quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Praia da Pedra do Sal e o Misterioso Subterrâneo dos Jesuítas

Praia da Pedra do Sal (Fotografia extraída de roteirourbano.com)



Reinaldo Coutinho

Escritor e Consultor Ambiental

Dizem alguns pesquisadores que há 3.000 anos os intrépidos fenícios descobriram as terras piauienses, ao chegarem à praia da Pedra do Sal, na Ilha Grande de Santa Isabel, no município litorâneo de Parnaíba. Localizada cerca de 18 km ao norte da cidade de Parnaíba, a praia alia inquestionável beleza natural a incríveis lendas e fenômenos inexplicáveis. É um ambiente místico e revelador...

A exuberante praia tem sua monotonia agradavelmente quebrada por um monumental afloramento granítico em cerca de 3.000 metros quadrados de área, que se destaca da planície aluvionar recente. Muitas porções deste maciço ígneo se desagregaram do corpo principal por erosão, constituindo enormes e belíssimos matacões, que se espalham pela orla. Este aglomerado caótico divide a praia em duas partes e propicia uma feição típica e inigualável naquele prodígio da natureza, decantado por apaixonados poetas. As porções d’água salpicadas pelas ondas, ao preencherem pequenas concavidades da rocha, lentamente evaporam, deixando uma delgada camada de sal, origem da denominação da praia.

            Há um intrigante mistério na Pedra do Sal que evoca antigas e misteriosas civilizações ou, para outros, resquícios da presença jesuítica na região. Trata-se do enigmático Buraco do Djalma, situado ao lado dos matacões. Consta na tradição popular recente que no início dos anos 1950 os raros pescadores residentes nas proximidades presenciaram uma série de inusitados acontecimentos. Vários deles foram contratados por dois senhores da cidade para uma estranha obra: escavar um ponto predeterminado entre algumas pedras. Os empreiteiros eram Cândido (advogado) e Valdemar (Comerciante).

O local da misteriosa escavação foi totalmente cercado por lona e madeira, para não dar margem a observações ocasionais de curiosos. Foi então escavado um túnel de cerca de 10 metros de profundidade e que, a certo ponto, se bifurcava. Na verdade, parece que eles estavam mesmo a desentulhar uma antiga e obstruída rede de subterrâneos artificiais construídos sabe-se lá por quem ou em que época.

Tudo concernente às escavações se passava no mais absoluto sigilo e cercado de segurança. O que procuravam tão avidamente os dois empreiteiros, sob o véu de tantos segredos e árduo trabalho? Nada era explicado aos humildes trabalhadores, que tratavam apenas de executar suas tarefas e receber seus proventos. O local ficou conhecido como Subterrâneo dos Jesuítas ou Buraco do Djalma. Adiante veremos o porquê destes nomes.

As tradições confusas sobre o caso nos levaram a procurar, em fevereiro de 1999, alguma testemunha ocular da escavação. Não foi muito difícil uma pista pelos barzinhos da praia. Ouvimos uma referência a um pescador conhecido pelo apelativo de Seu Mela. Morador do local, não foi difícil encontrar o Sr. Raimundo Roberto da Costa, um caboclo inibido e de pouca fala, de uns 60 anos naquela época. Mesmo sem uma clara noção da época do ocorrido, Seu Mela nos forneceu interessantes dados sobre o mistério do subterrâneo. Explicou-nos que ele e alguns companheiros, contratados por Valdemar e Cândido, quebravam pedras com marretas e explosivos, retirando seus pedaços e areia para a superfície através de baldes.

O mais estranho de tudo é que vez por outra os dois chefes mandavam os trabalhadores saírem do túnel e ficavam a sós lá embaixo. Ninguém sabia explicar o que faziam ou se recolhiam algo nestes momentos. As especulações são variadíssimas e desencontradas. É evidente que, para a mentalidade simples e limitada dos pescadores simples da região, tratava-se de uma botija de tesouro! Ou seria mesmo?

Homem simples e de pobre expressão descritiva, Seu Mela teve dificuldades de nos explicar em que consistia o túnel e o que por lá realmente se passava. Mas conseguimos entender que o trabalho efetuado era mesmo a desobstrução de um antigo subterrâneo artificial, totalmente arruinado. As galerias possuíam altura suficiente para um homem em pé e cerca de um metro de largura. O pescador nos afirmou que ali havia paredes feitas com cimento, o que pode livremente ser entendido talvez por pedras e argamassa.

O Sr. Acredita que seus dois patrões descobriram mesmo algo de valor ali embaixo?- Indagamos ao pescador.

- Acho que sim, pois gastaram muito dinheiro nas escavações. Os trabalhos duraram muitos meses. Não lembro bem. Tinham que gastar muito dinheiro com marretas, pás, picaretas, cordas, explosivos, lanternas comida e ainda pagar a gente. Eu acho que eles só faziam isso porque tiravam alguma coisa valiosa dali. Mas nem eu nem os outros nunca soubemos o que foi”.

Posteriormente, teriam assumido os trabalhos do túnel os senhores Gastão e Djalma, este tio de Valdemar. Dele se originou a denominação do túnel, Buraco do Djalma. Hoje o local está totalmente plano e entulhado por areia.

Foi tudo o que conseguimos extrair de Seu Mela. Todos os pescadores mais velhos da praia conhecem a história. Há, porém, grande imprecisão nas datas e nos pormenores. Afinal, o caso se tornou lendário...

Nós não nos conformamos com as informações restritas de Seu Mela. Mesmo porque percebemos que ele não nos contava o caso com segurança, aparentando muitas contradições.  Pareceu-nos que o pescado apenas vivenciou a obra como testemunha ocular há 50 anos, quando era um garoto. Publicamos uma página inteira sobre o caso no jornal Meio Norte de Teresina e no ano de 2000 resolvemos voltar à investigação novamente in loco.

Ali, na cinematográfica praia piauiense, nossas novas indagações, mais detalhadas, nos levaram a um antigo pescador, Francisco Gomes de Oliveira, conhecido como Chico Biô. Trata-se de um cidadão na época (2.000) com seus 65 anos bem conservados pela dura, mas saudável vida no mar. E que foi um dos operários do subterrâneo. Deste tivemos atestados incontestes da população local. 

Disse-nos ele em sua casa:

- Trabalhei lá dentro e também fora, na ventoinha. Aqui na Pedra do Sal só quem pode dizer que trabalhou lá foi eu.

- Em que ano foi isso?- Indagamos.

- Acho que foi em 1950... Acho que foi em 1952... Eu sei bem que eu era rapaz. Era o Djalma e o Gastão.

- E o Seu Mela? Ele nos disse que também trabalhou lá. - Interrompemos.

- O Seu Mela não trabalhou lá, não! Da Pedra do Sal e desta encosta quem disser que trabalhou lá pode chamar de mentiroso, e que foi eu, o Chico Biô quem disse. Daqui só o Chico Biô trabalhou lá. Os outros não eram daqui. Eram lá da salina da Amarração. Era o Davi, o Gentil e o Chico-Dente-de-Ouro. Eles trabalharam lá dentro no porão. No começo eu trabalhei lá embaixo. Depois eu subi para trabalhar na ventoinha, lá na boca, pra botar ar pra eles lá embaixo. Eles tiravam a terra com baldes. A gente mergulhava numa passagem por baixo de uma pedra com uma lanterna acesa pra não perder o rumo e largar a cabeça numa pedra.

            - E o que tinha lá em baixo?-Indagamos.

- Olha, lá quando começava a trabalhar, o canalzinho era mais largo do que uma porta como essa aqui. Era uma massa metida dentro. Era feito como uma parede. A gente ia abaixado, meio curvado. Agora, lá mais pra frente tinha mais vaga, que dava pra tirar aquela massa todinha. A gente botava tudo pra fora e às vezes o negócio apertava e a gente trabalhava mesmo era sentado.

- E era uma parede de pedra ou de tijolo?- Perguntamos.

- Era um tipo que eu vi lá uma noite e quando eles paralisavam aquele negócio o Djalma despachava todo mundo dali de baixo. Só ficava um fulano de tal Dente-de-Ouro, que trabalhava mais ele, um cara baixinho. Os outros ele despachava vez por outra e não dava satisfação. Lá tinha uma coisa que ele tirava, abrindo a terra. Lá era um caminho bem feito e dentro era massa e de lado era pedra, bem certinho, bem certinho, como essa parede aqui da minha casa. Eu conto é porque trabalhei lá.

- Mas o que eles procuravam mesmo por ali?- Quisemos saber.

- Diz que lá era um negócio dos frades, que tinham dado pra ele. Ele tinha hora que conversava lá com os encantados; sei lá como era o negócio dele!

- E esse Djalma, já faleceu? - Perguntamos.

- Quando tudo terminou ele foi embora lá pra Teresina e por lá deve ter morrido, pois isso faz muito tempo.

- Mas, afinal, ele achou mesmo alguma coisa no subterrâneo?

- Uma coisa que eu vi lá eu conto. Eu vi lá um monte de coisa dentro de um quartinho de uma casa onde o Djalma morava sozinho. Um monte da altura de um menino. Uns pedaços de coisa. O quarto dele era fechado e ele tinha ido pro buraco e eu ia passando pra cozinha pra beber água e dei fé do negócio. Tava lá no quartinho, o monte. Se era ouro, Ave Maria... Era da qualidade da pedra de carbureto. Também só vi essa vez. Era uns tacos... como dessas barrinhas de sabão que tem. Talvez maiores... Assim arroxeadas, mas umas coisinhas bem cortadas, seu, bem certinhas mesmo. O negócio era assim, da cor de carbureto. Isso eu conto porque eu vi... Era tudo do mesmo tamanhozinho. Quase assim por igual. Eu só sei que ele pesquisava uma coisa importante porque ele passou dois anos por ali.

- O local da escavação era totalmente isolado?- Perguntamos.

- Lá ninguém entrava, não. A boca era ali fora bem perto do hotel de hoje. Mas ninguém entrava. Tudo era cercado e pouca gente morava por ali.

- Conte-nos mais alguma coisa sobre a obra. - Pedimos.

- Olha, lá ficou muito fundo e encheu de água. Agora, eu já não trabalhava mais lá. Aí eles inventaram de cavar de novo e furaram mais adiante, lá onde tem aquela casa, da mãe de Seu Mela. Pois aquela casa é bem em cima de uma boca que eles furaram pra chegar noutro ponto do porão. Lá aconteceu uma coisa séria: O maçarico espocou e assou o Dente-de-Ouro, que estava lá sozinho. Ele botou o maçarico pra queimar a pedra pra arrodear e espocou tudo. O camarada gritou e ficou torrado. Largou o couro todo. Ele morava ali nos Tucuns. Esse camarada acho que já morreu. O Davi e o Gentil eram da Amarração e eu da Pedra do Sal. Era só nós quatro. Ninguém mais!

- Ninguém da Pedra do Sal quis trabalhar lá. Só eu. O povo tinha medo. Tudo era serviço bem feito. Tiravam muita, muita terra lá de dentro. Era uma massa assim traçada. Tiravam e o caminho ficava. Aquilo só pode ter sido feito pela ideia de gente. Porque uma parede era pedra... De lado era pedra... Em riba era pedra... O camarada passava tranquilo por baixo... Era coisa de construção... Agora, ninguém sabe quem fez. E lá na frente eu não trabalhei mais. Saí e fui pescar. Ele me despachou.

- Então lá embaixo tinha corredores? - Foi a nossa indagação.

- Tinha lugar que tinha umas salas grandes assim como essa da minha casa. Você se sentava em riba das pedras conversando com os outros e quem tava na boca é que se arrombava, botando vento lá pra baixo na ventoinha. Botaram eu lá porque eu era novo e forte. Aguentava o rojão... Mas não podia parar. Se parasse o pessoal lá embaixo ficava sem ar. Era uma mangueirona que levava o ar. Às vezes nós trabalhávamos de noite e quando eram certas horas, ele despachava todo mundo. Ele ficava sozinho. Ficava só o Djalma, pois o Gastão não veio mais. Andou também um engenheiro pelo nome Palmeira, que era americano, mas também foi embora. Mas tudo começou com Cândido Oliveira e Valdemar Rodrigues, que era sobrinho deste Djalma.

- Vá falando, vá falando Seu Biô, vá dizendo tudo que lembrar - Insistimos.

- Lá no serviço eu ia buscar ferramentas. Buscava cavias enormes, levava pra amolar e entregava pro Valdemar. Eu trazia tudo numa burra. Amolava três vezes por semanas talhadeiras, de tanto usarem lá embaixo.

- E, afinal o Sr. sabe o que foi feito daqueles objetos esquisitos que o Sr. viu na casa do Djalma?- Perguntamos.

- Ali no Porto Salgado, quando ainda não tinha a ponte, o passador disse que atravessou de madrugada umas cargas que vieram do Djalma. Seis burros carregados de umas coisas, mas que o rapaz disse que pesava demais. Ou era pedra ou era chumbo... Doze volumes. E era mais ou menos o objeto que vi no pé da parede. Aquilo só podia ser pedra mesmo.

Não conseguimos obter mais informações sobre o estranho caso da Pedra do Sal. Embora remonte apenas há uns 65 anos parece hoje estar incluso no rol de lendas fabulosas do Piauí. Pelo que pudemos confirmar por testemunhas sérias, Seu Biô realmente trabalhou no subterrâneo. Todos moradores da região atestam sua idoneidade e lembram das aventuras dele no buraco. Quanto a Seu Mela, como dissemos acima, parece que talvez tenha sido apenas uma testemunha da vizinhança. Fala por informações de terceiros ou pelo pouco que presenciou.

Quem realmente construiu o subterrâneo ou Buraco do Djalma? E por que o fez? O que por lá foi secretamente guardado? O local hoje é totalmente plano e recoberto de areia, não apresentando superficialmente a grandeza do mistério que o envolve. Os banhistas descontraídos passeiam displicentemente sobre as catacumbas da Praia da Pedra do Sal.

Lugar místico por natureza, lendas fabulosas é o que não faltam para envolvê-lo na mística dos tesouros cobiçados. Vejamos o que nos conta a Sra. Edmée Castro no Almanaque da Parnaíba (1994):

“Várias lendas também eram contadas sobre a existência de tesouros enterrados nas cavernas sob as pedras. Uma delas dizia que piratas franceses, náufragos ou perseguidos em alto-mar, conseguiram chegar até a praia e esconderam nas pedras o ouro que traziam em seus navios corsários. Outra lenda narrava que certo marinheiro de um barco, que aportara no litoral, teria em seu poder parte de um velho diário de bordo escrito em antigo holandês, descrevendo o local em que se achava escondido um tesouro sobre os blocos de pedra. Além das lendas, inventaram a estória de um marinheiro que contava, em sonho, a um caboclo o lugar exato do esconderijo onde se encontravam umas moedas de ouro. E por incrível que pareça, acreditaram na história do sonho e, numa verdadeira obsessão, levados por ávido desejo, fizeram escavações, próximas aos calhaus procurando a botija lá enterrada. No entanto, foi grande a decepção, nada encontraram”.

Fantasias à parte parece haver algo de estranho nas entranhas da Praia da Pedra do Sal. As descrições por nós expostas parecem se referir a construções artificiais. E os objetos uniformes amontoados vistos por Seu Biô? Alguma coisa parece ter sido construída por ali. Um esconderijo secreto? O alicerce de algo grandioso? Muitos autores já falaram, por exemplo, da presença de navegantes fenícios na praia. Seria o local um depósito secreto de comerciantes de Tiro e Sidon?

Afinal, o que procurava Valdemar, Gastão e Cândido? Gastaram tanto dinheiro e tempo em busca de uma quimera? Encontraram um velho alfarrábio bucaneiro indicando um tesouro? Ou acharam numa biblioteca qualquer um velho manuscrito indicativo dos subterrâneos? Ou se guiaram só por antigas tradições?

Corre uma lenda de que por ali estaria soterrado um tesouro jesuíta. Os membros desta ordem religiosa teriam construído o túnel e por ali enterrado suas cobiçadas botijas. Tudo talvez para resguardar suas posses das perseguições pombalinas à sua ordem em 1759 e 1760. Na vila de Parnaíba viviam apenas dois deles, os quais foram presos e remetidos a São Luís, aonde chegaram a 7 de junho de 1760.

Teriam os padres de Parnaíba antes de suas detenções escavado o subterrâneo e por ali enterrado alguma preciosidade ignota? Teriam tido tempo hábil para tal labor? Teriam mesmo o que enterrar? Ou a galeria já havia sido construída previamente para uma eventual fuga ou refúgio ante ataques de piratas ou corsários estrangeiros? Mas, será mesmo que os membros da ordem possuíam bens tão preciosos? E o náufrago português Nicolau de Resende, não seria um candidato mais provável à autoria da obra do que os jesuítas? Não esqueçamos que ele e seus companheiros de naufrágio passaram muitos anos naqueles rincões. A história deles se perdeu para sempre mas a acreditamos muito rica e atribulada.

No mais tudo é só suposição. Mesmo porque os principais protagonistas da escavação, Djalma, Cândido, Valdemar e Gastão já devem ter falecido há tempos. Com eles certamente se foi parte da elucidação do mistério. A não ser que um novo e empreendedor aventureiro se encante pelo misticismo envolvente dos misteriosos tesouros subterrâneos da praia da Pedra do Sal... 


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