trabalhar na
ventoinha, lá na boca, pra botar ar pra eles lá embaixo. Eles tiravam a terra
com baldes. A gente mergulhava numa passagem por baixo de uma pedra com uma
lanterna acesa pra não perder o rumo e largar a cabeça numa pedra.
- E o que tinha lá em
baixo?-Indagamos.
- Olha, lá quando começava a trabalhar, o
canalzinho era mais largo do que uma porta como essa aqui. Era uma massa metida
dentro. Era feito como uma parede. A gente ia abaixado, meio curvado. Agora, lá
mais pra frente tinha mais vaga, que dava pra tirar aquela massa todinha. A
gente botava tudo pra fora e às vezes o negócio apertava e a gente trabalhava
mesmo era sentado.
- E era
uma parede de pedra ou de tijolo?-
Perguntamos.
- Era um
tipo que eu vi lá uma noite e quando eles paralisavam aquele negócio o Djalma
despachava todo mundo dali de baixo. Só ficava um fulano de tal Dente-de-Ouro,
que trabalhava mais ele, um cara baixinho. Os outros ele despachava vez por
outra e não dava satisfação. Lá
tinha uma coisa que ele tirava, abrindo a terra. Lá era um caminho bem feito e
dentro era massa e de lado era pedra, bem certinho, bem certinho, como essa
parede aqui da minha casa. Eu conto é porque trabalhei lá.
- Mas o
que eles procuravam mesmo por ali?-
Quisemos saber.
- Diz que lá era um negócio dos frades, que
tinham dado pra ele. Ele tinha hora que conversava lá com os encantados;
sei lá como era o negócio dele!
- E esse Djalma, já faleceu? - Perguntamos.
- Quando
tudo terminou ele foi embora lá pra Teresina e por lá deve ter morrido, pois
isso faz muito tempo.
- Mas,
afinal, ele achou mesmo alguma coisa no subterrâneo?
- Uma
coisa que eu vi lá eu conto. Eu vi lá um monte de coisa dentro de um quartinho
de uma casa onde o Djalma morava sozinho. Um monte da altura de um menino. Uns
pedaços de coisa. O quarto dele era fechado e ele tinha ido pro buraco e eu ia
passando pra cozinha pra beber água e dei fé do negócio. Tava lá no quartinho,
o monte. Se
era ouro, Ave Maria... Era da qualidade da pedra de carbureto. Também só vi
essa vez. Era uns tacos... como dessas barrinhas de sabão que tem. Talvez
maiores... Assim arroxeadas, mas umas coisinhas bem cortadas, seu, bem
certinhas mesmo. O negócio era assim, da cor de carbureto. Isso eu conto porque
eu vi... Era tudo do mesmo tamanhozinho. Quase assim por igual. Eu só sei que
ele pesquisava uma coisa importante porque ele passou dois anos por ali.
- O local
da escavação era totalmente isolado?-
Perguntamos.
- Lá
ninguém entrava, não. A boca era ali fora bem perto do hotel de hoje. Mas
ninguém entrava. Tudo era cercado e pouca gente morava por ali.
- Conte-nos
mais alguma coisa sobre a obra. -
Pedimos.
- Olha, lá ficou muito fundo e encheu de água.
Agora, eu já não trabalhava mais lá. Aí eles inventaram de cavar de novo e
furaram mais adiante, lá onde tem aquela casa, da mãe de Seu Mela. Pois
aquela casa é bem em cima de uma boca que eles furaram pra chegar noutro ponto
do porão. Lá
aconteceu uma coisa séria: O maçarico espocou e assou o Dente-de-Ouro,
que estava lá sozinho. Ele botou o maçarico pra queimar a pedra pra
arrodear e espocou tudo. O camarada gritou e ficou torrado. Largou o couro
todo. Ele morava ali nos Tucuns. Esse camarada acho que já morreu. O Davi e o
Gentil eram da Amarração e eu da Pedra do Sal. Era só nós quatro. Ninguém mais!
- Ninguém da Pedra do Sal quis trabalhar lá. Só eu.
O povo tinha medo. Tudo era serviço bem feito. Tiravam muita, muita terra lá de
dentro. Era uma massa assim traçada. Tiravam e o caminho ficava. Aquilo só pode
ter sido feito pela ideia de gente. Porque uma parede era pedra... De lado era
pedra... Em riba era pedra... O camarada passava tranquilo por baixo... Era coisa de construção... Agora, ninguém sabe
quem fez. E lá na frente eu não trabalhei mais. Saí e fui pescar. Ele me
despachou.
- Então
lá embaixo tinha corredores? - Foi a
nossa indagação.
- Tinha lugar que tinha umas salas grandes assim
como essa da minha casa. Você se sentava em riba das pedras conversando com os
outros e quem tava na boca é que se arrombava, botando vento lá pra baixo na
ventoinha. Botaram eu lá porque eu era novo e forte. Aguentava o rojão... Mas
não podia parar. Se parasse o pessoal lá embaixo ficava sem ar. Era uma
mangueirona que levava o ar. Às
vezes nós trabalhávamos de noite e quando eram certas horas, ele despachava
todo mundo. Ele ficava sozinho. Ficava só o Djalma, pois o Gastão não veio
mais. Andou também um engenheiro pelo nome Palmeira, que era americano, mas
também foi embora. Mas tudo começou com Cândido Oliveira e Valdemar Rodrigues, que
era sobrinho deste Djalma.
- Vá falando, vá falando Seu Biô, vá dizendo
tudo que lembrar -
Insistimos.
- Lá no serviço eu ia buscar ferramentas. Buscava
cavias enormes, levava pra amolar e entregava pro Valdemar. Eu trazia tudo numa
burra. Amolava três vezes por semanas talhadeiras, de tanto usarem lá embaixo.
- E,
afinal o Sr. sabe o que foi feito daqueles objetos esquisitos que o Sr. viu na
casa do Djalma?-
Perguntamos.
- Ali no Porto Salgado, quando ainda não tinha a
ponte, o passador disse que atravessou de madrugada umas cargas que vieram do
Djalma. Seis burros carregados de umas coisas, mas que o rapaz disse que pesava
demais. Ou era pedra ou era chumbo... Doze volumes. E era mais ou menos o
objeto que vi no pé da parede. Aquilo só podia ser pedra mesmo.
Não conseguimos obter mais informações sobre o
estranho caso da Pedra do Sal. Embora remonte apenas há uns 65 anos parece hoje
estar incluso no rol de lendas fabulosas do Piauí. Pelo que pudemos confirmar
por testemunhas sérias, Seu Biô realmente trabalhou no subterrâneo.
Todos moradores da região atestam sua idoneidade e lembram das aventuras dele
no buraco. Quanto a Seu Mela, como dissemos acima, parece que talvez
tenha sido apenas uma testemunha da vizinhança. Fala por informações de
terceiros ou pelo pouco que presenciou.
Quem realmente construiu o subterrâneo ou Buraco
do Djalma? E por que o fez? O que por lá foi secretamente guardado? O local
hoje é totalmente plano e recoberto de areia, não apresentando superficialmente
a grandeza do mistério que o envolve. Os banhistas descontraídos passeiam displicentemente
sobre as catacumbas da Praia da Pedra do Sal.
Lugar místico por natureza, lendas fabulosas é o
que não faltam para envolvê-lo na mística dos tesouros cobiçados. Vejamos o que
nos conta a Sra. Edmée Castro no Almanaque da Parnaíba (1994):
“Várias lendas também eram contadas sobre a
existência de tesouros enterrados nas cavernas sob as pedras. Uma delas dizia
que piratas franceses, náufragos ou perseguidos em alto-mar, conseguiram chegar
até a praia e esconderam nas pedras o ouro que traziam em seus navios
corsários. Outra
lenda narrava que certo marinheiro de um barco, que aportara no litoral, teria
em seu poder parte de um velho diário de bordo escrito em antigo holandês,
descrevendo o local em que se achava escondido um tesouro sobre os blocos de
pedra. Além das lendas, inventaram a estória de um marinheiro que
contava, em sonho, a um caboclo o lugar exato do esconderijo onde se
encontravam umas moedas de ouro. E por incrível que pareça, acreditaram na
história do sonho e, numa verdadeira obsessão, levados por ávido desejo,
fizeram escavações, próximas aos calhaus procurando a botija lá enterrada. No
entanto, foi grande a decepção, nada encontraram”.
Fantasias à parte parece haver algo de estranho nas
entranhas da Praia da Pedra do Sal. As descrições por nós expostas parecem se
referir a construções artificiais. E os objetos uniformes amontoados vistos por
Seu Biô? Alguma coisa parece ter sido construída por ali. Um esconderijo
secreto? O alicerce de algo grandioso? Muitos autores já falaram, por exemplo,
da presença de navegantes fenícios na praia. Seria o local um depósito secreto
de comerciantes de Tiro e Sidon?
Afinal, o que procurava Valdemar, Gastão e Cândido?
Gastaram tanto dinheiro e tempo em busca de uma quimera? Encontraram um velho
alfarrábio bucaneiro indicando um tesouro? Ou acharam numa biblioteca qualquer
um velho manuscrito indicativo dos subterrâneos? Ou se guiaram só por antigas
tradições?
Corre uma lenda de que por ali estaria soterrado um
tesouro jesuíta. Os membros desta ordem religiosa teriam construído o túnel e
por ali enterrado suas cobiçadas botijas. Tudo talvez para resguardar suas
posses das perseguições pombalinas à sua ordem em 1759 e 1760. Na vila de
Parnaíba viviam apenas dois deles, os quais foram presos e remetidos a São
Luís, aonde chegaram a 7 de junho de 1760.
Teriam os padres de Parnaíba antes de suas
detenções escavado o subterrâneo e por ali enterrado alguma preciosidade
ignota? Teriam tido tempo hábil para tal labor? Teriam mesmo o que enterrar? Ou
a galeria já havia sido construída previamente para uma eventual fuga ou
refúgio ante ataques de piratas ou corsários estrangeiros? Mas, será mesmo que
os membros da ordem possuíam bens tão preciosos? E o náufrago português Nicolau
de Resende, não seria um candidato mais provável à autoria da obra do que os
jesuítas? Não esqueçamos que ele e seus companheiros de naufrágio passaram
muitos anos naqueles rincões. A história deles se perdeu para sempre mas a
acreditamos muito rica e atribulada.
No mais tudo é só suposição. Mesmo porque os
principais protagonistas da escavação, Djalma, Cândido, Valdemar e Gastão já
devem ter falecido há tempos. Com eles certamente se foi parte da elucidação do
mistério. A não ser que um novo e empreendedor aventureiro se encante pelo
misticismo envolvente dos misteriosos tesouros subterrâneos da praia da Pedra
do Sal...
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