quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Diário de Um Náufrago (Capítulo VIII)



SENTINDO FALTA DO TRIVIAL

José Pedro Araújo

A falta de um saponáceo já se fazia sentir. Sentia o meu corpo meio engordurado, a começar pelas mãos que pareciam estar sempre lisas, para meu infernal desconforto. Nunca havia pensado que um pequeno pedaço de sabão pudesse me fazer tanta falta. Agora, por exemplo, veio-me à mente aquele sabonete oval e escuro, cheiroso, tendo como marca o nome de um deus Grego. Era esse o sabonete que eu costumava usar. Era também por conta desses arraigados hábitos, que meus amigos me chamavam de ultraconservador. Mas, eu gostava mesmo de usar o mesmo sabonete, o mesmo creme dental, o mesmo shampoo, tudo exatamente igual. Não me dava ao trabalho de comprar nada dos produtos mais incensados, e que animava a todos quando em viagem ao exterior, prática adotada por mim apenas no que diz respeito à aquisição de algumas poucas roupas ou perfumes. Portanto, se isso me transformava em um ultraconservador, então... Mas o fato era que aqueles produtos de higiene agora me fazia tanta falta!
Isso me incomodou bastante. Estava acostumado com as comodidades da vida moderna, não me condenem por isso. Sei que alguns sentiriam a falta de um champanhe de marca, ou do conforto do seu apartamento bem montado, mas não era o meu caso. Até me achava bem agasalhado no barraquinho miserável que construíra. O que me faltava mesmo era o que já falei, além de água na torneira, papel higiênico, café com pão fresco, o ovo frito no café da manhã, o computador para fazer as minhas anotações e ler as últimas notícias, as coisas mais simples e corriqueiras que um ser humana usa hoje em dia. E foi então que comecei a me dar conta dessas ausências com muita intensidade. Mas não sentia falta de ninguém em especial. Por quê? Ainda precisava descobrir isto.
A propósito disto, lembrei-me, nesta manhã, que poderia procurar por ovos de tartaruga, afinal, elas procuram praias calmas para desovar. Quem sabe não resolvesse um dos meus problemas rapidamente.
Andei pela orla um bom tempo procurando por um local onde elas pudessem ter deixado sobre a areia da praia algumas cascas de ovos logo depois que eclodiram. Não foi fácil, pois procurava sempre na faixa molhada da praia, e somente depois intui que elas deviam depositá-los em local fora do alcance das ondas. Depois dessa descoberta foi mais fácil encontrar o que procurava. As cascas, não os ovos cheios. Estes só os encontrei depois de cansativa investigação. Mas, depois de um tempo de procura, dei de cara com um monte deles, enterrados na areia fofa. Retirei alguns e deixei outros para gerar novas tartaruguinhas. E depois voltei correndo para o meu barraco e tentei preparar alguns deles, mas não foi fácil, pois me faltava o óleo comestível para fritá-lo, ou um pouco de manteiga.
Solucionei o problema com uma orientação que um amigo me deu certa feita. Ensinava-me ele como fugir dos efeitos danosos do óleo usando apenas água para fritar ovos. Pus isso em prática, e não é que deu certo! É claro que faltava aquele sabor inigualável do óleo na fritura. A bem da verdade, o ovo fica apenas cozido fora da casca. Mas valeu a pena. O ovo de tartaruga tem um sabor muito bom, e não é muito parecido com os de galinha, pois é um pouco mais intenso, forte. Assim, mais um problema resolvido.
Para substituir o creme dental, procurei a solução no material que me era mais abundante: a vegetação. Também fui buscar nas práticas de sobrevivência na selva, livro que havia lido anos atrás com muita atenção, apesar de nunca achar que um dia iria precisar dele, por ser eu um animal essencialmente urbano. Mas eis que chegara o dia. E, como diria o pai de uma amiga, “aprenda de tudo e use o necessário”. Não foi fácil encontrar uma árvore que me oferecesse uma casca com as qualidades necessárias à escovação dos meus dentes. Umas eram amargas demais, outras com forte adstringência, e outras mais leitosas e perigosas para a saúde.  O que eu procurava era algo que contivesse as propriedades substitutivas do flúor para combater o aparecimento da cárie dentária. E terminei por encontrar a tal árvore. Ela me forneceu uma casca meio avermelhada e, vai ver, dei de cara com o tal do xilitol. O certo é que funcionou bem. Senti a minha boca mais úmida e fresca, e o meu hálito menos afetado e sem aquele cheiro de mofo. Outro ponto superado. Se tivesse um pé de juazeiro por aqui, teria transposto essa fase com mais facilidade. Era só macerar algumas folhas e passar nos dentes. Pronto. Estava resolvido o problema. Mas não tinha. Não estava perdido na caatinga.
A falta do sabão foi um dos pontos mais encrencados para resolver. Lembrei-me que as pessoas do campo costumavam fazer o seu próprio sabão à partir de vísceras de animais ou de óleos de algumas palmáceas. Mas por aqui, como já afirmei, não encontrei nenhuma palmeira, e tampouco animais. E depois tinha a questão da potassa, tão necessário à confecção de um produto saponáceo. Mas tentei várias fórmulas, pois sabia que não poderia ficar com aquele cheiro nos sovacos por muito mais tempo. Gastei dias para encontrar uma fórmula que me desse um produto parecido com o sabão. Mas, tempo era um produto que eu possuía em larga escala. Terminei por encontrar algo parecido a partir do cozimento de casca de frutas misturadas com um óleo relativamente bem cheiroso que eu retirei de uma árvore, e também uma boa pitada de cinza vegetal. Não espumava muito, é bem verdade, mas retirou a gordura da minha pele e o odor já um tanto pesado das minhas axilas. E de quebra, solucionei o problema do shampoo. Parecia ser melhor para lavar os cabelos do que propriamente para desengordurar o corpo.
Se ficar mais tempo por aqui vou terminar escrevendo um tratado de sobrevivência na selva.  

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