Steve McQuen no filme Fugindo do Inferno |
José Pedro Araújo
Lá pelos idos dos sessenta
apareceu no Curador um padre capucho originário das terras geladas da Alemanha.
Boa pinta, louro como a maioria dos seus conterrâneos, alto, boa pinta, nada sei sobre o seu
mister religioso, mas sei que gostava mesmo era de uma motocicleta da qual cuidava muito bem. A máquina,
provavelmente uma Zundapp KS, muito utilizada pelos alemães durante os últimos
anos da segunda grande guerra, era barulhenta a mais não poder, e era o
brinquedo predileto do frade louro. Já velha, a moto pedia muita manutenção
também, e por isso o religioso andava sempre trajando um velho macacão verde
escuro, muito folgado e sujo de graxa. Nesses dias em que se dedicava ao
serviço mecânico, ele descia a Rua Grande, por essa época ainda sem calçamento e muito poeirenta, assustando a garotada com a barulheira ensurdecedora que a máquina em teste fazia.
O conjunto esquisito também atraia a cachorrada atrás de si. O velho macacão
folgado enchia-se de vento e o transformava em algo igual a um boneco de
propaganda inflável, e isso fazia com que os cães corressem atrás dele latindo
e aumentando o barulho que tomava conta da cidade modorrenta à sua passagem.
Foi a primeira vez que eu vi alguém usando aqueles óculos de
motociclista/aviador e o capacete de couro que mal segurava seus cabelos louros e
esvoaçantes.
Aficionado pelo esporte sobre
rodas, dizia-se que na última paróquia em que serviu, a de Barra do Corda, ele
passara vinte e quatro horas montado sobre o selim de uma bicicleta rodando na
pista do aeroporto da cidade. Recorde jamais superado por alguém na cidade. Mas
o padre chegou à Presidente Dutra precedido de outra fama: a de gostar
imensamente de um rabo-de-saia. Talvez por essa razão, as missas matinais
rezadas por ele passaram a receber um número sempre crescente de jovens mulheres
durante as suas celebrações.
Para uma cidadezinha remota e
quase sem novidades como a nossa, o assunto passou a ser tratado em todas as
rodas de conversa. E logo, o nome de algumas das jovens mais carolas passou a
circular como mais uma conquista do padreco. Era voz corrente que o homem era
um terror e não dispensava nada. Falou fino, vestiu saia, ele se interessava
pelo assunto. Havia acontecido isso em Grajaú e Barra do Corda, onde deixara
uma leva de jovens mulheres saudosas e chorosas quando foi transferido. E agora
o velho Curador entrava na sua alça de mira.
Duas jovens congregacionais, já um pouco entradas
na idade, mas ainda com alguns atributos atrativos, frequência constante
nas missas matinais, passaram a ser alvo dos bisbilhoteiros de plantão. E isso se
transformou em insidiosa fofoca em toda a cidade. Filhas de uma viúva muito
conhecida e respeitada, a situação das moças ficou insustentável quando o
religioso foi transferido abruptamente para São Luís. Para muitos, foi apenas a
confirmação de que o padre havia feito estrago entre as fiéis da Paróquia de
São Sebastião. Não restou alternativa às jovens a não ser partir também,
abandonando a cidade que tanto amavam.
Do padre louro não tivemos mais
notícias. Deve ter encontrado campo mais fértil na capital, cidade com uma
população muitas vezes maior e também menos preconceituosa. A fama de namorador
incorrigível não pode ser confirmada. Mas, o enrosco diário do padre com a sua
máquina terrível, isso ficou registrado nos anais do município. Por sua vez, a rápida
transferência do religioso para a
capital apenas pouco tempo depois da sua chegada ao Curador, serviu de elemento
confirmador para os maldosos que costumam ver verdades onde só existem
indícios. À falta de novidades diárias nas pequenas cidades interioranas,
qualquer suspeita pode se transformar em verdade incontestável na mente dos
desocupados que pululam nesses lugares, com tempo ocioso e uma grande dose de maldade na alma.
Essa história me veio à mente
após assistir a um antigo filme de guerra com o louro Steve McQueen protagonizando
cenas memoráveis sobre uma velha e barulhenta motocicleta. Mais do que as lembranças
de cenas picantes acontecidas no meu torrão, o que me traz à mente tantas
histórias é o ambiente em que elas se davam: as ruas sem calçamento, a poeira
vermelha das ruas, a simplicidade do seu povo, tudo isso povoa a minha mente e
traz de volta muitos acontecidos.
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