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José Pedro Araújo
Ramiro chegou à plataforma de
embarque com a mesma decisão tomada ao sair de casa: “embarcarei no primeiro
trem que partir. Pra onde, não sei. Pode ser pra qualquer lugar, desde que este
qualquer lugar fique distante daqui”.
Arriou a mochila no
desgastado piso de cimento e ficou observando o movimento apressado dos
passageiros. “Parecem formigas tontas, nesse irrequieto vai-e-vem”, pensou
enquanto se abaixava para apanhar a mochila novamente.
Dando de ombros,
encaminhou-se para uma velha e fumacenta locomotiva que apitava estridentemente
à sua direita. E os passageiros, antes apressados, agora corriam para não
perder o trem na iminência de partir.
Ramiro seguiu calmamente
na direção do primeiro vagão sem se incomodar com o corre-corre dos outros
passageiros que trombavam nervosamente atrás dele, querendo afastá-lo do
caminho a qualquer custo. Não alterou o seu humor. Não alterou a passada, para
desgosto do primeiro-comissário que já o olhava como se quisesse esganá-lo.
-
O bilhete da passagem, meu rapaz! – o velho ferroviário soltou a voz por entre
os fios do bigode amarelado pela nicotina. – Cadê a porcaria do bilhete da
passagem? – externou a sua raiva ao observar que o rapaz não trazia nada nas
mãos.
Continuando
no seu total desinteresse, sem demonstrar a menor pressa, Ramiro meteu a mão no
bolso lateral da mochila, e com os dedos calmos resgatou um pedaço de papel
azulado que apresentou ao nervoso ferroviário que, impaciente, quase arrancou de
suas mãos.
-
Me dá isso aqui, rapaz! Sabia que temos horário a cumprir? – falou sem olhar
para o rapaz que continuava impassível. – Esse trem não é o seu! Tá maluco? –
falou sem conseguir mais reprimir a raiva que sentia daquele jovem que parecia
não ligar para o tempo, para o mundo, para nada, afinal. – Não sabe ler? O seu
trem só parte daqui a meia hora! Aqui, ó! – apontou para a hora escrita no
ticket.
Sem esperar pela resposta
do rapaz, o velho deu-lhe as costas e acenou para o maquinista, avisando-o que
já podia partir. Ramiro recuou dois passos, e sem mudar a fisionomia, falou
consigo mesmo: “eu só ia perguntá-lo se o trem era o meu”. E olhou para o
bilhete como se o visse pela primeira vez. “São Luís” - estava escrito em
código - SLZ.
Sem demonstrar a menor
emoção arrastou os pés até um banco de madeira encostado na parede e desabou
sobre, colocando a mochila ao lado. “São Luís é um bom lugar”. Foi a primeira
vez que se permitiu emitir uma apreciação desde que levantara de manhã com a
vontade de sumir da cidade por uns tempos. “Qualquer lugar é um bom lugar,
desde que fique afastado de meus problemas”, concluiu sua análise como se desse
o caso por encerrado.
Procurando uma posição
mais relaxada, recostou-se no duro encosto e cruzou as pernas disposto a
esperar pela partida do seu trem. Mas, antes de fechar os olhos para descansar
a vista da fumaça que o incomodava desde o momento que pisou naquela plataforma
barulhenta, ainda pensou uma última vez: “Meia hora. É o tempo que ainda
permanecerei neste lugar horrível”. Fechou os olhos e procurou se isolar do
mundo.
Estava assim, quando um
som metálico o tirou da madorra em que se encontrava. Pela primeira vez também suas
feições se alteraram naquela manhã. “Que diabos está acontecendo?” - abriu os olhos rapidamente.
- Ei! Tá surdo, rapaz? Até quando eu tenho que gritar avisando que o
seu trem já vai partir? – o velho ferroviário se esgoelava de frente para ele
com uma barra de ferro na mão. Mais um pouco e ele o espancaria com ela, tal o
estado em quem se achava.
Ramiro olhou para ele
mais relaxado e pensou mais uma vez consigo mesmo: “então é isso! O maldito
gongo que ouvi tocar com estardalhaço era isso?”. E calmamente se encaminhou para o vagão que o
velho lhe apontava. Procurou outra vez o papel azulado do bolso da mochila,
enquanto caminhava lentamente, ocasião em que o velho explodiu de vez:
- O bilhete, condenado! –
gritou a plenos pulmões, vermelho como se estivesse numa iminente crise de
apoplexia – Cadê a maldita passagem!
Ato continuo, bateu com a
barra de ferro na velha e tremida máquina. O barulho ensurdecedor que se ouviu
foi o de um gongo com um som oco, como se espancassem um tambor. Mas ninguém se
importou com isto. Alguns olharam de lado para observar o que acontecia, mas
continuaram a fazer o que faziam antes. Nem mesmo os passageiros já embarcados
pareciam dar a mínima importância ao que acontecia do lado de fora do vagão.
Então Ramiro mostrou-se
satisfeito. Também pela primeira vez naquela manhã. Animou-se com o resultado
da sua decisão. Logo estaria distante de tudo, da sua rotina cansativa, do seu
modo de vida sem grandes decisões.
“Afinal, parece que a
viagem vai ser legal” - Concluiu mansamente enquanto o velho ferroviário
tomava-lhe o papel azul das mãos e o empurrava furioso para os degraus de
acesso ao vagão – “Uma semana longe de casa vale qualquer coisa. A Úrsula que
me perdoe, mas seus gritos já estavam maltratando os meus tímpanos. Precisava
daquilo tudo?”. Ramiro alegrou-se
intimamente com a decisão tomada na noite anterior.
A locomotiva apitou
estridentemente, como se concordasse com a conclusão a que o rapaz havia
chegado. Foi o último apito antes do mostrengo se sacudir e escorregar pelos
trilhos reluzentes rumo à saída da estação. O sol já começava a subir por trás
dos prédios cinzentos daquela manhã de inverno, molhada, quando Ramiro começava
a procurar um lugar para se sentar.
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