DINHEIRO, PRA QUE DINHEIRO?
José Pedro Araújo
Somente ao chegar ao barraco verifiquei que quase todas as
cédulas eram de cem dólares americanos. Os maços, juntos, continham cerca de
sessenta delas, seis mil dólares no total. Uma boa quantia, mas, de pouca
serventia ali. Ou de nenhuma serventia, melhor dizendo. Mas guardei-as em uma
lata com tampa e a coloquei sobre uma pequena prateleira que havia feito próxima ao frechal.
A visão daquele homem morto e sofrendo o ataque de abutres,
fez-me refletir sobre a minha situação. Poderia ter se dado o mesmo comigo
quando cai ao mar. Mas esse não era o desígnio de Deus. Pelo menos naquela
hora. Antes, deu-me mais uma chance, uma sobrevida, mas não se esqueceu de
colocar um inimigo de plantão para que eu lutasse por ela. Deu-me também de
presente um ambiente luxuoso, mas de difícil sobrevivência, e muitos momentos
para refletir sobre a minha vida, sobre o encaminhamento que dei a ela,
desinteressado de quase tudo, principalmente das pessoas que me cercavam, ao pensar unicamente
no trabalho e em viver dissolutamente. Deste modo, o consultório do meu analista
era aquela praia sem saída. E o meu divã uma espreguiçadeira que eu mesmo havia
feito para apreciar a passagem dos dias do alpendre coberto com material
recolhido nas praias. Bom, tinha também o meu amigo Vincent, o palhacinho
sorridente. Mas, desse andei um pouco distanciado nos últimos tempos. Quase não
falava com ele.
Nos dias subsequentes ouvi barulho de helicópteros lá para o
outro lado da ilha e corri até a praia para ver se algum
deles passava novamente por ali. Até aviventei as letras do meu pedido de socorro para
facilitar a identificação lá do alto, uma vez já estarem tão apagadas, mas eles
não passaram nunca pelo lado da ilha que eu estava, a não ser na primeira vez,
quando fui acordado por eles. E mesmo nesse momento, ao correr para fora, já
estavam longe e por isso não me viram. Com os dias, esse movimento cessou.
Talvez estivessem à procura do morto, o tal oriental que eu encontrara na
praia. Mas logo desistiram.
Foi um choque para mim. Senti que havia perdido uma chance da
sair dali, e talvez demorasse a me aparecer outra, ou nunca mais tivesse outra
igual. E pensar que, pelo barulho do motor, aquele helicóptero voava tão baixo!
Desesperei-me e passei o restante do dia jogado na minha enxerga imaginando
como seria se estivesse lá fora, o resgate,o reencontro com a família, poder dar um beijo
na minha mãe, essas coisas que a gente só valoriza quando sente que as perdeu.
No dia seguinte resolvi ir à luta. Agora era comigo, pois, se
tivesse acordado um pouquinho mais cedo, teria tido a chance de sair dali. E
resolvi encontrar um meio de fugir da ilha a qualquer custo. E só havia um, já
sabia: pelo mar, utilizando um barco, ou qualquer coisa que flutuasse comigo em
cima. Resolvi construir um. Uma pequena jangada. Felizmente, como já afirmei,
havia muito material jogado pelas praias desprendido de embarcações que
navegavam por aquelas águas.
Também já havia até preparado um rudimentar martelo de unha,
não ficou uma coisa bonita de se ver, mas me servia eficientemente para extrair os pregos que encontrava pregados
nas tábuas encontradas por mim. E já tinha um estoque grande deles, de todos os
tamanhos. De forma que isso não seria um problema. Quanto a um objeto cortante,
uma faca, um serrote, nada disso eu possuía. E, desse modo, a minha embarcação
não sairia um primor. Mas, e daí, se não estava concorrendo em nenhum concurso
de artes?
Agora vou explicitar o plano que eu tracei para sair da ilha.
Como havia visto inúmeras ilhotas do lado contrário ao que me encontrava, uma
infinidade delas, planejei escapar por lá. Navegaria de uma para outra, fazendo
pequenas escalas para fugir das correntes mais fortes e das ondas mais
volumosas, e assim chegar a um lugar habitável. Não era possível que entre
tantas ilhotas não houvesse nenhuma com gente. Foi ai assim que coloquei em
prática o meu plano e comecei a construir a minha nau.
A falta de prática dificultava a minha empreitada e, assim,
levei uma infinidade de dias para construir algo que pudesse se manter
flutuando na flor da água. Depois, providenciei a calafetagem com aquele tipo de óleo
quase em estado sólido, muito comum nas praias, mas que só servem para sujar os
pés dos banhistas. Aparentemente tudo legal. Mas, depois de concluído, ficou
mais parecido com uma banheira, o meu barco. As pontas de madeira
desencontradas, umas maiores que as outras, deram um aspecto horrível à nau,
mas, parecia que flutuaria, e isso era o que me bastava. Fiz mais de um remo,
para o caso de perda de um de deles. Fiz quatro, na verdade. E fixei todos eles
nas laterais da minha banheira, digo, da minha embarcação. Agora era só esperar
pelo momento propício e me lançar ao mar com muita força e esperança de
encontrar uma saída para a minha já demorada estada naquela ilha. Desde a
passagem dos helicópteros eu estava com aquela ideia fixa de reagir àquela
situação que já perdurava bastante.
Dr. Araújo,
ResponderExcluirSerá que vai dar certo o plano do nosso náufrago? Essa banheira! Não sei não.
Ah, vai! No próximo capítulo o nosso intrépido náufrago vai mostrar toda a sua destreza.
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