terça-feira, 1 de março de 2016

Outra Vez a Música



José Pedro Araújo
                Dias atrás publiquei uma crônica cujo propósito era tratar sobre a boa música e terminei por enveredar por uma história sobre a compra de alguns discos e sobre o retorno dos discos de vinil. Volto ao assunto para afirmar que não me considero uma pessoa agastada com os novos costumes que hoje nos são impostos. Tenho plena consciência de que cada geração tem os seus gostos, as suas preferências. Mas precisávamos de costumes tão mal concebidos, tão pobres em criatividade como temos atualmente.
                Na música também é assim. Com o passar do tempo o gosto musical das pessoas também vai mudando, principalmente entre os mais jovens. Veja o que aconteceu com a chegada do rock n’roll. Qual não deve ter sido o desconforto daquelas pessoas que apreciavam uma música mais lenta, tipo bolero, para se dançar calma e tranquilamente, agarradinho, dois pra lá, dois pra cá, essas coisas. E ai veio aquele som metálico e agitado das guitarras elétricas, da bateria ensurdecente, da música cantada a plenos pulmões! E ainda por cima aquela exigência física, posto que se tinha que dançar agitadamente daquele jeito. Foi um escândalo, isso eu sei. Mas, logo o novo ritmo e os novos instrumentos foram se incorporando até mesmo nas bandas mais tradicionais, e deu um toque a mais para alegrar o som dos metais.
                A prova de que não era uma invencionice passageira é que o rock criou raízes, amadureceu e se incorporou para sempre no meio musical. Traz mensagens, denuncia insanidades, une pessoas diferentes em um só cortejo e em um só ideal. Diferente de alguns ritmos que aparecem em período de carnaval, por exemplo, e não ultrapassam a quarta-feira de cinzas, não duram até a festa momesca seguinte, e já caem no esquecimento, posto que são tão ruins, e tão efêmeras.
                A propósito desse choque cultural que um novo ritmo musical traz consigo, lembro-me de uma passagem importante lá no meu Curador. Na cidade morava um marchante muito querido por todos, cujo nome de batismo não sei, mas que era tratado por todo mundo pelo apelido de Cobra-fumando. E ele atendia perfeitamente ao epíteto sem se aborrecer. E como todos se dirigiam a ele chamando-o pelo apelido, passou-me em branco o seu nome real.
                O nosso simpático marchante resolveu recomprar um carro bem antigo, acho que um Chevrolet ano 1927, uma espécie de mini caminhão, motor acionado por manivela, pneus estreitos e calha raiada, que já havia lhe pertencido, fora vendido ao Sr. José Almeida e depois recomprado. Dado a uma cervejinha de vez em quando, o nosso magarefe resolveu comemorar a recompra de algo que devia ter lhe feito muito falta. E olha que ele nem sequer sabia dirigir. Mas naqueles tempos, o caminhãozinho era status, era prazer também. E possuía até identidade: Cobrinha.
A comemoração aconteceu em um barzinho simples, acho que um quiosque, instalado na Praça Diogo Soares, no local onde hoje funciona o Posto Serigy. Ele juntou-se a um grupo de amigos e emendou uma farra homérica, cujo fundo musical era o disco do Erasmo Carlos daquele ano, 1965. O detalhe é que a única música do disco que ele permitia tocar na vitrola Philips, aquela cuja caixa de som servia como tampa, era ‘Festa de Arromba’. Terminava de tocar uma vez, ele determinava que tocasse novamente. E assim foi dia adentro. Alardeava que só pararia quando o disco furasse, coisa de alguém cujo álcool já lhe embotava as ideias. Isso tudo acontecia aos gritos de “que onda, que festa de arromba”. Saltitante, emendava o refrão acompanhando o cantor e os colegas de copo, numa algaravia ensurdecedora.
                Relembro essa história para dizer que o nosso marchante, em que pese a sua pouca cultura, recebeu bem a chegada do Iê Iê Iê. Esse ritmo dançante, de letras simples e melodias mais ainda, não agredia tanto como as tais metralhadoras da vida, ou mesmo como aquela outra que há muito caiu no esquecimento, uma tal de ‘Dança da Garrafa’. De minha parte, não consigo aceitar como salutar uma coisa que afronta-nos em todos os sentidos. Mas como já afirmei, apesar de não por meus ouvidos a serviço dessas músicas, não posso abominá-las, posto que são expressão do momento, uma modernidade própria dos tempos em que vivemos em que tudo que sai com o nome de arte logo arrebanha uma multidão de adeptos e é propagada aos quatro cantos do mundo através das redes sociais. Se tenho que conviver com isso, cerco-me das minhas defesas também.
                Recentemente assisti a um excelente documentário sobre Frank Sinatra na Netflix, intitulado “All or Nothing at All”. Lá podemos ver o entre-choque de gerações travado entre o maior artista popular do mundo contra o novo ritmo musical do momento que passou a embalar a juventude. E o que ele fez? Juntou-se no palco àquele que disputava com ele as luzes das câmeras e o coração do povão, Elvis Presley, em uma apresentação memorável. Foi assim também com a Bossa Nova, quando gravou um disco com o Tom Jobim. E assim foi sobrevivendo aos novos tempos e aos modismos.
                De uma coisa tenho certeza: o que é bom fica, fabrica morada entre nós. O que é ruim, logo cai no esquecimento. Não é mesmo Luís Caldas?

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