quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Diário de Um Náufrago (Capítulo VII)




SABER QUEM EU SOU MELHORA ALGUMA COISA? 

José Pedro Araújo

As reservas de peixe e de frutas na cabana estavam no fim, foi o que pude ver. E as latinhas de conserva também não davam para muito tempo. Teria que pescar e procurar por novos alimentos para repor o estoque. Parecia ser esse o meu meio de subsistência por ali. E antes que a tarde findasse, resolvi sair para pescar. Era até bem indicado, afinal, não é verdade que o pescador tem tempo de sobra para pensar? E eu precisava pensar com urgência como fazer para sair dali. Precisava descobrir como havia adquirido aquela cicatriz que trazia à altura do quadril e que ainda doía um pouco, mas, felizmente, já estava quase cicatrizada.
Antes de dar por terminada a pescaria o tempo se complicou, e uma pejada nuvem de chuva resolveu parir água e desabou sobre mim. Voltei ao barraco correndo e tratei de arrumar alguma coisa para fazer, pois parecia que a aquele dilúvio não pararia tão cedo, tal era a sua intensidade. Acendi uma pequena lamparina e, somente ai dei importância a uma velha e carcomida estante que continha alguns livros. Estavam todos arrumados, mas muito estragados, páginas oxidadas, volumes engrossados em muito devido aos efeitos da água. Mas ainda bem legíveis, e já que não havia nada diferente por ali para fazer...
Pela lombada dos exemplares ali expostos, fui observando alguns títulos conhecidos, poucos em português, pois a maioria eram edições publicadas na língua inglesa: The Brethren, de John Grisham, The Wedding, de Danielle Steel, Easy Prey, de John Sandford, Winter Solstice, de Rosamunde Pilcher, além de outros poucos títulos mais no mesmo idioma. E um de Paulo Coelho, Verônica Decide Morrer, estava em estado deplorável, quase imprestável para a leitura. Outro de crônicas de Jorge Amado, Hora da Guerra, estava bem apresentável, e mais outro apenas, de José Saramago, Ensaio Sobre a Cegueira, compunha a tríade dos autores em português. Devo ter recolhido aqueles títulos pelos areais das praias. E isso me levava a pensar no que ocorreu com cada um deles. Alguns leitores devem tê-los jogado ao mar por diversas razões. Mas, o que levava uma pessoa a arremessar um livro ao mar? Não gostou do que lia?  Ou gostou tanto que resolveu enviar a alguém, qual garrafa jogada na água com um pedido de socorro. Ou mesmo para alguém que, por ocaso, estivesse perdido e sozinho? Se fosse esta última a razão de ter se desfeito do livro, havia acertado em cheio. E estava, portanto, redimido.
A palhoça não me abrigava muito bem quando a chuva era torrencial como a que durou a noite toda. Estava com excesso de umidade e um frio cortante me deixou praticamente sem dormir. Acompanhei o passar do tempo, testemunhei a luta entre a escuridão e a claridade, que venceu alegremente esse round para perder a luta doze horas depois, sem pregar os olhos. E algumas novas revelações foram feitas pelo meu cérebro, naquela noite insone, que trabalhava arduamente para me colocar novamente no comando das minhas lembranças e das minhas emoções.
Quando o dia clareou já sabia o meu nome, onde morava, o que fazia para viver e, o mais importante, tudo o que me havia acontecido desde que dera com os costados naquela ilha. Saiba até que possuía um inimigo perigoso que tentava a todo o custo me aniquilar. E não gostei muito de ter me lembrado de tudo isso, pois uma tristeza acachapante me inundou a alma e me fez chorar pela primeira vez naquela ilha perdida não sabia em que parte da Ásia. Da Ásia sim, pois agora me lembrava perfeitamente o que fazia naquele navio quando cai ao mar. E, principalmente, por onde andava navegando quando tudo aconteceu.
Mas, vou repassando essas informações aos pouquinhos, para não cansar aos que por ventura se interessem pelo caso de um náufrago que conseguiu se abrigar em uma ilha perdida e praticamente desabitada em pleno limiar do século XXI.
Para começo, sou um engenheiro de minas em viagem de férias, e possuo vínculo empregatício com uma petrolífera no Brasil. Solteiro, apesar dos poucos mais de trinta anos, e residia na cidade do Rio de Janeiro quando resolvi embarcar para aquele cruzeiro pela Ásia. Possuo ainda mãe, além de dois irmãos, todos residindo no país, e acredito que devem estar bastante preocupados com o meu desaparecimento, se é que já foram notificados disso. E agora estou triste e acabrunhado, mesmo sabendo que tenho que dar graças por não ter me afogado no mar. Se nadei ao ver-me na água, sinceramente não lembro. Portanto, devo agradecer ao Altíssimo por ter chegado vivo à areia da praia.
Manhazinha, dia já claro, mas chuvoso ainda, apanhei uma revista da Time, edição em inglês, e passei a folhear displicentemente. O assunto principal era a guerra. Guerra em todos os lugares. Guerra no oriente médio, guerra em países da África, guerra na Chechênia, guerra por toda a parte. E depois, terrorismo, fome, furacões, muita aflição no mundo, só desgraças. Fechei a revista. O mundo, realmente, não estava nada interessante. Recoloquei o meu objeto de leitura na prateleira e retirei de lá uma edição da People, de setembro de 1997, já muito estragada, com uma foto de capa com a Princesa Diana. Parecia em Preto e Branco, mas não dava mais para saber, tal os efeitos da água, do sol e da areia na sua capa. Mas, estava belíssima, isso era possível ver.
Não tinha nada interessante ali também. Resolvi levantar da enxerga e caminhar pelo diminuto ambiente interno da minha casa. Senti um incomodo cheiro de coisa estragada. Cheiro de peixe, de frutas, de sujeira, enfim. Estava ali há tão pouco tempo e já poluíra o ambiente. Foi o que me ocorreu. A minha cama também não estava com um odor muito bom, e logo me ocorreu que tudo isso se devia porque não tinha uma pedra de sabão para tomar um banho, quanto mais para lavar alguma coisa.


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