José Pedro Araújo
Situado em uma encruzilhada
rodoviária, o Curador sempre foi corredor de passagem para quem transita para
muitas partes do estado maranhense. Isso desde quando as rodovias eram somente
longilíneos riscos na mata cerrada, caminhos para tropas de burro ou, no
máximo, para carros-de-boi. E em meio às tropeadas, também passavam por aqui os
ciganos. Geralmente, componentes daqueles grupos paupérrimos e esfarrapados vivam
eles do que ganhavam as mulheres com a leitura da sorte dos nativos, mas, e
principalmente, dos negócios que efetuavam com a troca de animais. Cláusula
pétrea do escambo: só realizavam o negócio se houvesse uma torna em seu favor. Pois
era dali que retiravam o sustento.
Quando menino fui testemunha dos
muitos grupos de miseráveis e maltrapilhos ciganos que acampavam na entrada da
cidade, ao relento, ao mais das vezes sob a copa de árvores. E vinham eles
precedidos de má fama. Diziam-se que roubavam crianças, e aí as donas de casa
ficavam alerta e apertavam o cerco aos filhos ainda pequenos. Depois, diziam-se
que roubavam tudo que se achasse à altura das mãos e por onde passavam. Talvez
haja grande excesso de preconceito nessas afirmações, mas, o certo é que eles
formavam uma trupe amedrontadora, sobretudo quando cruzavam com outro grupo
adversário. Aí a possibilidade de haver confronto era grande, pois sempre
haviam rixas a serem resolvidas. E não foram poucas as vezes que do embate
alguns cadáveres restaram caídos no pó das estradas.
Para nós, pré-adolescentes, havia
outra fama a ser conferida. Dizia-se à boca pequena que as meninas ciganas
faziam a sua iniciação sexual ainda bem jovens, e que se ofereciam a troco de
qualquer presente. Bem, nunca constatei isso. Mas alguns colegas contavam - de
ouvir dizer, é certo - que o fulano de tal havia espalhado que havia se
envolvido com uma ciganinha simpática e oferecida nas margens de um riacho em
Tuntum quando o seu grupo de viandantes passou por aquela cidade.
Mas não existem apenas bandos de
ciganos maltrapilhos. Existem aqueles grupos mais ricos, que transitam em uma
frota de veículos automotores, alguns deles em carros de última geração. Estes,
acomodam-se também em tendas de grande estilo, lindas de se ver, algumas tão
grandes que possuem até mesmo divisórias internas e alpendre. Do mesmo modo, existem ciganos ricos e
semissedentários, que desenvolvem atividades lucrativas e possuem endereços
fixos. A história antiga já apontava que em bairros do Rio de Janeiro como o da
Saúde, Gamboa e Santo Cristo, por exemplo, moravam muitas famílias ciganas. E ainda
hoje existem muitos deles abastados e que residem na cidade, como de resto em
muitas outras pelo Brasil afora.
Mas eu quero aqui me reportar a
um grupo nômade que transitiva por esse Brasil imenso com conforto e a bordo de
uma moderna frota de veículos. Isso se deu lá pelo fim dos anos sessenta,
quando eu ainda residia permanentemente na cidade. Naquele tempo a parte de
baixo da Praça do Mercado era um grande vazio e local em que os circos se
estabeleciam. Foi lá também que a comitiva de ciganos bem postados na vida
ergueu as suas tendas vistosas e coloridas. Logo viraram atração pública. Eu,
que na época cursava o ginásio no Colégio Presidente Dutra, a poucos passos
dali, também matava a minha curiosidade todos os dias em visitas àquele local.
Mas havia outra razão para sempre passar por lá. E isso podia acontecer no
horário de ir para o colégio, à noite, mas também em outras horas do dia. A
razão da minha atração era um par de moças, das mais lindas que eu havia visto
até então. Até parecia que a Gigliola Cinquetti, a Marilyn Monroe, ou mesmo a
Audrey Hapburn haviam desembarcado na cidade.
A trupe era composta por ciganos
legítimos, daqueles originários de países como a Hungria ou a Bulgária, a
julgar pelo aspecto dos homens, dos trajes excêntricos e da fala com forte
sotaque estrangeiro. E as duas princesas eram filhas do chefe daquele grupo que
negociava com produtos à base de cobre, joias e semijoias finas. Era dali que eles
tiravam o sustento. Mas as mulheres também faziam a leitura das mãos,
praticavam a dadomancia ou jogavam runas e ganhavam o próprio dinheirinho, como
já é praxe no meio em que vivem. E como se tratasse de mulheres finas, bem
vestidas e perfumadas, não precisavam sair pela rua em busca de clientes.
Permaneciam nas tendas e recebiam uma vasta clientela interessada em conhecer o
seu futuro, mas também em matar a curiosidade de conhecer in loco a razão de
tanta euforia na cidade.
As duas moças, como já falei,
eram lindas de viver. E apesar de irmãs, uma era bem alva, olhos claros, e a
outra possuía a pela amorenada, cabelos bem escuros e olhos amendoados. Não
dava para saber qual era a mais bonita. Ou melhor, dava. E isso por uma razão
simples: o galã da cidade, Remy Soares, fez a corte a mais alva. E dizem que
chegou a namorar com ela. Remy era também um rapaz bonito, rico, e muito
articulado, que veio depois a ser um dos maiores líderes políticos da terra,
sobre quem já escrevi um longo texto e o publiquei aqui nesse espaço. E em
sendo assim, a inveja que se abateu sobre todos nós transformou a sua escolhida
na mais bonita das duas moças. A disputa foi resolvida simplesmente assim. A
mais alva era a mais bonita. Pronto.
E então, as histórias mais
criativas começaram a circular pela cidade. Algumas pessoas mais bem informadas
afirmavam que as duas moças, juntamente com os pais, foram recebidos pelo casal
Salomão Soares e dona Zilda Soares em um lauto jantar na sua bela e confortável
residência. O casal de anfitriões era considerado o mais rico da cidade, e a
casa de morada que habitavam a mais chique daquele tempo. Daí ter sido assunto
mais que tratado nas rodas de conversa. Afirmam também que a eleita pelo jovem
conterrâneo recebera de presente uma moderna vitrola (chamávamos radiola). Afirmavam,
por fim, que o galã ficou muito triste quando as moças se foram, e que chegara
até a propor uma relação mais firme com a sua eleita. Mas, fora alertado que
quem se unia a um dos membros daquela família teria que seguir com o grupo,
morar com eles e viver da mesma forma que eles. E isso fez com que o rapaz
refluísse do seu propósito. Mesmo com grande tristeza instalada no coração.
Bem, deixando para lá essas
divagações, posso afirmar mais uma vez que as moças eram de incomparável
beleza, altas, esguias, e se apresentavam sempre belas e perfumadas, vestindo-se
com aqueles característicos trajes que somente víamos nas telas de cinema: vestimentas
com muitos adereços dourados e sapatos belos e encimados por fivelas também
douradas. É tudo o que eu me lembro agora, decorridos tantos anos. Deixaram
saudade quando foram-se embora. E para uma cidadezinha sem grandes novidades,
deixaram um vazio no largo do mercado, até que o próximo circo ali veio se
estabelecer e trouxe as suas artistas para alegrar o público saudoso.
Agora, contudo, estávamos mais
exigentes quanto à beleza e a elegância das nossas musas. Não seria qualquer trapezista
ou partner de palhaço que iria cair no nosso gosto. Não! Teria que ser bela,
vestir-se elegantemente e despejar simpatia a mãos cheias como fizeram as duas
ciganas mais belas que o sol do Curador já banhou com seus raios luminosos. Se
existiam outras moças naquele grupo? Existiam, sim. Muitas outras, até certo
ponto belas também, mas não me recordo de nenhuma delas.
Nobre José Pedro Araújo, gosto muito de suas produções, especialmente, quando trata de história local e regional. Sou professor de História em Tuntum e Santa Filomena e sempre que me deparo com textos que citam, façam a TUNTUM, fico com a curiosidade aguçada, pois tenho tentado fazer um trabalho de resgate de nossa história. A dificuldade é enorme e o Nobre Escritor sabe bem. Tua obra: Viajando do Curador a Presidente Dutra nos oferece importantes referências e subsídios para a nossa jornada. Deste modo, gostaria muito de dialogar contigo, pois como exalas cultura, terá muito para contribuir. Também alimento o blog Ecos de Tuntum: http://ecosdetuntum.blogspot.com.br/, no qual posto textos sobre TUNTUM. Gostaria também de ter a oportunidade de conhecer-te pessoalmente e solicitar que autografe o livro.
ResponderExcluirJean Carlos Gonçalves.
Meu e-mail é: jc1979ga@gmail.com
ResponderExcluirCaro Jean Carlos,por um problema técnico no nosso blog muitos comentários deixaram de aparecer na nossa tela. Recentemente tivemos que fazer uma limpeza na máquina que costumamos usar e detectamos que dezenas de comentários mantinham-se ocultos. Peço desculpas pela omissão e ao mesmo tempo agradecer-te pelas palavras de incentivo. Será um prazer manter contato com você para trocarmos experiências sobre assuntos tão caros para nós.
ResponderExcluirGrande abraço
JP Araújo