AO MAR
José Pedro Araújo
Levei mais alguns dias para
decidir a hora ideal para a partida. As chuvas vinham em iam, sem dia ou hora
marcada, e o mar estava um pouco agitado demais para alguém que nunca havia se
dedicado muito à canoagem ir para ele. Tivera poucas oportunidades com
caiaques, em brincadeiras de final de semana com os amigos na Rodrigo de
Freitas, mas somente isso. Nada de enfrentar o mar, as ondas mais fortes e,
principalmente, uma rota totalmente desconhecida em algo munido de remos. E,
enquanto isso, o meu barco ficava ali, em pé e encostado a uma árvore, só
aguardando a hora certa para partir. Na verdade me faltava também coragem para
iniciar a empreitada. E era natural que fosse assim.
Mas, ela me veio certa madrugada
quando acordei de um sonho tipo pesadelo. Sonhei que minha mãe juntara a
família para informar que havia recebido um comunicado de uma empresa de
turismo, a qual eu havia contratado o pacote da minha viagem, informando-a de
que eu havia caído ao mar e me afogado. Informaram também que o meu corpo não
fora achado. Depois, na sequência, vi a minha mãe chorando muito, amparada
pelos meus irmãos, e sem mais ninguém ao redor deles. Estavam todos reunidos na
sala da nossa casa na Glória, local onde nasci e morei até quando ganhei o
suficiente para comprar o meu primeiro apartamento.
O mais incrível daquela imagem é
que mostrava coisas que não mais estão lá na velha casa, como um pôster do
fluminense, campeão brasileiro de 1984, pregado ao lado de um quadro com uma
gravura do rio antigo. O meu quadro eu havia levado comigo quando da minha
mudança para o novo apartamento e, portanto, não deveria aparecer na imagem.
Qual a mensagem que isso trazia? Já me davam como morto, e por isso haviam
levado todos os meus pertences de volta para a nossa casa?
Resolvi que era hora de partir.
Precisava sair dali e avisar a todos que estava vivo. E amanheceu um lindo dia
de sol. O mar estava calmo, sem ondas, parecia um espelho d´água, plácido e
calmo. Era agora ou nunca. Peguei tudo que já estava preparado para a viagem:
dezenas de garrafas pets com água, comida para a travessia, a mala com as
roupas, sem as femininas, é claro, essas ficariam no barraco, e levei tudo para
a praia. As últimas coisas que levei foram o meu estojo com a espingarda, e o
próprio barco.
Ficara pesado e precisei de muita
força para transportá-lo pelos cem metros que separavam a casa da beira do mar.
Joguei-o na água e fiquei a observar se não havia infiltração, mas, pelo menos
nos poucos instantes que fiquei olhando vi que a calafetagem fora eficiente.
Nada entrou de água para dentro do meu transporte.
Entrei nele, após acomodar os
meus pertences e, a princípio, pareceu não suportar bem o meu peso, mas, logo
se estabilizou e flutuou legal. Somente um fato me desagradou: a água ficou
pouco distante da borda da caixa que eu havia feito, talvez oito ou dez
centímetros apenas. Arrependi-me de não ter optado pelo estilo jangada. Mas
agora era tarde. Só me restava torcer para o barco não fazer água.
Como teria que seguir bordejando
a ilha para alcançar o outro lado dela, iniciei a minha tarefa com o remo e vi
que apesar da corrente me ser favorável, mesmo assim o barco era bastante pesado e dificultava a
sua movimentação. Deste modo, logo estava cansado e com as forças no limite.
Outra preocupação. Deveria ter experimentado a minha embarcação primeiro;
praticado o manejo do remo, tudo antes de iniciar a travessia para a próxima
ilha. Outra falha que poderia ser grave. Mas resolvi seguir em frente. Talvez
com o auxílio da corrente, como ela me fosse favorável, conseguisse chegar ao
meu destino. De fato a corrente estava ao meu favor agora, mas a navegação,
mesmo assim, era muito lenta. Levei mais de uma hora para chegar aonde se
achava o velho navio naufragado.
Travei uma luta tenaz para evitar
que a minha embarcação se despedaçasse ao se chocar com o navio encalhado, foi
uma tarefa que me demandou um esforço quase hercúleo e que, no final, levou
toda a minha energia embora. E, ainda por cima, a corrente teimava em me
afastar da praia, levar-me para mar alto. Pela segunda vez pensei em desistir
da empreitada.
Quando consegui controlar o barco,
fazê-lo navegar mais próximo da costa, voltei a me animar estimulado pelo meu
sucesso e pelo novo trabalho favorável da corrente marinha. E foi assim que
chegamos ao limite da ilha, onde deveríamos contornar à esquerda. Foi outra
luta feroz. A corrente marinha teimava em me levar diretamente para mar aberto,
e tive que controlar a embarcação com a força do remo. Foi difícil, e isso me
mostrou que eu estava completamente errado. Tentar navegar em um trambolho tão
pesado quanto aquele poderia me ser fatal. Foi então que resolvi que aquilo não
daria certo. E que, caso insistisse, me afogaria, com toda a certeza. Peguei
parte das coisas e resolvi voltar andando, depois de largar a embarcação
ancorada na beira da água. Quem sabe o meu adversário não fizesse uso dela para
ir-se dali.
Cheguei ao casebre por volta da
duas da tarde, pelo que pude conjeturar pela posição do sol. E a encontrei em
completa desordem. A porta estava arrombada, as coisas reviradas, inclusive a
mesa e a minha cama, todas as minhas coisas estavam totalmente destruídas.
Lembrei-me da lata com o dinheiro, que havia me esquecido de levar comigo, mas
ela já não estava onde a havia deixado. Além de mau, o meu inimigo era também
um ladrão desavergonhado. Depois lhe daria uma resposta.
No chão já o Vincent todo
rasgado, sorrido cortado ao meio. De fato, o meu inimigo tinha ódio a tudo o
que de mais próximo eu possuía. Deveria ter levado o meu palhaço sorridente
comigo. E mais, deveria ter enfrentado a corrente, pois, qualquer coisa seria
mais seguro para mim do que ficar ali esperando pelo ataque do meu inimigo que
se mostrava cada vez mais afoito.
Passei uns três dias tentando
reorganizar o que o meu inimigo havia destruído, mas, no final, achei que tudo
havia ficado melhor. Era a experiência de fazer aquilo pela segunda vez. E foi
depois disso que resolvi ir-me à forra. Antes que o dia raiasse, já estava nas
imediações do território inimigo, planejando como iria até ele. E estava assim,
quando vi um vulto sair pelo que parecia ser a boca de uma caverna com algo nas
mãos para, em seguida, lançar fora. Pela distancia que estava não deu para
vê-lo muito bem, mas vi que manquejava bastante, como se tivesse um defeito em
uma das pernas, ou nas duas.
Esperei mais um tempo, mas ele
não saiu mais da sua toca. Então me acheguei mais, carabina pronta para o uso,
e fui até ao local onde ele deixava as linhas que, com certeza, ao serem
tocadas, provocariam algum alerta lá na caverna. Então movimentei os cordéis
com força. Não tardou e o homem apontou na porta da caverna e disparou a
primeira flecha em direção à sua armadilha. Foi então que pude depreender o
porquê de não ter me acertado eficientemente. Ele atirava seguindo apenas a
direção da sua armadilha, disparando várias vezes para se assegurar de que o
inimigo havia sido ferido. Dessa vez ele era quem estava na minha mira. E não
parei para pensar duas vezes: disparei um tiro na sua direção, e o estrondo que
eu ouvi me deixou quase surdo. A bala acertou uma árvore a poucos metros do meu
atacante, que, num átimo, sumiu da minha vista. Passado o primeiro susto ele
voltou a disparar na minha direção com muita sofreguidão, de modo que as suas
flechas passavam cada vez mais perto de mim. Ainda disparei mais uma vez,
depois de municiar a arma novamente, e desta vez vi que o projétil entrou gruta
adentro. Então resolvi retornar para a minha base. Estava dado o meu recado
àquele ladrão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário