NO OLHO DE UM FURACÃO
José Pedro Araújo
A tempestade varria tudo agora e
parecia se mover de um lado para o outro da ilha, apontando a sua força
tormentosa para onde ficava exatamente a minha choça. Furiosa, desembestada, já
estava destruindo tudo, levando de roldão o que encontrava pelo caminho. Deste
modo, quase não consigo sair da água. Mas, cheguei à terra firme e fui acossado
pela areia em suspensão que, levantada do chão, e formando densa nuvem, cegava-me.
Um pavor crescente tomou conta de
mim ao intuir que aquilo, de fato, era só o começo de uma tempestade tropical.
No mínimo. Pois poderia se transformar rapidamente em algo pior: um ciclone, um
tufão, o diabo a quatro. Não tinha tempo a perder e corri em busca de abrigo.
Não estava de plano a morrer naquela ilha deserta. Não mesmo. Não havia lutado
até agora para perecer assim. Não havia tentando levar uma vida quase normal
ali, apesar da aflição e do desânimo que se abatia sobre mim quando a noite
chegava, e que procurava superar afirmando para mim mesmo que tiraria tudo de
letra, para sucumbir vítima de um fenômeno natural! Sem testemunhas que
pudessem levar notícia aos meus sobre o meu desaparecimento, nunca. Nunca!
Sempre pensei em ter os meus amigos e familiares em volta de mim, degustando o
último cafezinho na minha presença. Não isso. Não isso!
A ventania, por vezes, quase me
elevava do chão, e me esfregava, torcia, retorcia, deitava-me na terra quando
parecia que me elevaria ao ar a qualquer instante. Estava me maltratando. Foi
um tempo que mais parecia uma eternidade o que levei para chegar até a borda da
mata. Mas lá a calmaria passava longe também. As árvores balançavam loucamente
e algumas mais finas já estavam deitadas ao solo, tombadas e quase arrancadas
pela raiz. Internei-me na mata. Precisava de uma proteção maior contra aquele
fenômeno mortal.
Procurava por algo que me
parecesse mais resistente, uma árvore grossa o bastante para se manter de pé,
uma grande rocha, e melhor, uma pequena caverna. Este abrigo, agora o meu sonho
de posse principal, sabia ser algo impossível de obter. E sem algo que me
mantivesse atado ao tronco de uma árvore, sabia serem as minhas chances de
escapar com vida remotíssima. Mas lutaria por isso. Precisava lutar por ela.
Embrenhei-me naquela selva
maltratada, enlameada, desfolhada. Ali havia mais condições de defesa, mas via
que o tempo piorava demais. Parecia até que eu estava inserido exatamente no
olho do furacão. Conclui que isso que me afligia era, de fato, um furacão. Não
havia outra explicação. Aliás, preciso fazer uma pausa aqui para uma explicação.
Há dias vinha imaginando em qual
região do mundo se situava a minha ilha. E não tive muito trabalho para chegar
a uma resposta que me parecia correta. Era certo que o navio de cruzeiro que me
transportava navegava pela Ásia naquele momento, à altura das Filipinas. E, se
eu estava certo mesmo, digo isso porque era noite quando me vi jogado ao mar,
poderia está em uma das milhares de ilhas que existiam naquela parte do mundo.
E o pior: muitas dela eram completamente desertas.
E agora a pior constatação: a
natureza nesta região era instável, estava sujeita a toda sorte de problemas
naturais, a começar pelas chuvas tropicais intensas e até mesmo aos furacões
tenebrosos e mortais. E isso agora eu constatava. E devo acrescentar: era uma
coisa horripilante, apavorante mesmo, se achar no centro de um desses
fenômenos.
As árvores, como já afirmei,
serviam-me de anteparo enquanto procurava um local mais seguro, se é que
haveria algum por ali. Mas havia, e a prova disso é que ainda estava vivo,
mesmo depois de tantos açoites, tanta areia nos olhos, tanto medo distribuído
no corpo todo, mas tanta determinação também que me fazia escapar em meio ao
estardalhaço daquele fenômeno estarrecedor. E como não estava enxergando um
palmo à minha frente, trombei com algo que me pareceu extremamente duro,
imexível: era uma grande rocha, ou um paredão rochoso. E logo senti uma
diminuição muito grande na força do vento, mas ainda era grande a quantidade de
pedaços de madeira, folhas e areia arremessados sobre mim ou ao meu entorno. A
chuva, em especial, desabava a cântaros sobre mim. Tateando o local observei
que tinha uma grande pedra a minha frente, algo que passava em muito da minha
altura. Então procurei encontrar uma abertura qualquer nela que me pudesse
fornecer abrigo, mas não encontrei de imediato. Mas, ao me postar por trás dela
observei que me deu relativa proteção, já não sofria mais os efeitos da
ventania como antes. Cai sentado no solo arenoso e esperei.
Não acho que o furacão que se
abatia sobre a região fosse de uma categoria acima do nível dois, pois, caso
contrário, não estaria aqui relatando a minha história. Podia até ser inferior,
ou mesmo uma simples tempestade tropical. Mas era apavorante e parecia não ter
hora para acabar. Fiquei ali por um tempo impreciso, mas, caso ainda tivesse
comigo o meu relógio Tag Heur, que havia lançado fora assim que dei por mim
naquela ilha por se achar já imprestável, ele teria marcado pelo menos seis
horas de desespero, chuvas, ventos, e medo, muito medo. E quando a tempestade abrandou,
ainda passei um bom tempo encostado naquela pedra salvadora, aproveitando para
respirar e para conter a minha angústia.
Como estava com o rosto colado na
pedra para evitar ser atingido por algum objeto voador, não vi logo que a
escuridão havia dado lugar a uma claridade mortiça que ia aumentando à medida
que a chuva ia diminuindo e o vento amainando. Minhas pernas também estavam
doloridas e muito pesadas, e quando pensei em retroceder e me descolar da
parede pedregosa, cai sentado na terra novamente, não pude mais me sustentar
sobre elas. E fiquei assim por um bom tempo, chorando e agradecendo aos céus
por ter sobrevivido a mais uma provação naqueles dias.
Trêmulo, depois de algum tempo
sentado, levantei-me e comecei a me afastar dali. Entendia que o pior já havia
passado, mas a chuva ainda persistia, apesar de agora mais amena. Sai em busca
do meu barraco que, esperava, ainda estivesse de pé. Caminhava tropegamente, as
pernas doíam intensamente, mas mesmo assim prossegui e logo mais já estava caminhando
pela faixa de areia. Ao meu redor estava tudo devastado. O paraíso havia sido
quase que completamente destruído e a praia arrasada e reduzida a uma faixa
mínima, uma vez que o mar ainda se encontrava com o nível muito alto.
O que encontrava pelo caminho era
destruição, galhos de árvores, lama, muita lama encobrindo a areia antes tão
clara e limpa. Porquanto avançasse lentamente iam me diminuindo as esperanças
de encontrar a minha rude choupana em pé ainda, pois tudo no meu caminho era
devastação, sujeira e tristeza. E ao chegar ao local do casebre, vi que lá não
mais existia nada. Somente o espaço vazio e revirado. Tudo fora derrubado e
lançado para longe. As árvores maiores ainda estavam lá, de pé, mas pareciam
agredidas por algo forte e duro que lhe havia açoitado os galhos, tal o estado
em estes se achavam, desfolhados e quase todos quebrados. As menores, os
arbustos, haviam sofrido mais, e a maioria havia sido arrancado pelas raízes e
jogados longe, amontoados uns sobre os outros. Testemunhava uma devastação
total. Não possuía mais um lugar para chamar de morada, nem roupa, nem comida,
nem livros, nada que aliviasse o meu sofrimento. E isso me deixou mais abatido
do que no dia em aqui cheguei. Estava novamente sem nada. Toda a estrutura que
eu havia montado desabara, fora destruída em questão de segundos. E o pior.
Estava sem fogo novamente. O furacão apagara a lamparina, o meu fogo
permanentemente aceso. E não somente isto, levara-a para longe.
Fiquei ali sem saber o que fazer,
que decisão tomar. Por horas. Mas, o sol, como se mostrasse para mim que sempre
podemos contar com a esperança de momentos melhores, teimava em romper a
barreira de nuvens e já lançava os primeiros raios sobre a terra arrasada. E,
devo confessar, lançou sobre mim um fio de esperança também. Sempre existe a
possibilidade de um recomeço, pensei. Aqueles raios ainda tenros de sol me
mostravam isso.
Coitado do nosso náufrago! Além do seu inimigo manco e do imenso paredão de água salgada que o separa da civilização, agora um tenebroso fenômeno da natureza. E agora?
ResponderExcluirCaros Acoram e JP Araújo,
ResponderExcluirNão mais irei interceder pelo nosso bravo náufrago e nem demonstrar piedade, pois parece que quanto mais a gente lamenta o seu destino aziago, mais o nosso romancista o castiga...
Meus caros amigos,
ExcluirO nosso náufrago sem nome está atravessando um período ruim, somente isso. Vejamos o que o futuro vai lhe propiciar de bom. Com certeza não farei como nos folhetins globais cujos mocinhos só se dão bem no último capítulo. Continuem torcendo pelo nosso protagonista azarado!