sábado, 28 de janeiro de 2017

O FRADE ALEMÃO

Steve McQuen no filme Fugindo do Inferno



José Pedro Araújo

Lá pelos idos dos sessenta apareceu no Curador um padre capucho originário das terras geladas da Alemanha. Boa pinta, louro como a maioria dos seus conterrâneos, alto, boa pinta, nada sei sobre o seu mister religioso, mas sei que gostava mesmo era de uma motocicleta da qual cuidava muito bem. A máquina, provavelmente uma Zundapp KS, muito utilizada pelos alemães durante os últimos anos da segunda grande guerra, era barulhenta a mais não poder, e era o brinquedo predileto do frade louro. Já velha, a moto pedia muita manutenção também, e por isso o religioso andava sempre trajando um velho macacão verde escuro, muito folgado e sujo de graxa. Nesses dias em que se dedicava ao serviço mecânico, ele descia a Rua Grande, por essa época ainda sem calçamento e muito poeirenta, assustando a garotada com a barulheira ensurdecedora que a máquina em teste fazia. O conjunto esquisito também atraia a cachorrada atrás de si. O velho macacão folgado enchia-se de vento e o transformava em algo igual a um boneco de propaganda inflável, e isso fazia com que os cães corressem atrás dele latindo e aumentando o barulho que tomava conta da cidade modorrenta à sua passagem. Foi a primeira vez que eu vi alguém usando aqueles óculos de motociclista/aviador e o capacete de couro que mal segurava seus cabelos louros e esvoaçantes.

Aficionado pelo esporte sobre rodas, dizia-se que na última paróquia em que serviu, a de Barra do Corda, ele passara vinte e quatro horas montado sobre o selim de uma bicicleta rodando na pista do aeroporto da cidade. Recorde jamais superado por alguém na cidade. Mas o padre chegou à Presidente Dutra precedido de outra fama: a de gostar imensamente de um rabo-de-saia. Talvez por essa razão, as missas matinais rezadas por ele passaram a receber um número sempre crescente de jovens mulheres durante as suas celebrações.

Para uma cidadezinha remota e quase sem novidades como a nossa, o assunto passou a ser tratado em todas as rodas de conversa. E logo, o nome de algumas das jovens mais carolas passou a circular como mais uma conquista do padreco. Era voz corrente que o homem era um terror e não dispensava nada. Falou fino, vestiu saia, ele se interessava pelo assunto. Havia acontecido isso em Grajaú e Barra do Corda, onde deixara uma leva de jovens mulheres saudosas e chorosas quando foi transferido. E agora o velho Curador entrava na sua alça de mira.

Duas jovens congregacionais, já um pouco entradas na idade, mas ainda com alguns atributos atrativos, frequência constante nas missas matinais, passaram a ser alvo dos bisbilhoteiros de plantão. E isso se transformou em insidiosa fofoca em toda a cidade. Filhas de uma viúva muito conhecida e respeitada, a situação das moças ficou insustentável quando o religioso foi transferido abruptamente para São Luís. Para muitos, foi apenas a confirmação de que o padre havia feito estrago entre as fiéis da Paróquia de São Sebastião. Não restou alternativa às jovens a não ser partir também, abandonando a cidade que tanto amavam.

Do padre louro não tivemos mais notícias. Deve ter encontrado campo mais fértil na capital, cidade com uma população muitas vezes maior e também menos preconceituosa. A fama de namorador incorrigível não pode ser confirmada. Mas, o enrosco diário do padre com a sua máquina terrível, isso ficou registrado nos anais do município. Por sua vez, a rápida  transferência do religioso para a capital apenas pouco tempo depois da sua chegada ao Curador, serviu de elemento confirmador para os maldosos que costumam ver verdades onde só existem indícios. À falta de novidades diárias nas pequenas cidades interioranas, qualquer suspeita pode se transformar em verdade incontestável na mente dos desocupados que pululam nesses lugares, com tempo ocioso e uma grande dose de maldade na alma.

Essa história me veio à mente após assistir a um antigo filme de guerra com o louro Steve McQueen protagonizando cenas memoráveis sobre uma velha e barulhenta motocicleta. Mais do que as lembranças de cenas picantes acontecidas no meu torrão, o que me traz à mente tantas histórias é o ambiente em que elas se davam: as ruas sem calçamento, a poeira vermelha das ruas, a simplicidade do seu povo, tudo isso povoa a minha mente e traz de volta muitos acontecidos.

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