quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Diário de Um Náufrago (Capítulo X)



DINHEIRO, PRA QUE DINHEIRO? 
José Pedro Araújo

Somente ao chegar ao barraco verifiquei que quase todas as cédulas eram de cem dólares americanos. Os maços, juntos, continham cerca de sessenta delas, seis mil dólares no total. Uma boa quantia, mas, de pouca serventia ali. Ou de nenhuma serventia, melhor dizendo. Mas guardei-as em uma lata com tampa e a coloquei sobre uma pequena prateleira que havia feito próxima ao frechal. 
 
A visão daquele homem morto e sofrendo o ataque de abutres, fez-me refletir sobre a minha situação. Poderia ter se dado o mesmo comigo quando cai ao mar. Mas esse não era o desígnio de Deus. Pelo menos naquela hora. Antes, deu-me mais uma chance, uma sobrevida, mas não se esqueceu de colocar um inimigo de plantão para que eu lutasse por ela. Deu-me também de presente um ambiente luxuoso, mas de difícil sobrevivência, e muitos momentos para refletir sobre a minha vida, sobre o encaminhamento que dei a ela, desinteressado de quase tudo, principalmente das pessoas que me cercavam, ao pensar unicamente no trabalho e em viver dissolutamente. Deste modo, o consultório do meu analista era aquela praia sem saída. E o meu divã uma espreguiçadeira que eu mesmo havia feito para apreciar a passagem dos dias do alpendre coberto com material recolhido nas praias. Bom, tinha também o meu amigo Vincent, o palhacinho sorridente. Mas, desse andei um pouco distanciado nos últimos tempos. Quase não falava com ele.

Nos dias subsequentes ouvi barulho de helicópteros lá para o outro lado da ilha e corri até a praia para ver se algum deles passava novamente por ali. Até aviventei as letras do meu pedido de socorro para facilitar a identificação lá do alto, uma vez já estarem tão apagadas, mas eles não passaram nunca pelo lado da ilha que eu estava, a não ser na primeira vez, quando fui acordado por eles. E mesmo nesse momento, ao correr para fora, já estavam longe e por isso não me viram. Com os dias, esse movimento cessou. Talvez estivessem à procura do morto, o tal oriental que eu encontrara na praia. Mas logo desistiram.

Foi um choque para mim. Senti que havia perdido uma chance da sair dali, e talvez demorasse a me aparecer outra, ou nunca mais tivesse outra igual. E pensar que, pelo barulho do motor, aquele helicóptero voava tão baixo! Desesperei-me e passei o restante do dia jogado na minha enxerga imaginando como seria se estivesse lá fora, o resgate,o reencontro com a família, poder dar um beijo na minha mãe, essas coisas que a gente só valoriza quando sente que as perdeu.

No dia seguinte resolvi ir à luta. Agora era comigo, pois, se tivesse acordado um pouquinho mais cedo, teria tido a chance de sair dali. E resolvi encontrar um meio de fugir da ilha a qualquer custo. E só havia um, já sabia: pelo mar, utilizando um barco, ou qualquer coisa que flutuasse comigo em cima. Resolvi construir um. Uma pequena jangada. Felizmente, como já afirmei, havia muito material jogado pelas praias desprendido de embarcações que navegavam por aquelas águas.

Também já havia até preparado um rudimentar martelo de unha, não ficou uma coisa bonita de se ver, mas me servia eficientemente para extrair os pregos que encontrava pregados nas tábuas encontradas por mim. E já tinha um estoque grande deles, de todos os tamanhos. De forma que isso não seria um problema. Quanto a um objeto cortante, uma faca, um serrote, nada disso eu possuía. E, desse modo, a minha embarcação não sairia um primor. Mas, e daí, se não estava concorrendo em nenhum concurso de artes?

Agora vou explicitar o plano que eu tracei para sair da ilha. Como havia visto inúmeras ilhotas do lado contrário ao que me encontrava, uma infinidade delas, planejei escapar por lá. Navegaria de uma para outra, fazendo pequenas escalas para fugir das correntes mais fortes e das ondas mais volumosas, e assim chegar a um lugar habitável. Não era possível que entre tantas ilhotas não houvesse nenhuma com gente. Foi ai assim que coloquei em prática o meu plano e comecei a construir a minha nau. 

A falta de prática dificultava a minha empreitada e, assim, levei uma infinidade de dias para construir algo que pudesse se manter flutuando na flor da água. Depois, providenciei a calafetagem com aquele tipo de óleo quase em estado sólido, muito comum nas praias, mas que só servem para sujar os pés dos banhistas. Aparentemente tudo legal. Mas, depois de concluído, ficou mais parecido com uma banheira, o meu barco. As pontas de madeira desencontradas, umas maiores que as outras, deram um aspecto horrível à nau, mas, parecia que flutuaria, e isso era o que me bastava. Fiz mais de um remo, para o caso de perda de um de deles. Fiz quatro, na verdade. E fixei todos eles nas laterais da minha banheira, digo, da minha embarcação. Agora era só esperar pelo momento propício e me lançar ao mar com muita força e esperança de encontrar uma saída para a minha já demorada estada naquela ilha. Desde a passagem dos helicópteros eu estava com aquela ideia fixa de reagir àquela situação que já perdurava bastante.

2 comentários:

  1. Dr. Araújo,

    Será que vai dar certo o plano do nosso náufrago? Essa banheira! Não sei não.

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    1. Ah, vai! No próximo capítulo o nosso intrépido náufrago vai mostrar toda a sua destreza.

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