quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Diário de Um Náufrago (Capítulo XI)



AO MAR
José Pedro Araújo
Levei mais alguns dias para decidir a hora ideal para a partida. As chuvas vinham em iam, sem dia ou hora marcada, e o mar estava um pouco agitado demais para alguém que nunca havia se dedicado muito à canoagem ir para ele. Tivera poucas oportunidades com caiaques, em brincadeiras de final de semana com os amigos na Rodrigo de Freitas, mas somente isso. Nada de enfrentar o mar, as ondas mais fortes e, principalmente, uma rota totalmente desconhecida em algo munido de remos. E, enquanto isso, o meu barco ficava ali, em pé e encostado a uma árvore, só aguardando a hora certa para partir. Na verdade me faltava também coragem para iniciar a empreitada. E era natural que fosse assim.

Mas, ela me veio certa madrugada quando acordei de um sonho tipo pesadelo. Sonhei que minha mãe juntara a família para informar que havia recebido um comunicado de uma empresa de turismo, a qual eu havia contratado o pacote da minha viagem, informando-a de que eu havia caído ao mar e me afogado. Informaram também que o meu corpo não fora achado. Depois, na sequência, vi a minha mãe chorando muito, amparada pelos meus irmãos, e sem mais ninguém ao redor deles. Estavam todos reunidos na sala da nossa casa na Glória, local onde nasci e morei até quando ganhei o suficiente para comprar o meu primeiro apartamento.

O mais incrível daquela imagem é que mostrava coisas que não mais estão lá na velha casa, como um pôster do fluminense, campeão brasileiro de 1984, pregado ao lado de um quadro com uma gravura do rio antigo. O meu quadro eu havia levado comigo quando da minha mudança para o novo apartamento e, portanto, não deveria aparecer na imagem. Qual a mensagem que isso trazia? Já me davam como morto, e por isso haviam levado todos os meus pertences de volta para a nossa casa?

Resolvi que era hora de partir. Precisava sair dali e avisar a todos que estava vivo. E amanheceu um lindo dia de sol. O mar estava calmo, sem ondas, parecia um espelho d´água, plácido e calmo. Era agora ou nunca. Peguei tudo que já estava preparado para a viagem: dezenas de garrafas pets com água, comida para a travessia, a mala com as roupas, sem as femininas, é claro, essas ficariam no barraco, e levei tudo para a praia. As últimas coisas que levei foram o meu estojo com a espingarda, e o próprio barco.

Ficara pesado e precisei de muita força para transportá-lo pelos cem metros que separavam a casa da beira do mar. Joguei-o na água e fiquei a observar se não havia infiltração, mas, pelo menos nos poucos instantes que fiquei olhando vi que a calafetagem fora eficiente. Nada entrou de água para dentro do meu transporte.

Entrei nele, após acomodar os meus pertences e, a princípio, pareceu não suportar bem o meu peso, mas, logo se estabilizou e flutuou legal. Somente um fato me desagradou: a água ficou pouco distante da borda da caixa que eu havia feito, talvez oito ou dez centímetros apenas. Arrependi-me de não ter optado pelo estilo jangada. Mas agora era tarde. Só me restava torcer para o barco não fazer água.

Como teria que seguir bordejando a ilha para alcançar o outro lado dela, iniciei a minha tarefa com o remo e vi que apesar da corrente me ser favorável, mesmo assim  o barco era bastante pesado e dificultava a sua movimentação. Deste modo, logo estava cansado e com as forças no limite. Outra preocupação. Deveria ter experimentado a minha embarcação primeiro; praticado o manejo do remo, tudo antes de iniciar a travessia para a próxima ilha. Outra falha que poderia ser grave. Mas resolvi seguir em frente. Talvez com o auxílio da corrente, como ela me fosse favorável, conseguisse chegar ao meu destino. De fato a corrente estava ao meu favor agora, mas a navegação, mesmo assim, era muito lenta. Levei mais de uma hora para chegar aonde se achava o velho navio naufragado.

Travei uma luta tenaz para evitar que a minha embarcação se despedaçasse ao se chocar com o navio encalhado, foi uma tarefa que me demandou um esforço quase hercúleo e que, no final, levou toda a minha energia embora. E, ainda por cima, a corrente teimava em me afastar da praia, levar-me para mar alto. Pela segunda vez pensei em desistir da empreitada.

Quando consegui controlar o barco, fazê-lo navegar mais próximo da costa, voltei a me animar estimulado pelo meu sucesso e pelo novo trabalho favorável da corrente marinha. E foi assim que chegamos ao limite da ilha, onde deveríamos contornar à esquerda. Foi outra luta feroz. A corrente marinha teimava em me levar diretamente para mar aberto, e tive que controlar a embarcação com a força do remo. Foi difícil, e isso me mostrou que eu estava completamente errado. Tentar navegar em um trambolho tão pesado quanto aquele poderia me ser fatal. Foi então que resolvi que aquilo não daria certo. E que, caso insistisse, me afogaria, com toda a certeza. Peguei parte das coisas e resolvi voltar andando, depois de largar a embarcação ancorada na beira da água. Quem sabe o meu adversário não fizesse uso dela para ir-se dali.

Cheguei ao casebre por volta da duas da tarde, pelo que pude conjeturar pela posição do sol. E a encontrei em completa desordem. A porta estava arrombada, as coisas reviradas, inclusive a mesa e a minha cama, todas as minhas coisas estavam totalmente destruídas. Lembrei-me da lata com o dinheiro, que havia me esquecido de levar comigo, mas ela já não estava onde a havia deixado. Além de mau, o meu inimigo era também um ladrão desavergonhado. Depois lhe daria uma resposta.

No chão já o Vincent todo rasgado, sorrido cortado ao meio. De fato, o meu inimigo tinha ódio a tudo o que de mais próximo eu possuía. Deveria ter levado o meu palhaço sorridente comigo. E mais, deveria ter enfrentado a corrente, pois, qualquer coisa seria mais seguro para mim do que ficar ali esperando pelo ataque do meu inimigo que se mostrava cada vez mais afoito.

Passei uns três dias tentando reorganizar o que o meu inimigo havia destruído, mas, no final, achei que tudo havia ficado melhor. Era a experiência de fazer aquilo pela segunda vez. E foi depois disso que resolvi ir-me à forra. Antes que o dia raiasse, já estava nas imediações do território inimigo, planejando como iria até ele. E estava assim, quando vi um vulto sair pelo que parecia ser a boca de uma caverna com algo nas mãos para, em seguida, lançar fora. Pela distancia que estava não deu para vê-lo muito bem, mas vi que manquejava bastante, como se tivesse um defeito em uma das pernas, ou nas duas.

Esperei mais um tempo, mas ele não saiu mais da sua toca. Então me acheguei mais, carabina pronta para o uso, e fui até ao local onde ele deixava as linhas que, com certeza, ao serem tocadas, provocariam algum alerta lá na caverna. Então movimentei os cordéis com força. Não tardou e o homem apontou na porta da caverna e disparou a primeira flecha em direção à sua armadilha. Foi então que pude depreender o porquê de não ter me acertado eficientemente. Ele atirava seguindo apenas a direção da sua armadilha, disparando várias vezes para se assegurar de que o inimigo havia sido ferido. Dessa vez ele era quem estava na minha mira. E não parei para pensar duas vezes: disparei um tiro na sua direção, e o estrondo que eu ouvi me deixou quase surdo. A bala acertou uma árvore a poucos metros do meu atacante, que, num átimo, sumiu da minha vista. Passado o primeiro susto ele voltou a disparar na minha direção com muita sofreguidão, de modo que as suas flechas passavam cada vez mais perto de mim. Ainda disparei mais uma vez, depois de municiar a arma novamente, e desta vez vi que o projétil entrou gruta adentro. Então resolvi retornar para a minha base. Estava dado o meu recado àquele ladrão.

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