Escritor e consultor ambiental.
Não
há brasileiro que nunca tenha ouvido falar de Virgulino Ferreira da Silva,
vulgo Lampião (1898-1938), o cangaceiro pernambucano que fez tremer os sertões nordestinos
entre os anos 1920 e 1938. Sua vida se confunde com a lenda, que brotou
notadamente com sua morte em 28 de julho de 1938, na fazenda Angicos, situada
no sertão de Sergipe.
Acusado
de saques, assassinatos, torturas e estupros, a verdade é que nem tudo
atribuído de nefasto a Virgulino foi praticado por ele, mas sim pelas
famigeradas volantes policiais que o perseguiam, e eram compostas de homens tão
rudes e violentos quanto os cangaceiros.
Também
todo mundo sabe que apenas em dois estados nordestinos nunca o rei do cangaço
pôs os pés: Piauí e Maranhão.
Para
o Piauí, Lampião jamais iria primeiro porque lhe era terra desconhecida e
segundo porque era o Estado mais pobre, entre os pobres do nordeste
(rdopombal.blogspot.com.br).
Entretanto,
há uma notícia na NET, de autoria não identificada, e que se disseminou
rapidamente de que o famoso cangaceiro Lampião estivera no nosso Estado.
Vejamos uma das notícias, veiculadas pelo portal Isto É:
“No
auge de sua trajetória no cangaço, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião,
conseguiu com um bando de 50 homens afugentar 400 soldados que o perseguiam. O
episódio deu-se no Piauí, em 1927, e ficou conhecido como a Batalha de
Macambira. É o melhor exemplo do tino de estrategista do cangaceiro, cujo grupo
estava prestes a se render, desprovido de montarias e armas, por causa de um
violento combate anterior. Ao lembrar essa passagem no livro “De Olho em
Lampião – Violência e Esperteza” (Claroenigma), a escritora e doutora em
ciências políticas Isabel Lustosa sublinha a perspicácia de um dos personagens
míticos da história brasileira no século XX. “
Não
sabemos se esta autora cearense Isabel Lustosa (N.1955) em seu livro de 2011
captou esta informação de alguma fonte não conhecida ou se apenas também
repetiu o que viu na NET.
Na
verdade, o combate de Macambira por volta de 1927 aconteceu quase que
exatamente como descrito acima, mas no Ceará, não no Piauí. Vejamos o que diz
Ivan Alves & Nilson Lage:
“Por
essa época, Virgulino fizera um acordo com o Governo do Ceará pelo qual não
seria hostilizado em território cearense. Por isso, no dia 15 entrou em
Limoeiro do Norte, a uns 70 quilômetros de Mossoró, levando seus reféns: o
contingente de polícia se afastou e os chefes políticos mandaram matar um boi.
O bando entrou na cidade dando vivas ao Ceará, ao Governador Moreira da Rocha e
ao Padre Cícero. Distribuiu lembranças entre os moradores, fez compras nas
lojas, recebeu de presente dois mil contos de réis e se deixou fotografar. Uma volante
policial que entrou na cidade no dia seguinte, pelo contrário, espancou
moradores e causou distúrbios. Ponto para Lampião.
“Uma
tropa com soldados do Rio Grande do Norte, da Paraíba e alguns cearenses – 500
homens ao todo – conseguiu tocaiar o bando. Não feriu ninguém, mas tomou
montarias e provisões dos cangaceiros. Num segundo ataque, dias depois, os
policiais, embora enfrentassem um grupo pequeno de homens, quase sem munição,
famintos e a pé, conseguiram ser derrotados, com muitas perdas. É que o
talentoso Virgulino cessou o fogo em dado momento e atacou maciçamente quando a
tropa avançou, deixando suas trincheiras. Assim foi a Batalha de Macambira,
segundo o relato insuspeito do fazendeiro Gurgel e de D. Maria, que continuavam
prisioneiros do Capitão Virgulino. Ambos foram libertados logo depois, e ainda
receberam dinheiro para a viagem de volta. D. Maria contou que os cangaceiros a
tratavam com consideração e carinho pelos seus 63 anos, e cuidavam que nada lhe
faltasse, apesar das dificuldades sofridas pelo grupo entre o primeiro e o
segundo combates com a Polícia.”
Portanto,
o lendário combate ocorreu em terras cearenses, em Limoeiro do Norte e não no
Piauí. A imagem abaixo foi tirada na época do combate de Macambira. Pode ter
sido tomada um pouco antes ou pouco depois da luta.
No
entanto, embora a fonte seja imprecisa, parece que a escritora não está só no
caso, segundo o fotógrafo e escritor mineiro José Geraldo Aguiar (1950-2011)
conta em seu livro "Lampião, o invencível - duas vidas, duas mortes"
– (Thesaurus Editora, 2009). Depois de 17 anos de pesquisas, o escritor afirma
que a morte do cangaceiro em Angicos não passou de uma farsa e que conviveu com
Lampião durante cinco meses numa cidade de Minas Gerais, aonde o cangaceiro
fugiu após ter passado pela Bahia, Piauí, até que, em 1950, com Maria Bonita,
se estabeleceu em Minas.
"Ele viveu na clandestinidade e
chegou a ter 13 identidades falsas”, afirma o pesquisador, contando que quando
morreu, Virgulino foi registrado como Antônio Maria da Conceição, mas em sua
lápide se encontra escrito Antônio Teixeira Lima. Em "Lampião, o invencível",
o autor relata supostos depoimentos do rei do Cangaço, narra com detalhes os
seus encontros com ele e apresenta a foto abaixo, que seria Virgulino Lampião
com 90 anos de idade.
Segundo
Aguiar, Lampião teria vivido como comerciante e fazendeiro no Norte de Minas, e
morreu em 1993, aos 96 anos de idade, em Buritis (MG). Maria Bonita teria
morrido no dia 3 de agosto de 1978.
Observa-se
que a passagem de Lampião pelo Piauí é apenas um detalhe na teoria pouco crível
de Aguiar. O foco de seu livro é que Lampião não morreu no massacre de Sergipe.
De
qualquer maneira, o livro de Aguiar caiu no descrédito quando se analisou a
foto do pretenso Lampião em Minas Gerais. Era um senhor, já idoso, porém diferia
anatomicamente de Lampião e nem tinha o olho furado como o rei do cangaço
(Leandro Fernandes).
No
livro “Os Verdes Anos Cinquenta”, escrito por um picoense, que descobrimos ser
o economista Renato Duarte, livro publicado em 1991, segunda edição 1995, está
escrito que um irmão de Lampião moraria em Picos, cidade do centro do Estado, e
que o cangaceiro visitaria este irmão nas madrugadas. No nosso livro
“Antiguidades Valencianas” (2000) publicamos a história de uma senhora da
cidade de Valença do Piauí, D. Luzia, que afirmava ser viúva de Ezequiel
Ferreira, irmão de Lampião, que morava também com o irmão João Ferreira, em
Picos. Isso é assunto para outra matéria...
Na
realidade, comprovadamente, só alguns jagunços e cangaceiros acorreram para a
Ibiapaba e a região do município de Caracol-PI, no sudeste, porém não eram do
bando de Lampião. Eram lutas decorrentes de disputas por terras ou maniçobais
no início do século XX.
Entretanto,
lembrando Lampião, seu chefe, Sinhô Pereira (1896-1972), que futuramente teria
no seu bando como subalterno o jovem Virgulino e depois renunciou em seu favor
em 1922, chegou a trocar tiros com a polícia piauiense em 1918, na região do
município de Caracol. Foi escorraçado do Piauí pela volante do tenente Zeca
Rubens. Neste combate morreu um cangaceiro, de apelido Cacheado.
Os
parentes de Lampião – seus irmãos, sobrinhos, primos – passaram a ser
perseguidos por todo o Nordeste. Alguns, trazidos do Piauí, foram colocados sob
regime de trabalhos forçados pelo Major Teófanes, segundo Ivan Alves &
Nilson Lage.
Mas Lampião mesmo,
até que se prove ao contrário, nunca pôs os pés no Piauí. Porém, para um homem
que enganou as volantes por mais de 20 anos...
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